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Capítulo Oito
Оглавление– Olá, Dortworthy – eu disse sem me virar.
Com aquelas botas de caubói, ele não seria capaz de ser nem um pouco discreto.
–Boa noite, Sr. Saxon, tentei não o incomodar, era evidente que estava em profunda concentração.
Então por que não seguiu outro caminho?
Por alguma estranha razão, Dortworthy considerou nós dois amigos, ou, pelo menos, assim fingiu.
– O que você quer? – eu perguntei.
Stanley Dortworthy tinha pequenos olhos castanhos, juntos como uma cabra. Seu lábio superior provavelmente sofrera alguma deformação, ele o mantinha escondido sob um bigodinho de Hitler.
– Talvez depois do jantar possamos ter uma revanche do nosso jogo de xadrez. – Ele disse – Acho que ficou um pouco distraído na noite passada quando sua rainha caiu diante do meu peão.
– Odeio xadrez – eu disse – e você sabe o que mais…
Dortworthy me interrompeu.
– Bem, bem – disse ele – há o Sr. Choy.
Nosso segundo companheiro descia os degraus da ponte, levando-os dois por vez. Choy havia algo entre chinês e norueguês. Enquanto ele herdara todas as características faciais de seu pai chinês, olhos, cor da pele e longos cabelos negros, que ele usava em uma trança pendurada até a cintura nas costas, a constituição de seu corpo vinha do lado escandinavo. Ele tinha mais de um metro e oitenta de muitos músculos através dos ombros.
Dortworthy me deu boa noite e seguiu a conversar com ele, pobre Sr. Choy.
Encontrei nossa pequena cabine escura e vazia, Kaitlin estava ocupada na cozinha, e Rachel provavelmente estava brincando com seus novos amigos, Billy e Magnalana. Peguei meu arco das cavilhas acima do beliche e percorri com as pontas dos dedos sua curva suave enquanto pensava na construção da arma.
Duas semanas antes, Cian me levara em busca da madeira para fazer meu arco, ao que entendi, deveríamos encontrar uma árvore atingida por um raio, morta por, pelo menos, duas temporadas, mas ainda de pé. Ela encontrou e rejeitou várias até chegarmos a uma que acredito ser membro da família dos teixos. Ela subiu e cortou três galhos grossos, jogando-os para mim.
De volta ao nosso acampamento na margem do rio, ela começou a trabalhar em um dos galhos, o dividiu longitudinalmente com sua faca de pederneira, seguindo os veios da madeira. Depois de alguns minutos, ela o deixou de lado pegando o segundo. Peguei o galho descartado para examiná-lo, a madeira tinha um tom claro como de nogueira, veios finos e certa elasticidade.
– Esta não é boa? – eu perguntei.
Ela apontou com a faca para um nó na madeira. —Conlak depi – disse ela – como você fala isso?
Balancei a cabeça.
– Pularia ali, pensa o que é isso.
– Ah – eu disse – quebraria no nó.
Ela trabalhou rapidamente depois de dividir o segundo galho em três seções e selecionar a peça central para formar um arco, esta estava sem nós e bastante reto.
– Deve ficar plano aqui – disse ela – e aqui. – Ela tocou a faca nos dois lugares que se tornariam os pontos de sustentação do arco – Mas não neste lugar. – Ela indicou o meio, onde estaria a empunhadura.
Ela trabalhou os dois arcos em ambos os lados, depois os afinou nas extremidades, logo o arco foi terminado e amarrado com uma tira.
Ainda sozinho, em nossa cabine no Borboleta, peguei uma das minhas flechas da aljava de couro e pressionei, puxando a corda trançada para minha bochecha. Eu mirei através da seta em direção a uma vigia. Gostei da sensação de poder no arco e das finas linhas da flecha, com as bárbulas verde e vermelha das penas de papagaio na extremidade do entalhe.
Se um cervo galopasse por aquela vigia
–Abrir janela para enviar a afiada aos peixes, você pensa.
Minha mão pulou, mas a flecha não escapou.
– Você me assustou – eu disse.
Cian riu.
– Soriwa é o nome da palavra para irmão da árvore, acho que você quer dizer que koriwa ficou assustado.
