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Aos pobres de Valença
ОглавлениеEntrevados, paralyticos, cegos, escrofulosos, tisicos, hydropicos,
—Velhos, mulheres e creanças,
que sois o producto dos residuos—caput mortuum—da Humanidade e por ahi vos arrastaes, penosamente, aos sabbados, disputando, á dentada, o magro chabo que ás descarnadas mãos, em publico e notorio arrôto de rothschildica generosidade, vos arremessam os poderosos Cresus da nossa terra;
—miseros, que tivestes a desventura de ver a luz do dia coada pelas frestas da mansarda, quando esses mesmos atomos e moleculas a que deveis a vida, atrazando-se, ou adeantando-se no seu labutar constante, podiam gerar-vos entre arminhos e flôres, entre aromas e caricias;
—precitos, que dormitaes, tiritando e gemendo com fome, enroscados, como cães, na ampla escadaria da Assemblea, em noites de baile e de festa e vos vêdes apartados, como reprobos, isolados como hydrophobos, do ruidoso e alegre tumultuar da vida, em que ha risos, mulheres formosas, affectos e diamantes;
—párias, que a doença algemou ao catre da dôr, e a quem a luz formosissima da alvorada vae encontrar no estertor da agonia, nas convulsões do soffrimento, nas infernaes torturas da miseria—essa mesma luz que desperta e illumina a caravana alegre, quando, exhuberante de vida, de mocidade e de prazer segue, ruidosa, ao Faro, para respirar o oxygenio das montanhas e admirar as sorridentes paisagens da Natureza, d’essa desalmada Mãe, que para vós só teve quadros sombrios, horrores, vendavaes de infortunio, abysmos de soffrimento;
—famintos, que espreitaes com olhos soffregos os doirados salões de Pantagruel e de Gargantua, e vos sentis deslumbrados com o faiscar dos crystaes, alcoolisados com os aromas das iguarias, estonteados com o espumar do Champagne, até que o lacaio vos atire o osso que o mastim disputa, ou vos expulse a chicote, para que a miseria dos farrapos nojentos, o fetido dos membros descarnados, a pallidez cadaverica da face, não vão perturbar a alegria dos convivas, recordando-lhes que ha por este mundo gente que nasce, vive e morre, sem conhecer o que é Champagne frappé, Punch à la romaine, ou Riz de veau à la Tartare;
—imprudentes, que vos atreveis a bater á porta do Hospital depois das oito da noite, como se a Caridade não tivesse mais que fazer, do que estar á vossa espera, e por ahi appareceis, depois, mortos nas muralhas, com o ventre para o ar, olhos esbugalhados, membros hirtos, esverdeados, cheirando mal;
—reprobos, que nem entrada tendes nos templos, onde imaginaes que, por lá estar Christo, se egualam as condições, ignorando que o Christo da missa do meio-dia não é vosso, mas o dos argentarios que, para illudirem a consciencia e satisfazerem as exigencias da vaidade e as apparencias da hypocrisia, lhe dão capas de velludo e corôas de oiro; lhe fazem companhia nas longas noites do inverno, distrahindo-o com essas immoraes bambochatas das Novenas e da Semana Santa, com a somnolenta melopêa da padralhada, com as intrigas e confidencias amorosas, com o cochichar mordaz do beaterio, que entre Torres eburnea e Mater castissima, discute a confecção de um vestido da Torrona, ou do Blanco—e lhe fazem venias, e batem no peito, e andam por ahi, de porta em porta, ostentando cynicamente crenças, que não possuem, crenças, que não comprehendem, a pedir em nome de Christo, que é o symbolo do amor e da humildade, os cinco tostões da subscripção, quando á mesma hora, infelizes, olhaes, soluçando, para a escudella vazia e as creanças vos mordem os peitos, porque já não tendes leite, nem o calor da vida...
Velhos, mulheres e creanças,
escutae:
Ahi tendes esse livro.
Lêde-o, ou dae-o a ler. E se entre os ricos e os felizes da vida esses periodos não se crystallizarem no oiro da esmola—encontrareis ahi lenitivo para os vossos infortunios, porque ficareis sabendo, que nas regiões, onde só imaginaes venturas, oiro e risos tambem ha, como entre vós, pustulas—da vaidade, aleijões—do ridiculo, febres—da ambição, contracções—da hypocrisia, doenças e disformidades mais dolorosas e repugnantes do que as vossas, porque não inspiram compaixão nem dôr, mas, apenas, tedio, ironia e a gargalhada.