Читать книгу Recordações de um amor - Uma amante temporária - Emma Darcy - Страница 7

Capítulo 3

Оглавление

Dario permanecera imóvel, olhando para ela com uma expressão tão indecifrável que Maeve quase perdera a coragem e voltara para o seu quarto. Para a sua suíte, decorada em tons suaves, a mais luxuosa que alguma vez vira. A casa de banho tinha um banho turco e uma banheira suficientemente grande para duas pessoas. Entre a casa de banho e o quarto havia uma sala e lá fora, no jardim, em frente ao mar, um jacuzzi.

Um oásis de tranquilidade e, no entanto, Maeve não era capaz de a encontrar. Desde que entrara na casa sentia-se embargada por uma sensação desoladora. Sentia-se vazia, sozinha.

Alguma coisa horrível tinha acontecido ali, alguma coisa que ia além de um casamento com problemas. E a sensação de que tinha havido uma tragédia, alguma coisa que nem sequer queria contemplar, perseguia-a. Aquela villa espectacular ocultava um segredo terrível e Maeve estava decidida a descobrir qual era.

E quisesse ou não, o seu marido teria de lho revelar.

– Não me vais oferecer uma bebida? – perguntou-lhe, embora tivesse o pulso tão acelerado que mal conseguia respirar. Nada de novo, certamente. Tinha vivido grande parte da sua vida com um medo que tinha aprendido a disfarçar.

– Não sei se podes beber álcool.

– Porque não? Era alcoólica?

Dario riu, um som agradável, masculino.

– Não, absolutamente.

– Ah, que alívio. Por um momento receei que fosse uma dessas raparigas que começam a dançar sobre a mesa depois de beber uma cerveja.

– Eu não sabia que bebias cerveja. Preferes champanhe e nunca mais de um copo ou dois. Além disso, também nunca te vi a dançar sobre uma mesa.

– Então porque é que não me queres dar uma bebida?

– Não é bom misturar a medicação com o álcool.

– Não estou a tomar nenhuma medicação. Há semanas que não tomo nada.

– Estou a ver – murmurou Dario, passando uma mão pelo queixo. – Nesse caso, fazemos um trato: vamos jantar e abro uma garrafa do teu champanhe favorito.

– Muito bem. Além disso, tenho fome.

– Óptimo! – ele sorriu. – Se me perdoares um momento, direi à cozinheira que seremos dois para jantar.

– Sim, claro.

Maeve saiu para o jardim, com as pernas trémulas, e deixou-se cair sobre uma rede.

Dali podia ver uma enorme piscina infinity estrategicamente colocada de forma a parecer que ia agarrar-se à beira de um precipício. Uma ilusão, é claro, que só os muito ricos podiam permitir-se. Mas a profusão de buganvílias em redor era obra da natureza.

Dario voltou alguns minutos depois com uma garrafa de champanhe e, depois de o servir, tocou com o seu copo no dela.

– Salute.

– Salute. E obrigada.

– Porquê?

– Por tudo o que fizeste por mim. No hospital disseram-me que enviavas flores todos os dias e que pagavas as contas.

– Sou o teu marido, Maeve.

– Sim, bom, sobre isso…

– Relaxa, cara. Não mencionei a nossa relação como um prelúdio para exigir os meus direitos conjugais.

– Ah! – murmurou Maeve, engolindo a desilusão juntamente com um gole de champanhe. Não queria fazer amor com um homem que não conhecia, mas que ele se mostrasse tão disposto a manter as distâncias também não era exactamente lisonjeador. Por outro lado, o que podia esperar?

– Posso não me recordar de ter estado casada contigo, mas não sou tola. Sei que pareço um espantalho…

– Estás a recuperar de um acidente que quase te custou a vida. Não podes esperar ter o mesmo aspecto que tinhas antes.

– Mas o meu cabelo… – Maeve tocou nos patéticos restos do que uma vez fora uma linda cabeleira.

Quando Dario lhe estendeu uma mão para agarrar a dela, o toque provocou uma espécie de descargas eléctricas num lugar íntimo que a fez fechar as pernas, como uma virgem a defender a sua inocência.

Felizmente, ele não podia ler os seus pensamentos ou, se podia, não gostou da direcção que tinham tomado porque soltou a sua mão em seguida.

– Tens um cabelo lindo. Faz-me recordar o amanhecer ou o cetim.

– Está demasiado curto.

– Eu gosto de o ver curto… assim vê-se mais a tua cara que, como o resto em ti, é linda.