– Pensei que você estivesse brincando com Rachel e suas amigas.
– Sim, eu mostro a elas jogo nak-nak com pedrinhas, jogar na parte de trás do barco por muito tempo a partir daqui, provavelmente.
Recoloquei meu arco em seu lugar, pisei ao lado dela e fechei a porta. Eu então a peguei em meus braços.
– Ensine-me a palavra para isso – eu sussurrei.
* * * * * *
Uma hora depois, Cian e eu, junto com o resto da família, estávamos assistindo o pôr do sol no meio do convés a estibordo.
Estibordo sendo o lado anatômico do lado direito do navio, para aqueles que não são navios muito iluminados.
Eu sorri para mim mesmo quando aquelas palavras do capitão Riley flutuaram de volta para mim através dos anos, tinha doze na época e não conhecia a popa do arco. Kaitlin tinha dez e ficou apavorada naquela manhã em que fomos apanhados, eu também estava com medo, mas tive que mostrar coragem por minha irmãzinha. Escorregamos a bordo do Castelo de Marfim duas noites antes, enquanto a tripulação estava ocupada preparando a carga. Nos escondemos em um barco salva-vidas e ficamos lá até o navio partir de Nova York. Na manhã seguinte, saímos à procura de um lugar quente para nos escondermos e, talvez, de algo para comer, quando um marinheiro português nos pegou por trás arrastando-nos para o capitão.
O capitão Riley tentou agir de modo rude, mas a pequena Kaitlin, tremendo diante dele, com seu vestido de algodão fino e sapatos gastos sem meias, derreteu sua determinação. Ele nos levou até a cozinha para um café da manhã quente e ordenou que um dos marinheiros encontrasse um casaco para minha irmã. Nós mentimos para o capitão Riley. Disse a ele que éramos órfãos e fugimos de uma velha malvada que nos fazia trabalhar o dia todo pelo pouco de comida e abrigo que ela nos deu. Kaitlin e eu tínhamos decidido a história antes, e ela concordou, enquanto rasgava um pedaço de pão e enfiava a maior parte na boca.
Nossa história era parcialmente verdadeira, nós éramos órfãos, mas não queríamos que ninguém soubesse de onde viemos porque pensávamos que seriamos entregues ao nosso único parente vivo. Nossos pais e avós haviam morrido no ano anterior em um incêndio na casa em Abilene, Kansas, deixando-nos apenas com nosso tio Bart. Ele não tinha um emprego regular, mas sempre dirigia um carro novo e tinha muito dinheiro para gastar. Papai nos disse que trabalhava para a Máfia como executor, fosse o que fosse, nas poucas vezes em que o visitávamos, ele sempre tinha uma namorada nova e estava bêbado barulhento, contando piadas obscuras e soprando fumaça de charuto em nossa cara.
Ele era irmão do meu pai, mas meu pai sussurrara para ficar longe dele, me lançou um olhar severo e disse:
–Você está me ouvindo?
Nós nunca ficamos muito tempo em sua casa.
Kaitlin e eu fugimos de um lar adotivo temporário quando ouvimos a assistente social dizendo a nossos pais adotivos que ela havia localizado um de nossos parentes e estava tentando entrar em contato com ele para ficar conosco. Decidimos nos arriscar na estrada em vez de seguir com o tio Bart, acabamos nas docas da cidade de Nova York, onde vimos o Castelo de Marfim carregando, gostamos do nome do navio e decidimos nos esgueirar adentro.
Enquanto tomávamos aquele maravilhoso café da manhã, o capitão Riley disse que estávamos longe demais no mar para retornar a Nova York, quando atracamos em Liverpool, Inglaterra, ele teria que nos entregar às autoridades e elas descobririam o que fazer comigo e minha irmãzinha. Enquanto isso, ele disse, teríamos que trabalhar para ele se quiséssemos comer e ter onde dormir.
