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II
Passe-Calles

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Oh Justininho!

dá cá o braço...

Ora aqui tem V. Ex.ª um rapaz, que se o Marianno não atira para o Pico, era muito capaz de se guindar ao pico da popularidade, cá na terra.

Ainda não conheci quem mais sympathias tivesse entre Clero, Nobreza e Povo; mas tambem, ainda não conheci rapaz mais sensato, conciliador e serviçal.

Para chamar á paz um casal amuado; para prégar Moral ás creadas de servir; para uma visita de pesames, a rigor, com o resigne-se V. Ex.ª com a vontade do Altissimo engatilhado; para dirigir um baile nos tricanés; para entreter senhoras nas reuniões da Semana Santa, em S. Estevão, ou nas do Carnaval, na Assemblea; para acompanhar familias á missa das onze; para representar a Associação artistica; para umas funcções serias de secretario (tinha o monopolio); para a descripção d’um baile no Mensageiro das salas; para dirigir a eleição das comadres, a coisa mais redondamente patusca e interessante, que gentes da Coroada teem produzido—não ha, não houve, nem nunca haverá quem o eguale.

Quando passava na rua de S. João, todo tesinho e perliquitetes, apesar da magreza e do nariz, diziam d’elle

as meninas—é muito engraçado,

as mamãs—é muito sympathico.

os papás—é muito bom moço.

os velhotes—é... é... é... o Justininho.

*

Estava nos bailes como em sua casa. Só tinha um defeito para homem de sala: dançava pouco e mal.

E eu digo porque.

N’um baile da Assemblea reuniram-se, em quadrilha de Lanceiros (a mesma que David dançou ao pé da Arca) os srs. dr. Lopes, dr. Ladislau, Padre Cunha e Justininho.

Justininho gostava de florear nas marcas. Ordenou um chevaliers au milieu, e os quatro Cavalheiros, enthusiasmados com as damas, com a musica, com as luzes e com as flôres, avançaram com ropia.

Eu não sei bem, como aquillo foi. O que sei, é que se chocaram, que se enarigangaram, e de tal fórma foram abalados os respectivos e respeitaveis vomeres e cornetos, que o sangue espirrou, e os quatro Cavalheiros foram retirados, em braços, da sala.

As senhoras desmaiaram. O baile acabou.

Foi o diabo.

D’ali em deante, tanto o sr. dr. Lopes, como o sr. Padre Cunha e o Justininho (V. Ex.ª deve ter notado isso) dão-se pouco a danças. Quem continuou foi o Ladislau, porque esse, no tremendo choque foi o mais feliz. Como é pequeno e de baixa estatura, o seu nariz não abalroou com os outros; roçou no umbigo do sr. Padre Cunha e enfraqueceu o choque.

É verdade: aqui está mais uma vantagem que a gente tem, em dar falta ao estalão.

E ainda o sr. dr. Pestana se entristece e zanga, quando o alfaiate lhe pede noventa centimetros para umas calças, e lhe assevéra, que não necessita de um metro e dez, como os outros senhores!

*

Sou amigo do Justininho, mas já lhe roguei uma valente praga; e talvez fosse por isso, que elle tocou rabeca com o Pereira.

Eu conto o caso, porque não é de segredo:

Lavrava por ahi essa epidemia, peor do que cem microbios, das charadas.

Nas Assembleas, nos Clubs, nas lojas, nas mercearias, nas boticas e nas nossas casas, não se tratava d’outra coisa.

O Almanach de Lembranças, essa escarradeira de quanto semsaborão existe n’estes reinos, ilhas adjacentes, terras do sabiá e da Tijuca, espalhára, por toda a parte, os germens da maldicta mania.

Havia enigmas; charadas antigas, novas, novissimas, com premio, sem dito, em prosa e em verso; de—nas costas—1, sem indicação syllabica; emfim, de toda a raça e feitio.

Descobrira-se, que para espalhar o flato e para aquecer os pés, no inverno, não havia melhor remedio do que: charadas, quino e trinta e um de bocca.

Justininho deve uma boa parte da sua popularidade, entre as damas, á facilidade com que matava charadas. Em se lhe dizendo:

O que é, que é

Que toca de dia

No alto da torre

de Santa Maria?

respondia logo, immediatamente:

—É um sino.

Ora, uma noite,—isto foi, talvez, ha doze annos—estava eu á mesa do trabalho com a familia.

Minha mulher fazia meia. Minha sogra lá estava com as charadas.

O rapaz mais novo—o Toneca—estudava a licção de francez. O outro—o Zéca—andava com a Avó á cata de decifrações.

