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IX.
ОглавлениеÁ cabeceira do meu leito, estava um volume das Viagens de Cyro, e o quinto volume d'uma Miscellanea curiosa e proveitosa, onde encontrei uma longa poesia a D. Ignez de Castro, que me fez dormir até ás 8 horas da manhã.
O meu companheiro, quando abri os olhos, estava sentado na cama, e escrevendo nas paginas d'uma carteira.
—O senhor está a fazer versos?—perguntei eu.
—Adevinhou.
—Faz favor de recitar, se não é segredo!
—Recito: olhe lá se entende:
Eras um anjo? Se o eras Que torvo facho do inferno Te queimou as azas? Diz: Porque, tão cedo, infeliz Cahes no abysmo eterno!... eterno!
—Entendeu?
—Não, senhor.
—Veja se entende agora:
Eras pura, quando lagrimas Tu me déste, e me pediste... Tu choraste aqui, choravas... Mas porque? prophetisavas Este abysmo em que cahiste?
—Entendeu?
—Nada... Ora diga-me os versos tem alguma cousa com a historia que ficou suspensa?
—Não, senhor; pertencem a outra, que nasceu aqui n'esta casa, e que é toda minha...
—Esta casa parece-me uma casa de novella... Estou a vêr se aqui arranjo tambem alguma historia para contar a minha tia, que está resando o quadragesimo responso a Santo Antonio por minha causa, se é que já me não resou por alma... Então o senhor não conta ao menos a primeira historia completa?
—Hei-de contar.
—Quando? Eu vou-me embora logo.
—Não vai. Já aqui esteve o padre, e disse que não sahiriamos d'aqui hoje, porque augmentou de noite a neve.
—Deixal-a; mas a minha familia, se eu não appareço, nem dou parte de mim, julga-me morto, e é capaz de me fazer officio de corpo ausente.
—Não se assuste, que o padre hontem á noite mesmo fez partir para a sua aldêa um criado com a certeza de que o senhor ficava vivo, e mais o seu furão.
—A proposito, sabe se já dariam de almoçar ao meu furão.
—É natural que sim... Ahi vem o snr. abbade; perguntemos-lhe... Snr. padre Joaquim, pergunta alli o nosso amigo se o furão ja almoçou.
—Comeu quatro ovos, e está agora brincando com minha cunhada, que é muito amiga de bichos.
—E como passou ella?—perguntou Valladares.
—Penso que melhor... Ergueu-se muito cedo: a creada disse que a vira chorar toda a noite; mas agora fui, com grande espanto meu, encontral-a com o furão no regaço, a sorrir-se como quem é muito creança e muito feliz... Sabe o senhor que...
Não sei bem o que o padre disse ao ouvido do estudante. Desconfio, pela resposta, que o resto do segredo era o receio de que ella endoudecesse.
Tudo isto, apurava-me o desejo de saber o que era a demencia de Côrte-Real, e a tisica de Amelia.