Ele nos fez trabalhar, mas era bem leve, passávamos a maior parte do tempo com ele na ponte ou na cabine, ouvindo suas maravilhosas histórias sobre o mar e todos os lugares exóticos que ele visitou. Quando chegamos a Liverpool, Inglaterra, ele nos disse para ficarmos fora de vista e ordenou que sua tripulação ficasse de boca fechada sobre os dois jovens clandestinos a bordo, isso não seria muito difícil para os marinheiros, já que falavam apenas português. Cinco dias depois, navegamos para a Cidade do Cabo, o Castelo de Marfim estava carregado com dezoito toneladas de dinamite e quarenta e três cabeças de gado,
Kaitlin e eu fomos designados para o importante dever de cuidar dos potros e bezerros. Enquanto trabalhávamos, fiquei de olho nos caixotes de explosivos empilhados, catorze caixas de altura nos três lados dos currais. Os bezerros e potros mastigavam a alfafa de nossas mãos e pareciam não se importar com a possibilidade de explodir em pedaços a qualquer momento, assim como Kaitlin, mas eu observava continuamente qualquer mudança na carga ou fraqueza na rede de corda que segurava as caixas.
A campainha do Borboleta tocou, sinalizando o início do segundo turno de guarda e me trazendo de volta das minhas memórias. Enchi meu cachimbo na bolsa de couro, Kaitlin teve uma pequena folga da cozinha antes do jantar e eu fiquei de vigia até as quatro da manhã, dando à nossa pequena família a oportunidade de ficarmos juntos por alguns momentos antes da refeição da noite.
O sol foi tomado por uma muralha de trovoadas que se aproximava do sudeste ao longo do horizonte, proporcionando um brilho dourado através das cortinas de chuva que se inclinavam para o oceano. Cian inclinou a cabeça e depois se afastou lentamente de nós, na direção do castelo de popa, Ela parecia estar em algum tipo de transe hipnótico, movendo-se silenciosa e deliberadamente, tentando não emitir um som que dissolvesse ou afugentasse as notas exóticas e melódicas que chegavam ao seu ouvido inocente, subiu o meio lance de degraus de dois em dois passos até o tombadilho, como era necessário por causa de sua perna direita desajeitada e nós a seguimos, quase como um, imitando seus cuidadosos passos. No andar superior, encontramos Doki, o fogueiro da sala de máquinas, sentado na cabine baixa, tocando violão enquanto se recostava nas primeiras sombras do crepúsculo que se aproximava. Doki tinha quase setenta anos, imaginava, era magro e ossudo, seus cabelos longos e grossos haviam sido penteados em algum momento nos últimos dias, mas parecia que cada mecha cinza tinha vontade própria, querendo esvoaçar para múltiplas direções.
Cian ficou parada ouvindo, como se estivesse paralisada, os ágeis dedos de Doki dançavam sobre as cordas de um instrumento velho e desgastado que poderia ser mais velho que o tocador.
– O quê…? – Cian sussurrou, quase sem voz.
Não sabia se ela queria o nome da música, a natureza dos sons ou o velho, mas antes mesmo que eu pudesse dizer qualquer coisa, outra voz veio de uma espreguiçadeira nas proximidades.
–É a Sonata ao luar, de Beethoven.
Na verdade, a voz não vinha da própria cadeira, mas de sua ocupante.
Cian se virou na direção da voz, mas eu sabia que ela não havia compreendido uma só palavra dita.
–Qual o seu destino?
Esta, exatamente como a primeira afirmação, chegou a nós em perfeito espanhol castelhano e foi dirigida, pensei, a mim. Vimos a senhora balançando os pés no convés e, auxiliada pela bengala, puxar-se suavemente para uma posição ereta. Ela ajeitou seu longo vestido, de brocado vermelho, e ficou ali por um instante, nos últimos momentos amarelos do dia, obviamente acostumada a chamar a atenção de todos com sua presença.
– Insisto que me desculpem —ela continuou, caminhando em direção a uma abertura no parapeito que acabara de aparecer ao meu lado, onde Kaitlin e Rachel estavam apenas um momento antes. Observando atentamente, podia-se detectar que ela mancava um pouco em seu passo imponente. – Ouvi seu discurso e, ainda que considerasse toda minha vida não consigo determinar o idioma, apenas deduzi sua pergunta por sua atenção ao nosso músico aqui – Ela balançou a bengala na direção de Doki e depois encaminhou seu olhar para Cian – Me permite ver sua perna?
