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Capítulo 2

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Embora não fosse exactamente mentira, quando Maeve lhe perguntara pelo sítio para onde se dirigiam, o assistente de bordo mostrou-se menos reservado do que o pessoal do hospital.

– Chama-se Pantelleria – respondeu, enquanto lhe servia o almoço

– Foi isso que me disseram, mas o nome não me é familiar.

– É uma ilha, conhecida também como «A pérola negra do Mediterrâneo».

– Em Itália?

– Sim, signora. A uns cem quilómetros da Sicília e a menos de oitenta da Tunísia.

– Fale-me desse lugar.

– É uma ilha pequena e isolada com ventos muito fortes. A estrada que a rodeia é um desastre, mas as uvas são doces, o mar é de um azul transparente… pode mergulhar-se nele. E o pôr-do-sol é magnífico.

Parecia um pequeno paraíso. Ou uma prisão.

– Vive lá muita gente?

– Além dos turistas, muito pouca.

– Eu vivi lá durante muito tempo?

O homem ergueu-se, como se estivesse num desfile militar.

– Posso oferecer-lhe alguma coisa para beber, signora?

Maeve sorriu, tentando sacar-lhe mais alguma revelação.

– O que costumava beber?

Mas o seu esforço não serviu de nada.

– Temos vinho, sumos, leite e água mineral com gás. Ou, se quiser, posso fazer-lhe um café.

– Água mineral – suspirou Maeve, pensando que quem quer que fosse recebê-la ao aeroporto teria de lhe dar alguma resposta porque estava a começar a ficar cansada daquela conspiração de silêncio.

Mas todas as perguntas que queria fazer desapareceram da sua mente quando o jacto aterrou e viu o homem que estava à sua espera.

Se Pantelleria era a pérola negra do Mediterrâneo, ele devia ser o príncipe dos diamantes: alto, bronzeado, de ombros largos e tão bonito que Maeve teve de afastar os olhos quando lhe apertou a mão.

– Ciao, Maeve. Sou o teu marido – disse. – Estou muito feliz por voltar a ver-te e que estejas tão bem.

O cabelo preto bem cortado, o queixo cuidadosamente barbeado… usava umas calças de linho, uma camisa azul e um relógio Bulgari no pulso. Em comparação, ela devia parecer uma expatriada e deslocada ao lado daquele estranho tão elegante.

E ele devia pensar o mesmo porque quando olhou para os seus olhos cinzentos viu neles o mesmo brilho de compaixão que a açoitara quando era adolescente.

Desesperados por dar à sua filha o que eles não tinham tido, os seus pais gastaram todas as suas economias para a enviarem para um dos melhores colégios privados de Vancouver, sem se darem conta da angústia que o seu sacrifício provocava em Maeve. As suas companheiras, todas filhas de famílias ricas, criticavam-na sem piedade e esses comentários tinham-lhe deixado mais cicatrizes do que o acidente de carro.

«Pobrezinha, já viste os dentes dela? É normal que se esconda atrás de tanto cabelo».

«Sinto-me mal por não a convidar para a minha festa, mas ela não se integraria».

Anos depois, uma ortodontia deixara-lhe os dentes perfeitos e, sorrindo agora para disfarçar a timidez que sentia quando se encontrava em desvantagem, Maeve disse:

– Terás de me perdoar, mas esqueci-me do teu nome.

Deviam ser as palavras mais absurdas que alguma vez pronunciara, mas ele também sorriu.

– Dario.

– Dario – repetiu Maeve, copiando a sua entoação, como se desse modo o nome pudesse ser-lhe familiar. Mas não foi assim.

Ele indicou-lhe o carro que os esperava, um Porsche Cayenne Turbo, que Maeve sabia que era muito caro.

– Vamos para o carro, o vento é infernal.

Sim, de facto era. O seu cabelo, ou o que restava dele, levantava-se como um campo de trigo e tinha a testa coberta de suor. E, embora o voo não tivesse durado mais do que algumas horas, a angústia do que a esperava deixara-a esgotada.

Como Dario não parecia muito inclinado a falar, Maeve foi olhando para a paisagem pela janela, rezando para que qualquer coisa despertasse uma lembrança, por mais pequena que fosse.

À esquerda havia vinhedos protegidos por muros de pedra e grupos de oliveiras que abraçavam a terra como se pudessem evitar que o forte vento os atirasse ao mar.

À direita, ondas de cor turquesa acariciavam rochas vulcânicas de cor preta. Daí o nome da ilha, sem dúvida.

Pouco depois passaram por uma vila de pescadores, com casinhas pequenas em forma de cubo, juntas umas às outras com uns telhados estranhos.

– Para aproveitar a água da chuva – explicou Dario quando lhe perguntou porque é que eram assim. – Pantelleria é uma ilha vulcânica com muitas nascentes, mas o sulfureto que a água contém faz com que não seja potável.

