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III
Carta a Sua Excellencia, o sr. Governador... de Paysandu

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Senhor!

Tenho a honra de me apresentar a V. Ex.ª

Sou o Zinão.

Quarenta annos; casado, e com bom comportamento moral, civil e religioso.

Nunca tive contas com o Borralho, nem com o Assiz dos Algarves, nem com o Julinho.

Sou de muito bom genio; depois que vi as caras feias, que fazem os srs. Barros e João Monteiro, quando se zangam, abracei immediatamente as doutrinas philosophicas da eschola optimista, e digo com Leibnitz: «Tudo vae bem n’este mundo, que é o melhor possivel.»

Sou irmão da Misericordia e approvei a admissão das irmãs de Caridade, porque em coisas de religião sou muito temente a Deus, como o sr. José Narciso. Tenho bulla, porque se a não tivesse, quero dizer, se a não pagasse, diz a Santa Madre Egreja, que era peccado comer carne.

Vou á missa e á desobriga; além d’isso, sendo amigo intimo do sr. Baptista e, como affirma o dictado, os amigos dos meus amigos, meus amigos são, tambem sou das relações intimas da Senhora do Faro, que tem tomado chá na casa d’elle, e com quem este senhor se trata por tu, jogando, nas noites de inverno, a bisca e o 31 de bocca.

Tambem sou militar, porque pertenço á terceira reserva.

Respeito a mulher do meu proximo. Sou economico; tenho chapéos ainda mais antigos, que os do sr. Polycarpo.

Como portuguez, amo a minha patria; odeio os ibericos, como o sr. João Ignacio.

Em Politica sou legitimista, como o sr. Santa Clara, porque ninguem me tira da cabeça, que estes reinos pertencem ao sr. D. Miguel e a mais ninguem.

Tenho sido, por vezes, Juiz de Paz e, se na minha terra me não guindei, ainda, ás alturas a que chegaram os srs. Joaquim, que se carteia com o Ministro do Reino, ou o sr. Illydio Dias, que com a sua Bibliotheco-mania telegrapha ao Rei, como amigo velho, quem viver verá, que talvez consiga roubar-lhes o pennacho.

Ora aqui está a minha folha corrida; e por ella já Vossa Excellencia vê, que sou homem sério e que, se não moro na rua de S. João, podia muito bem lá morar.

Excellentissimo Senhor!

Dizem-me que Vossa Excellencia está prestes a deixar-nos, para ir fulgurar na brilhante constellação dos nossos generaes; e não quero que isso succeda, sem apresentar a Vossa Excellencia a homenagem sincera do meu respeito e enthusiastica veneração, porque considero Vossa Excellencia, como um dos melhores Governadores, a quem, para felicidade d’estes povos e d’estes reinos, Sua Magestade tem havido por bem confiar o governo d’esta Praça.

Na pleiade de homens illustres que, ha doze annos para cá, teem governado Valença, Vossa Excellencia destaca-se pelo seu senso, illustração, excessiva modestia e desprendimento das glorias do mundo, que tão tentadoras e offuscantes são, quando, após annos de lucta, de vigilias, de laboriosas lucubrações de espirito, de penosissimo labutar das funcções cerebraes com senos, cosenos, raizes quadradas de a e ditas cubicas de b, chega a gente a alcandorar-se nos inaccessiveis pinaculos d’uma tão elevada posição social.

Os dois illustres antecessores, que precederam Vossa Excellencia, eram e são muito boas pessoas; mas alargavam demasiadamente a esphera das dependencias da Praça, de fórma que faziam incluir no seu Estado-maior uma certa pessoa, clara já, talvez, á perspicacia de Vossa Excellencia—pessoa que, até alli, tinha a seu cargo o caridoso e humanitario mistér de desobrigar pessoas serias, como eu, Excellentissimo Senhor, e que, depois da chegada de Suas Excellencias, se viram na dura necessidade de, ou desviar para outra applicação a sua potencia vital, como, por exemplo, para o estudo de construcções, principiando com a rudimentar disposição das traves nos tectos, ou a curtir... as suas maguas pelas muralhas, entregando, assim, o organismo á terrivel atonia d’essa perigosa enfermidade, que a todos ataca na puberdade. (Vossa Excellencia tambem devia dar o seu contingente...)

Ora, o tal monopolio, Excellentissimo Senhor, tornou-se muito funesto á povoação. Foi, até, na epocha d’elle, e por causa d’elle, que aconteceu aquella grande desgraça ao sr. Abilio Araujo...

Eu sou muito amigo de Vossa Excellencia e Vossa Excellencia tambem é meu amigo. Sou d’aquelles que, no dia do Anno Novo, apanham o seu quinhão nas boas festas que Vossa Excellencia, lá das alturas, se digna dar, como os antigos senhores feudaes, á burguezada e aos paradas-velhas, cá da terra.

Depois, venero Vossa Excellencia, porque é um homem energico, que tem, como o povo diz (e realmente tem) cabellinhos na venta (com o devido respeito).

Aquella felicissima resposta, que Vossa Excellencia deu ao Padre Magalhães, quando elle foi pedir para a Semana Santa com o innocente sr. Joaquim e com o ingenuo Abbade das Gandras, foi fulminante de espirito; foi á Pombal, á Richelieu, á Pitt, á Bismarck, á Duque d’Olivares; teve a potencia explosiva d’uma bomba á Orsini, ou d’um petardo nihilista, preparado chimicamente, com os mais poderosos elementos endothermicos.

Disse-se, por ahi, que Vossa Excellencia procedera mal; porque, se queria dar carambola ao Noticioso, que lhe chamára General não sei de que, não devia escolher para bola vermelha um homem que ia de preto, que tinha entrado na sua sala de visitas, onde, até a pretalhada do Bonga, que pouco sabe de hospitalidade, recebe e trata bem a gente.