Minhas habilidades linguísticas eram boas, mas meu conhecimento de espanhol se limitava às palavras semelhantes em português.
– Com licença – eu disse em meu português cuidadoso— você pede meu braço?
Ela estava me pedindo para acompanhá-la até a amurada do navio? Dei um passo em sua direção e ela me parou com sua bengala.
– Não, não – disse ela, balançando bastão esguio na direção de Cian – Gostaria de ver a perna de sua servidora. Essas palavras vieram quase como uma ordem.
Hero rosnou em sua direção, eu vi aquele olhar selvagem em seus olhos, os pelos pretos ao longo de sua espinha endureceram, Rachel rapidamente pegou o animal para mantê-lo afastado.
Eu entendi a palavra “servidora”, como Kaitlin. A mulher estava perguntando algo sobre Cian, a quem ela assumiu ser nossa serva, eu queria esclarecê-la sobre isso, mas seria difícil no meu fraco portunhol.
– Parlez-vous français? Kaitlin perguntou. Sempre descobrimos que o francês é a língua falada com mais frequência no mar, sendo o esquecido inglês de pouca utilidade a bordo ou em qualquer outro lugar daquele tipo.
– Un petit – ela respondeu.
– Esta mulher – disse-lhe em francês – não é nossa serva, mas minha vida … quero dizer, minha esposa.
Fui até o lado de Cian, satisfeito com a realização da minha recém-descoberta habilidade poliglota, mas incapaz de disfarçar minha indignação. Repeti minha frase em Yanomami, menos a confusão de substantivos, para o benefício de Cian. Queria acabar com esse ridículo mal-entendido para que a intrusa pudesse ir para o lado despovoado do pórtico para jantar ou que queimasse no inferno… Eu me senti profundamente ofendido, se não por mim, pela mulher ao meu lado, mas Cian mostrou apenas um sorriso divertido enquanto eu empurrava meu cachimbo preto vazio no lado da minha boca emburrada.
– Ah! Mil perdões – disse a senhora, caminhando rapidamente ao redor de Cian e pegando sua mão – Por favor, desculpe a ignorância de uma velha por uma situação óbvia. Seu sorriso foi cuidadosamente projetado para ser sincero e se desculpar – Você pode me chamar de Lilian.
Eu segui traduzindo o francês bruto para Yanomami. Cian olhou para mim e perguntou o que eu tinha dito, tirei o cachimbo dos dentes cerrados e repeti a tradução.
Cian fitou Lilian.
– Eu não me ofendi.
– É que sua linda pele morena é tão diferente da palidez de seu marido.
Não achei que ela tivesse escolhido a palavra correta para minha condição de pele, então traduzi como “brancura” mesmo.
Cian sorriu para Lilian, depois olhou de volta para o violonista.
– Qual é a palavra para isso e como pode ser feito?
Na Amazônia, como em qualquer outro lugar à beira do profundo abismo conhecido como “civilizado”, sempre estava presente alguma forma de música, seja batendo ritmicamente paus em troncos ocos ou soprando na boca de uma cabaça vazia. Mas a descoberta de instrumentos de corda ia um pouco adiante no caminho da experimentação. Cian estava ouvindo música erudita pela primeira vez em sua vida. Devo admitir que nunca ouvi a Sonata ao Luar tocada ao violão, mas Doki apresentou uma excelente versão da peça originalmente escrita para o piano.
– Chamamos de música – eu disse – E isso só pode ser alcançado com uma grande quantidade de talento e muitos anos de prática.
– Talento? – ela perguntou.
Expliquei com alguma dificuldade, tentando igualar a habilidade musical de Doki à sua experiência com a selva.
– Você – eu disse a ela – pode tirar um galho da árvore, juntar algumas pedras, e fazer uma bela e útil arma, com os quais eu não poderia construir nada além de um brinquedo bruto. Doki é capaz de pegar um bloco oco de madeira com algumas cordas e usá-lo para produzir sons bonitos, eu ou você, usando as mesmas ferramentas, provavelmente não conseguiríamos nada além de uma raquete irritante.