Eu estava a turrar com somno, mastigando entre bocejos, uns periodos muito alambicados, em fórma de lambedor, com que Justininho descrevia um baile, no folhetim do Noticioso.

Soavam todos aquelles estafados bordões de—gentilissimas damas—corações feridos—sorrisos angelicos—amores—gruta dos ditos—arrufos—horas fugitivas—recordações saudosas—rainha do baile—reticencias—etc.—etc.—etc.—.

V. Ex.ª deve conhecer tudo isto, porque de mil bailes, que tem havido em Valença, appareceram mil descripções eguaes.

São como os necrologios do sr. Verissimo de Moraes. Estão sempre promptos. A questão está em se dar o nome do perecido. Ás vezes, ha o seu engano, mas escapa.

Por exemplo:

Ha annos, morreu n’esta villa um velhote com 90 janeiros.

Estomago fraqueiro e arruinado, atacára á noite uma pratada de arroz com lampreia e... arrefeceram-lhe os pés.

Tambem, foi uma infelicidade, porque, se o sr. dr. Pacheco (diga-se a verdade) chega mais cedo uma hora, o homem, em vez de morrer ás 10, arrefeceria ás 9.

No dia seguinte, dizia o Noticioso:

«Mais um anjo, alando-se para as ethereas regiões, fugiu hontem da terra, roubado cruelmente, pela terrivel Parca, aos affectos dos seus carinhosos paes.

Polycarpo Bezerra, aquella encantadora e gentil creança, que era o enlevo... etc.»

Ora, Policarpo Bezerra, era exactamente a creança de 90 janeiros, que a lampreia victimára! Os barbaros dos typographos, se haviam de aproveitar a chapa dos adultos, serviram-se da que havia para as creanças.

Isto succede.

*

Mas, como estava dizendo, eu turrava com somno, á espera do chá.

De repente, levanta-se o Zéca e diz:

Oh Papá! Que é, que é

Que, pela calada,

Gosta de dar

O Marquez de Vallada?

Cou,[3] diz o Toneca, que acabava de tirar no Diccionario a palavra pescoço. (Só o soube depois).

Levantei-me indignado, enfurecido com aquelle enorme desacato á Moral e á Decencia, praticado nas minhas barbas!

A decifração da charada foi immediata e violenta para os rapazes: duas valentes bofetadas!

Indignação geral da familia. Minha sogra levanta-se irada e chama-me tyranno!

Retorqui-lhe que aquillo era escandaloso, antimoral e era uma falta de respeito á gente graduada, porque o sr. Marquez era um Marquez, estava no seu direito de dar o que quizesse, e ninguem tinha que lá metter o nariz.

Augmentou o barulho, porque os rapazes, defendidos pela mãe e pela avó, cada vez berravam mais.

Levantou-se minha mulher, chamou-os, e lá foi tudo a chorar.

No dia seguinte, minha sogra, fiel ás tradições, quiz requerer o divorcio. Andei amuado oito dias. Data, até, d’essa occasião, o meu reconhecimento á Isabelinha, creada de sala...

Só quando fiz as pazes com minha mulher, é que conheci a origem da resposta do Zéca e a coincidencia do significado.

O Toneca, como é mais agarotado, lêra o Pimpão e appetecêra-lhe tambem, sem saber o que dizia, metter a sua farpinha no senhor Marquez.

Mas, tudo isto não teria succedido, se não fosse o diabo do folhetim e se o Justininho não tivesse a mania de chroniqueiro de saias.

Veja V. Ex.ª, como se perturba a paz d’um lar e o socego d’uma familia honesta!

*

Mas, effectivamente, o Justininho, para charadas, era d’uma perspicacia sibyllina. Como elle, só a Sociedade charadista dos Terriveis de Villa Real.

A gente reunia-se á noite na Assemblea. O Club, n’esse tempo, estava ainda no embryão das sociedades pacatas, porque o sr. dr. Pacheco, se bem que já andasse, como o povo diz, com a barriga á bocca, ainda o não tinha dado á luz.

Ou se faziam charadas, ou se jogava o quino. Duas distracções innocentes e engraçadissimas! Que saudosas noites! Que piadas! Que pilherias e facecias!

Que espirito fino, alegre, saltitante, amenisava aquellas horas!

Quem mexia sempre nas bolas era o Melim. Uma mania como outra qualquer.

Cartão, dez réis; corda, sessenta réis.

Marcava-se a feijão carrapato.

Quem recebia as pagas, dava os trocos e quebrados, era o sr. Agostinho.

Cada quinada era recheada de surpresas, ancias, esperanças e decepções!

—Trinta e tres, dizia o Melim.