Maeve sabia que não era verdade porque, depois de tomar banho, tinha procurado alguma coisa que lhe ficasse bem e ficava-lhe tudo largo. Havia roupa interior em gavetas com tampa de vidro, prateleiras para sapatos. Muitos vestidos, saias e calças, tudo posto em cabides forrados. A julgar pela quantidade de roupa informal, Pantelleria não parecia ser um lugar onde fosse necessário andar demasiado arranjado.

A qualidade da roupa, no entanto, era inegável. Todos os vestidos eram de marca, com um corte elegante e feitos com tecidos caros. Maeve tinha a moda no sangue e, embora tivesse esquecido tudo o resto, continuava a ter bom olho para o estilo. Que a maioria dos vestidos lhe ficassem grandes poderia ter sido um problema para uma pessoa que não tivesse experiência no mundo da moda, mas quando se tratava de ter bom aspecto, ela estava em terreno familiar. Por isso escolhera um conjunto de roupa interior de algodão e uma túnica cor-de-rosa que caía sobre o seu corpo como a brisa, disfarçando as suas ancas magras.

Mas, embora isso lhe tivesse dado coragem para tentar sacar informação a Dario, agora que o tinha tão perto começou a retrair-se.

– Estás a tentar animar-me.

– Estás tão encantadora como sempre – sorriu. – E não sou o primeiro homem a dizer-te isso.

– Não, o meu pai também estava sempre a dizer-me a mesma coisa, mas isso é lógico – disse Maeve. – Na verdade, quando era adolescente eu era um patinho feio.

– Acredito.

– Ah, sim?

– Certamente. Se não fosses um patinho feio como é que poderias ter-te transformado num cisne?

Estava a brincar e, de repente, Maeve também começou a rir.

Tinha passado tanto tempo desde a última vez que rira alegremente… e o resultado era incrível, como se tivesse aberto uma porta oculta. Pela primeira vez em semanas sentia-se leve e podia rir outra vez.

– Obrigada por dizeres isso. És muito amável.

– Tu és demasiado crítica contigo própria – disse ele, acariciando a sua mão. – Porquê, Maeve?

– Imagino que, estando nós casados, tu saberás a resposta.

– É possível, mas como estamos a começar de novo… conta-me outra vez.

Maeve deixou escapar um suspiro.

– Sempre fui tímida, mas nunca tanto como quando cheguei à adolescência. Sentia-me paralisada quando estava rodeada de gente.

– Não acontecia com todos nós a essa idade?

– Suponho que sim, mas a minha adolescência foi pior porque, quando fiz treze anos, os meus pais mandaram-me para uma prestigiada escola privada. No dia em que entrei ali, entrei num mundo diferente e desconhecido para mim… um lugar onde era uma estranha.

– Não fizeste amigos?

– Não, a verdade é que não fiz. As adolescentes podem ser muito cruéis. Algumas toleravam-me, outras ignoravam-me por completo e eu compensava isso tornando-me invisível, uma coisa que não é fácil quando se é mais alta que as outras e horrivelmente tímida. Imagino que foi nessa altura que fiquei obcecada por usar o cabelo comprido. Escondia-me atrás do cabelo.

Maeve tomou outro gole de champanhe enquanto olhava para o mar, recordando aquele tempo tão deprimente.

– Eu queria ser diferente, mais corajosa, mais decidida, mais interessante. Como as outras raparigas, que pareciam tão seguras de si mesmas. Mas eu era eu, uma rapariga normal, aborrecida. Tirava boas notas, mas socialmente era um desastre.

– E quando é que isso mudou?

– Como sabes que mudou?

– Porque a pessoa que estás a descrever não é a que eu conheço.

Talvez não por fora e normalmente por dentro também não. Até que alguém começou a mexer cruelmente nessas feridas, fazendo-as sangrar. E então voltou a ser essa menina outra vez, a que não era suficientemente boa, a que não encontrava o seu lugar.

– O que aconteceu, começaste a ver-te a ti mesma de outra maneira?

Maeve recordava-se como se tivesse ocorrido na semana anterior.

– Tudo mudou no dia em que a directora de turma me pediu que subisse ao palco do salão nobre para que todas as alunas olhassem bem para Maeve Montgomery e se fixassem bem nela. Pensando que ia castigar-me por alguma coisa que eu tivesse feito e para disfarçar que estava a tremer, pus-me no centro do palco muito direita e olhei para aquele mar de caras sem pestanejar.

– E?