Cian largou a mão de dona Lilian e se aproximou de Doki, enquanto ele começava outra música, ele permaneceu no telhado do castelo de popa, sentado um pouco acima de nós. Essa música eu reconheci como Scarborough Fair.
–Onde você conseguiu seu talento? —ela perguntou.
Ele piscou para mim e depois para ela com seu sorriso torto, continuando sua música sem a necessidade de supervisionar seus dedos. Finalmente, quando ele estava pronto para responder, percebi que o pobre homem tinha apenas quatro dentes restantes em sua boca, dois na parte superior e dois na parte inferior, nenhum alinhado com os outros.
Doki respondeu, em seu francês muito provincial:
– Você, minha querida, não precisa procurar talentos, mas apenas para encontrar um instrutor capaz e disposto.
Esse homem, obviamente flertando com o amor da minha vida, teve tão pouco impacto em minhas emoções quanto Hero ao lamber um pouco de mel nas pontas dos dedos de Cian. No entanto, descobri mais tarde que Doki era realmente muito bem-sucedido com as mulheres, apesar de sua aparência bruta, principalmente por conta de suas habilidades musicais. Cian, acredito, entendeu isso perfeitamente.
Dona Lilian interrompeu mais uma vez.
–Tenho certeza que Doki ficará muito feliz em ensiná-la a tocar essa coisa, mas posso ter apenas um momento do seu tempo?
Cian, com mais controle que qualquer cortesã real, com anos de educação cultural perfurada em um cérebro que alguma vez poderia esperar possuir, afastou-se de algo de tremendo interesse para ela e atendeu ao que ela deveria ter pensado que era uma função social esperada. Ela deu toda sua atenção à idosa.
–Sua roupa é tão… – Cian olhou para mim buscando por uma palavra. Não acredito que ela já tenha visto um vestido com tantos detalhes entre cortes e cores.
– Feia – eu disse a Cian.
– Não! – Ela riu, me dando uma cotovelada – É tão maravilhosa e bonita, mas não pesa seus ombros?
Cian usava uma saia bege simples e blusa creme, sem nada por baixo, Kaitlin e eu ainda estávamos tentando convencê-la a usar roupas de baixo, mas, pelo menos, sentimos alguma conquista ao fazê-la usar uma blusa. A saia tinha um caimento que a levava entre os joelhos e os pés descalços… ou o pé descalço, devo dizer. Suas roupas eram muito mais leves e casuais do que as de dona Lilian.
–Sua perna de madeira vai até o quadril? – A mulher voltou ao assunto original.
A maioria das pessoas ignorava ou tentava ignorar o membro, conduzindo a conversa a outras coisas, mas essa mulher foi muito direta em todas as suas observações. Eu não sabia se era simplesmente uma curiosidade mórbida ou se havia algo a mais em seu interrogatório.
– Logo abaixo do meu joelho – respondeu Cian, levantando a barra da saia.
A música parou e eu olhei para Doki, que levantou os olhos das pernas de Cian para mim, depois rapidamente os colocou de volta em seu instrumento e a melodia interrompida começou de onde parou.
– Perfeito! – dona Lilian exclamou.
Pedi-lhe para repetir a palavra. Ela disse de novo sorrindo para mim e então, com a bengala, bateu com força na canela direita através das camadas de tecido. Dava para perceber facilmente pelo som oco da batida que era uma perna falsa, ela, no entanto, não levantou o vestido arrebatador para nos permitir uma olhada em seu membro artificial. Em vez disso, ela me entregou a bengala, se afastou dez passos acima do convés e voltou em nossa direção, sorrindo amplamente. Enquanto ela fazia essa curva, Doki deu uma levada de foxtrot, e a senhora Lilian deu-lhe um sinal impaciente com a mão, junto com o sorriso, enquanto caminhava em nossa direção. Vimos que ela estava se movendo com esforço, mas sem mancar nem um pouco.
A campainha do jantar tocou e Lilian atou braços com Cian. As duas caminharam em direção à cabine principal, deixando o resto de nós a segui-las, convidados para jantar ou não. E eu, ainda segurando aquela bengala ridícula e me sentindo muito como um criado, segui Rachel, Kaitlin e Hero, enquanto ouvia atrás de mim as notas alegres de Aquarela do Brasil.