Accusaram Vossa Excellencia de ter faltado, n’essa occasião, aos mais rudimentares preceitos da delicadeza e até se asseverou, fazendo justiça ao caracter de Vossa Excellencia, que a tal resposta foi soprada ao ouvido, por Sua Excellencia, o Senhor Vice.

Eu não sou d’essa opinião. Vossa Excellencia respondeu e respondeu muito bem. N’isto de militanças praceiras, não ha attenções, nem hospitalidades, nem sala de visitas, ha... o regulamento do Conde de Lippe! Quem o não acatar... leva a sua conta, e assim é que deve ser.

O Padre devia ficar ainda mais pequeno do que é, mas Vossa Excellencia tambem escapou de boa! Se elle tem ao lado o Sant’Anna, lá do Porto, Vossa Excellencia bem podia gritar por Sua Excellencia, o Senhor Vice...

Então o caso era serio!

*

Depois, quem não ha-de respeitar Vossa Excellencia, com a sua variadissima illustração?

Nunca me hei-de esquecer d’aquelle esplendido discurso, que Vossa Excellencia, de improviso, pronunciou na Assemblea, em 20 de janeiro de 1887, quando tomou conta da Presidencia. Sei-o de cór; e tão profunda foi a impressão, que causou no meu espirito, que até n’elle ficaram gravados os ápartes e as interrupções.

Se Vossa Excellencia dá licença, eu repito alguns periodos. Os ápartes, para falar a verdade, são ainda para mim um tanto enigmaticos, mas deve haver por ahi, quem os possa explicar a Vossa Excellencia.

Ahi vae uma tirada:[12]

«... As prestimosas agremiações, como esta, com que as Sociedades modernas procuram deleitar e amenizar os espiritos, após as laboriosissimas horas da lucta e contrariedades da vida, nascem, crescem e desenvolvem-se, como essas enormes, vas- (o sr. capitão Marques da Costa:—Vaz? É o amigo Lopo? Então appoiado!) tas e florescentes ilhas do Atlantico e Pacifico, formadas pela organisação rudimentar das algas marinhas e de myriadas de seres microscopicos, da familia dos polypos, classe dos coelenterados, grande grupo dos radiados, ou zoophitos. (Os srs. Roldão, Polycarpo Monteiro, Zagallo e outros cavalheiros versados em sciencias naturaes:—muito bem!)

«Da Natureza, meus senhores, deliciam-nos as suaves fragancias das flores: a modestia da violeta; a pureza immaculada do lirio; o murmurar dos bosques, os seios tumidos (o sr. José Lopes, da Principal:—appoiado!) da donzella, os alvores da madrugada e o canto das avesinhas. (Os srs. Alberto Marques, Gaspar Durães, Justino Guerra e outros poetas e prosadores da estafada eschola romantica:—muito bem!)

«Pois na vida social, as horas fugitivas, que aqui deslizam em encantador e aprazivel convivio, com os Cavalheiros de fino trato (o sr. Verissimo de Morães:—appoiado!) e com as amaveis, airosas e donairosas e gentilissimas damas d’esta formidolosa Praça (os srs. Justino Guerra, Eugenio Martins e Soares Romeu, interessantes collaboradores do interessantissimo «Mensageiro das salas»:—appoiado!) ou com as encantadoras hijas da hidalga y noble Espãna (o sr. D. Ramon:—Ká! Muy bien! Maunifico! Precioso. Ká! Seño Gobernador: Viva la gracia! Ká!) bellas, como uma virgem de Murillo e castas, como a esposa de Jacob, de que me não recorda agora o nome (diversas pessoas serias:—appoiado!) quando as cingimos em suave enleio, no vertiginoso redemoinhar da valsa (o sr. Salazar Muscoso: muitobemmuitobemmuitobem!)[13] ou quando as brindamos com preciosas iguarias e delicados vinhos (os srs. C. Oliveira, Verissimo de Morães, um Cavalheiro de Tuy e outro de Monsão, que não tive a honra de conhecer:—appoiado!) essas horas, repito, representam em a nossa vida social aquellas alegrias da Natureza!

«Não ter alma para sentir isto, meus senhores, como muito bem disse o nosso grande ex-historiador[14] Alexandre Herculano, é proprio d’um ser doentio; é, como vulgarmente se diz, proprio de gente pequena. (Protestos ruidosos dos srs. dr. Ladislau, Alvaro Garção e P. Magalhães.—O sr. dr. Pestana:—peço a palavra para explicações.)

Trabalhar, pois, para esta Sociedade é uma acção de elevado patriotismo; (o sr. José Lopes, da Principal:—muito bem!) é uma acção de larga influencia regeneradora (protestos dos srs. Alvares d’Oliveira, P. Cunha e Agostinho) para os nossos costumes; é um symptoma da benefica evolução progressista; (protestos dos srs. Appollinario, Camisão e do dito sr. Agostinho) é, emfim, como ainda ha pouco me disse, e disse muito bem, o sr. Capellão (o sr. Leopoldo Gomes:—qual d’elles? Então Vossa Excellencia também gasta? Por isso eu estive á espera!...) que aqui me ouve, uma missão altamente honrosa e humanitaria!

«Por isso, meus senhores, unamos os nossos esforços e como os polypos e as algas.................... as algas.....................»

Que Vossa Excellencia me perdõe o que vou dizer, mas... perdi o fio ao discurso e o melhor é ficar por aqui, porque, n’estas questões de Historia, não quero metter de minha casa.

Verba volant, scripta manent... [15]

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