Essa informação também não lhe despertava lembrança alguma, de modo que Maeve se viu obrigada a continuar a fazer perguntas se quisesse chegar ao seu destino tendo alguma referência.

– O assistente de bordo disse-me que a ilha era muito pequena.

– Sim.

– Então a tua casa não fica muito longe.

– Nada fica muito longe aqui. Pantelleria só tem catorze quilómetros e meio.

– Então chegaremos em breve?

– Sim.

– Ouvi dizer que eu vivia aqui antes do acidente.

Maeve viu que ele cerrava os lábios.

– Sim.

Era um homem de poucas palavras, certamente.

– Há quanto tempo estamos casados?

– Há pouco mais de um ano.

– E somos felizes?

Dario ficou visivelmente tenso.

– Aparentemente, não.

Surpreendida, Maeve virou a cabeça para olhar para ele.

– Porquê?

Ele encolheu os ombros, apertando o volante com mais força. Tinha umas mãos lindas, grandes e elegantes. Mas não usava aliança.

– A nossa situação não era… a ideal.

Maeve quis perguntar-lhe o que significava isso, mas havia tal reserva no seu tom de voz que decidiu continuar a olhar pela janela.

Pouco depois, Dario seguiu por um caminho estreito que levava até um grupo de casas sobre uma colina. Por meio de algum método que não conhecia, um portão de ferro forjado abrira-se quando o carro se aproximara e voltara a fechar-se depois, silenciosamente.

Um caminho ladeado de palmeiras levava até uma residência que, embora seguindo o que parecia o estilo arquitectónico da ilha, era muito maior do que as restantes e tinha um inegável ar de opulência. De um só andar, estendia-se numa série de terraços, com um telhado sobre a zona central.

Dario parou em frente de uma enorme porta de madeira e desligou o carro.

– É aqui?

– É aqui – disse ele. – Bem-vinda a casa, Maeve.

O vento espalhara o cheiro dos pinheiros, iluminados agora com a luz malva do entardecer, enchia o ar, misturando-se com o cheiro do mar.

Fechando os olhos, Maeve respirou profundamente, perguntando-se como podia não se recordar daquele lugar.

Dario apoiou-se no carro, olhando para ela. A sua silhueta, recortada contra a luz do entardecer, surpreendeu-o tanto como quando a viu descer do avião. Nessa altura desejara envolvê-la nos seus braços, mas ao recordar a advertência de Peruzzi parou. Isso e o medo de lhe partir alguma costela sem querer.

Maeve sempre tinha sido magra, mas nunca ao ponto de permitir que o vento siroco a atirasse ao mar se se aventurasse a aproximar-se da beira de alguma ravina. Estava tão frágil que parecia quase transparente. O conselho do neurologista era que fosse paciente e o mais lógico naquela situação. A primeira coisa a fazer era devolver-lhe a saúde. O resto, a sua história, o acidente e os eventos que o provocaram, teria de esperar.

Sem se aperceber, já lhe revelara mais do que queria, mas não voltaria a cometer esse erro. Não tinha chegado ao topo de um império multimilionário sem aprender a ser discreto quando era necessário. E agora era mais necessário do que nunca.

– Queres ficar aqui fora, por um momento? – perguntou-lhe. – Podes dar um passeio pelo jardim para esticar as pernas.

Ela passou os dedos pelo cabelo curto.

– Não, obrigada. Embora seja cedo, estou muito cansada.

– Então anda. Direi à governanta que te acompanhe ao teu quarto.

– Eu conheço-a?

– Não, começou a trabalhar aqui a semana passada. A sua predecessora foi-se embora para Palermo para estar com os netos.

Dario pegou na mala dela e abriu a porta, dando um passo atrás para a deixar entrar no hall.

Maeve inspeccionou o enorme lustre de cristal suspenso do tecto, as paredes brancas, o chão de mármore preto…

– Vives sempre aqui?

– Não, normalmente venho só aos fins-de-semana para relaxar.

– Então, a partir de manhã estarei aqui sozinha?

– Não, Maeve. Ficarei contigo até que te sintas um pouco mais cómoda em casa.

– E dormiremos no mesmo quarto?

«É isso que queres?», queria perguntar Dario. Outrora tinham sentido uma insaciável paixão um pelo outro…

– Não, terás o teu próprio quarto enquanto assim o desejares. Mas eu nunca estarei muito longe, para o caso de precisares – respondeu, felicitando-se a si mesmo por dar uma resposta que não fechava a porta à ideia de retomar a sua relação. Peruzzi ficaria orgulhoso dele.

– Ah, sim – murmurou Maeve. – Bom, é muito atencioso da tua parte. Obrigada.

– Prego.

– As minhas coisas estão aqui?

– Sim – garantiu ele. – Está tudo exactamente com o deixaste… olha, esta é a Antonia, ela leva-te ao teu quarto. Pede-lhe tudo o que precisares.

– Obrigada outra vez, por tudo o que fizeste por mim – murmurou Maeve.