– E o que ela disse foi: quando as pessoas virem uma aluna desta escola a caminhar pela rua ou à espera na paragem do autocarro, é uma pessoa assim que espero que vejam, alguém que não tem necessidade de levantar a voz para chamar a atenção, alguém que se comporta com dignidade. Uma pessoa orgulhosa de usar o nosso uniforme, com a blusa metida dentro da saia, os sapatos brilhantes e o cabelo bem penteado – Maeve parou para olhar para ele. – Para o caso de estares a perguntar-te, isto aconteceu no último ano e, nessa altura, fazia todos os dias uma trança em vez de usar o cabelo na cara.

– De modo que a rapariga que se via como uma estranha, no final, encontrou o seu lugar.

– Suponho que sim. Não sei se era exemplo para alguém ou se a directora de turma se apercebeu de que precisava de um empurrão e se essa foi a sua maneira de me ajudar mas, depois desse dia, o resto das alunas passaram a olhar-me de outra forma, com uma espécie de respeito.

– O que importa, cara, é como tu te vias a ti mesma.

– Diferente – admitiu ela.

Nessa noite olhara-se ao espelho, uma coisa que normalmente evitava fazer, e descobriu, não uma adolescente desajeitada de peito plano, mas uma rapariga de pernas longas e curvas suaves, dentes perfeitos e olhos azuis.

Mas não o disse a Dario porque teria mostrado ser demasiado vaidosa.

– Nessa altura percebi que devia deixar de ter vergonha de mim mesma e devia enfrentar o mundo com coragem. Era o momento de viver os ideais que os meus pais me tinham inculcado. Por outras palavras, prometi a mim mesma valorizar a honestidade, a lealdade e a decência.

– Mas as pessoas não costumam cumprir as suas promessas, não te parece?

Surpreendida pela nota de amargura que havia na sua voz, Maeve respondeu:

– Não posso falar pelas outras pessoas, mas garanto-te que eu sempre tentei cumprir as minhas.

Ele olhou para ela, em silêncio, durante alguns segundos, a sua expressão era tão indecifrável como se o seu rosto fosse feito de granito.

– Se tu o dizes, querida – murmurou depois, o seu tom era tão distante e frio como as estrelas. – Está uma noite tão bonita que pedi que nos servissem o jantar cá fora. Espero que não te importes.

– Não, de todo, mas importa-me que tenhas mudado de assunto tão bruscamente.

Dario encolheu os ombros.

– Era para falar de alguma coisa.

– Não faças isso – suplicou Maeve.

– A que te referes?

– Parecias dizer que estava a mentir e quero saber porquê. O que é que eu fiz para não acreditares em mim?

Antes que ele pudesse responder a governanta apareceu para anunciar que o jantar estava pronto. Evidentemente aliviado pela interrupção, Dario deu-lhe o braço para a levar para uma zona do terraço protegida da chuva e do vento por um toldo, em que a governanta tinha posto uma mesa para dois.

Era como ela imaginara, como uma cena das mil e uma noites. Sobre a mesa havia flores e velas em taças de vidro, guardanapos de linho e talheres de prata. Uma música suave saía de umas colunas de som escondidas na parede, mas a beleza do momento parecia manchada pela tensão que havia entre eles.

Antonia começou a servir o jantar: uma salada de tomate, cebola e alcaparras com azeite e queijo fresco seguida de peixe-espada grelhado. E, como permaneceu perto deles, a oportunidade de perguntar a Dario o porquê dessa mudança de humor teria de esperar.

Felizmente, depois de jantar ficaram sozinhos de novo e Maeve interrompeu-o quando estavam a falar dos efeitos terapêuticos dos mananciais da ilha.

– Muito bem, agora estamos sozinhos e quero que respondas à pergunta que te fiz antes… e advirto-te que estou farta de que as pessoas não sejam sinceras comigo.

Dario deixou escapar um suspiro.

– Conheci muitos empresários cuja ideia de um acordo entre cavalheiros é tão falsa como um aperto de mãos – disse ele, olhando para o conteúdo do seu copo. – É uma pena, mas isso fez com que deixasse de acreditar em muitas coisas. Peço-te desculpas se te insultei, Maeve. Não era essa a minha intenção e entendo perfeitamente se me deres um pontapé por baixo da mesa.

– Perdoo-te com uma condição – ela sorriu. – Fui eu quem mais falou, mas gostaria de saber mais coisas sobre ti.

– Muito bem.

– E não me importaria de dar um passeio enquanto falamos.

– Tens a certeza de que não estás cansada? É o teu primeiro dia fora do hospital.

– Desde que não tenha de correr uma maratona ou escalar uma montanha, estou perfeitamente bem.