– Não é nada. Dorme bem, vemo-nos amanhã.

Assim que as duas mulheres, uma tão bem constituída, a outra tão frágil, desapareceram pelo corredor para os quartos, Dario foi para o seu escritório para ligar a Giuliana, a sua irmã, que vivia na casa ao lado.

– A Maeve chegou?

– Sim.

– E como é que ela está? É tão terrível como esperávamos?

– Está tão frágil… – Dario sentiu uma quebra na voz. – A viagem deixou-a esgotada. Foi para a cama mal assim que chegou.

– Pobrezinha. Oxalá pudesse ir dizer-lhe como gosto dela e que estou muito feliz por ter voltado.

– Eu também gostaria. E trazer o menino para que ela o visse, mas infelizmente ainda não é o momento.

– Sim, eu sei.

– Mas escapou-me que o nosso casamento não passava pela sua melhor fase e essa não é a melhor maneira de começar outra vez – suspirou Dario.

– Podem recomeçar se ainda se amarem como antes. A questão é… ainda se amam, Dario?

– Eu não posso falar por ela.

– Então fala por ti mesmo. Sei que te casaste com Maeve porque te pareceu que era o mais honrado, mas a mim parecia-me que corria tudo bem.

– Até que começou a correr tudo mal.

E aí estava o problema. Será que poderiam esquecer o que se tinha passado alguma vez e voltarem a confiar um no outro?

– Maeve ama-te, Dario. Tenho a certeza disso.

– Oxalá eu também a tivesse. Mas não te estou a ligar para te sobrecarregar com os meus problemas, ligava-te para te perguntar por Sebastiano.

– Estamos todos muito bem. Marietta é uma ajuda enorme. E quanto a Cristina, está encantada com o primo e está sempre a brincar com ele. Além disso, Sebastiano é uma criança maravilhosa; só chora quando tem fome ou quando há que lhe mudar a fralda.

– É a única coisa boa em todo este desafortunado assunto.

– E Sebastiano é demasiado pequeno para entender o que aconteceu.

– Esperemos que nunca saiba – Dario fez uma pausa. – Alguém da família foi vê-lo?

– Se te referes à nossa mãe, sim. Veio esta manhã e depois à tarde outra vez. Insiste em que deveria estar com ela e eu insisto em que deve estar comigo.

– Pensei que tinha voltado para Milão com o papá. A última coisa que Maeve precisa neste momento é de se encontrar com ela.

– Infelizmente, parece decidida a ficar. Mas não te preocupes, eu posso lutar com ela. E Lorenzo também, portanto não deixaremos que se intrometa.

Dario sabia que era verdade.

– Agradeço-vos muito aos dois que me estejam a ajudar tanto. Dá um beijo ao Sebastiano por mim, eh? Ia vê-lo, mas…

– Não – interrompeu a irmã. – É importante que esta noite fiques em casa com Maeve. Seria horrível se despertasse a meio da noite e não soubesse onde está.

Quanto tempo duraria aquilo?, questionou-se Dario depois de desligar. O doutor Peruzzi aconselhara paciência, mas ele nunca tinha sido um homem particularmente paciente. Estava há demasiados dias afastado do seu trabalho porque não conseguia concentrar-se, passava as tardes com um copo de uísque como companhia e demasiadas noites sozinho, numa cama feita para dois.

Irritado, saiu para a varanda para respirar um pouco de ar fresco. A noite tinha caído e uma dúzia de candeeiros ao redor da piscina brilhavam suavemente na escuridão.

Uma vez, não há muito tempo atrás, Maeve desejara-o como ele a desejava. E, à noite, na piscina, faziam amor com uma urgência que alcançava o desespero. Ele enterrava a sua boca na de Maeve por medo de que alguém a ouvisse gritar de prazer… ele continha-se, esperando prolongar o encontro até que não pudesse aguentar mais. E depois deixava-se ir, com uma urgência e um ardor que quase faziam com que o seu coração parasse.

Então, porque é que estava sozinho agora? Porque é que Maeve estava a dormir num quarto que não era o do casal?

Um som quebrou o silêncio da noite, mais próximo do que o murmúrio das ondas, um passo tão hesitante que poderia ter pensado que era a sua imaginação se não viesse acompanhado por uma fragrância que conhecia tão bem: bergamota, junípero e tangerina siciliana com um toque de alecrim. A fragrância de Maeve. Sabia porque ele mesmo a tinha comprado para ela.

Quando voltou a cabeça encontrou-a na soleira da porta, usava uma roupa larga que a fazia parecer ainda mais frágil. Nunca lhe tinha parecido mais etérea, mais desejável.

– Pensei que estavas a dormir.

– Não conseguia dormir.

– Demasiadas emoções?

– Talvez – Maeve deu um passo em frente. – Ou talvez tenha dormido demasiado e já esteja na hora acordar.

Recordações de um amor - Uma amante temporária

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