– Então vamos dar um passeio.

Dario levou-a até um caminho de cascalho que rodeava a villa e que se perdia por uma série de jardins.

– Porque é que estão divididos assim?

– Para os proteger do vento. Estes limoeiros, por exemplo, nunca sobreviveriam se estivessem expostos ao siroco.

Certamente ela saberia isso, pensou Maeve, tal com milhares de coisas corriqueiras que faziam parte da vida diária de uma pessoa, mas tudo isso podia esperar. Neste momento devia descobrir o que era realmente importante.

– Vejo que tenho muito que aprender, portanto vamos começar.

– Por onde começo?

– Pela tua família, que agora é também a minha família. Vivem em Pantelleria?

– Sim.

– Estão aqui agora?

– Sim.

– Mas não vi ninguém.

– Não vivem na minha casa.

– Ah, muito bem. E onde vivem?

– Somos vizinhos. A minha irmã vive na casa do lado e meus pais muito perto.

– E quando não estás na ilha onde vives?

– Temos casa em Milão, onde fica a sede da minha empresa. Mas não vivemos perto uns de outros como aqui. Na cidade, tu e eu temos um apartamento e a minha irmã e o marido vivem nos arredores da cidade.

– Só tens uma irmã?

– Sim.

– E ela tem filhos?

– Sim, mas penso que não é boa ideia confundir-te agora com tantos nomes – murmurou Dario, sem olhar para ela.

– Bom, fala-me da tua empresa. A que te dedicas?

– Começou por ser uma empresa familiar: Costanzo Industrie del Ricorso Internazionali. Pode ser que tenhas ouvido falar dela.

– Não, parece-me que não.

– Foi criada pelo meu bisavô há noventa anos. Depois da destruição da I Guerra Mundial, jurou ajudar aqueles que viviam na pobreza e começou a comprar terras aqui, em Itália, e a fazer parques em zonas que antes eram becos infestados de ratos.

– Ah, então sabes que, pelo menos, um homem cumpriu a sua palavra.

– Sim, é verdade – concordou Dario. – Com o tempo, o meu bisavô começou a levantar acampamentos para crianças necessitadas e, para pagar tudo isso, investiu em campos de golfe, estações de esqui, hotéis…

– Eu teria gostado de o conhecer. Devia ser uma pessoa extraordinária.

– Sim, certamente. Quando morreu em meados dos anos sessenta, a CIR Internazionali era um nome muito reconhecido em Itália. Hoje é conhecida no mundo inteiro e apoia muitas organizações que ajudam crianças necessitadas.

– E o que fazes tu na empresa?

– O meu pai é o presidente e eu sou o vice-presidente. Especificamente, encarrego-me das operações na Europa e nos Estados Unidos.

– Então estou casada com um gigante das finanças.

– Sim, algo parecido – tinham chegado a uns degraus de pedra e Dario deu-lhe a mão. – Tem cuidado aqui.

Excepto as luzes da casa e os candeeiros que iluminavam o caminho, todo o resto estava na penumbra, criando tal sensação de isolamento que, instintivamente, Maeve apertou a sua mão.

– Parece que somos as únicas pessoas no mundo.

Ele apertou a sua outra mão um pouco mais. Estavam tão perto que, embora os seus corpos não se tocassem, sentiu como se uma corrente eléctrica os percorresse.

– Incomodas-te se entrarmos?

– Não – respondeu Maeve, levantando a cara. – Não me ocorre outra pessoa com quem eu gostasse de estar sozinha no mundo.

Dario fez então o que desejava fazer desde que a vira descer do avião: inclinou a cabeça e beijou-a. Não na face como tinha feito antes, mas na boca. Não friamente, como uma pessoa a cumprimentar outra, mas como um homem possuído por uma ansiedade que não podia conter.

E Maeve fechou os olhos, ao sentir o toque da sua língua, saboreando o seu desejo. O de Dario, o dela, mais embriagador do que o champanhe. E durante o tempo que durou o beijo, o vazio que havia dentro dela desde que chegara à villa desapareceu.

Mas voltou em seguida, assim que a soltou. Levantando a cabeça, Dario afastou-se um pouco, respirando agitadamente.

– Penso que já sabes o suficiente sobre mim.

– Não, não é verdade – murmurou Maeve. – Tenho de te fazer mais uma pergunta.

– Qual?

– Se nos beijamos assim, como é possível que o nosso casamento não fosse feliz?

Recordações de um amor - Uma amante temporária

Подняться наверх