—Annos de Christo, exclamava sr. João Ignacio, erguendo-se, todo contentinho, para gosar o effeito da pilheria.

Andavamos aos tombos com riso, e quem poderia resistir?

—Vinte e dois!

—Patinhos a nadar—berrava o sr. Baptista.

Ai que demonios aquelles! A gente até chorava!

—Trinta e sete!

—João Pimentel Castanheira—lembrava o sr. Elias.

Não se podia continuar; estava decidido! Pois se até a ceia nos queria trepar á bocca!

—Venha a precisa, ó vizinho e chegue-se cá, que quero bulir nas bolas, dizia o sr. dr. Pacheco.

—Oh diabo! Isso não, que podem ver as irmãs da Caridade, aconselhava eu, sempre prudente e cauteloso.

—Sessenta e seis!

—Quinei!—berrava o sr. escrivão Brito.

—Ora sebo!—murmurava tristemente o sr. dr. Evaristo. E eu que já tinha cinco quadras! Bem se vê, que os padres não nasceram para trabalhos com bolas.

Estavamos todos tristes, como a noite.

—Alto! Foi rebate falso. Siga!—dizia o sr. Brito todo rejubilante pela facecia, e casquinando frouxos d’aquelle seu riso, tão patusco e tão original: ki-i, ki-i, ki-i...

Afinal, quem quinava sempre era o Leopoldo. Este diabo, lá com os capellães arranja-se sempre bem...

*

Reunia-se, pois, gente fina e perspicaz.

—o Veiga, que viu no Jardim das Plantas uma ziboia, com sessenta metros de comprimento;

—o Izidoro que, como V. Ex.ª sabe, descobriu as aguas de S. Pedro, é amigo do amigo Lopo e tem a Grão-cruz da Sociedade de Geographia e da ordem do Sol, do Japão;

—o Serrão, que viu um comboyo, que levava dez regimentos de infanteria, dez de cavallaria, oito de artilheria, um de engenharia; tudo em armas, officiaes a cavallo, etc., etc. (Isto foi no tempo d’uma guerra qualquer).

—o Machado, que, assistindo a um baile da Assemblea até ás duas horas da madrugada, apparecia, ás cinco, na praia d’Ancora; lá ao longe, entre as brumas do mar, dentro d’uma bateira, e já em regresso da ilha da Madeira.

—o Maximino, que sem perceber uma palavra da lingua de Milton, encontrou uma ingleza, com quem se entendeu muito bem.

—o Leopoldo, que viu e apalpou os pendulos e o ponteiro do relogio, que ficou entupido, nas alturas do coccyx, ao larapio da rua do Ouvidor.

—o Abilio, que conheceu o pae da mãe, do tio, do pae do dito larapio—Rua da Quitanda, 23, sobreloja.

Emfim, tudo gente fina e perspicaz.

É verdade: tambem lá estava sua Excellencia, o Senhor Governador e sua Excellencia, o Senhor Vice.

Na Academia real das Sciencias não havia melhores cabeças; nem na Camara dos deputados, se exceptuarmos os srs. Oliveira Mattos e Visconde da Torre.

*

Para arranjar charadas, quem tinha mais gosto e geito era o sr. Polycarpo Monteiro. Pelos modos, carteava-se com o mano de Lisboa, a tal respeito.

Elle pensava um pouco e dizia:

Que é, que é

Que faz: pum! pum!

Quando lhe arrima

O Vinte e um?

Justininho escrevia, logo, qualquer coisa n’um papelinho; collocava-o debaixo do seu chapéosinho e... sorria.

Nós andavamos ás aranhas.

Tira d’aqui, põe acolá...

Nada!

O Senhor Governador, forte em Mathematicas, punha logo o caso em equação:

2 pum + 21 = x

tirava os logarithmos, deduzia todas as formulas da triangulação:

Nada!

O sr. Zagallo, que não estava para contas, lembrava-se dos nomes de todas as terras de Hespanha, por onde transitou no tempo das guerras...

Nada!

Ninguem falava. Ouvia-se o zunir d’um mosquitinho.

De repente bradam duas vozes:

Adivinhei!

—É o chapéo alto do meu subordinado Durães—dizia o sr. Borges.

—Não é, não senhor. É um chapéo, mas o do sr. Monteiro, dizia o Senhor Vice-Governador, que já, n’aquelle tempo, era o homem mais fino cá da terra.

É! Não é! Levantou-se uma questão dos demonios.

—Fala o Justininho!—bradamos nós, como quem recorre a um Juiz.

Justininho abriu o papelinho e mostrou, sorrindo:

Zabumba!

Rompeu nova celeuma. Ninguem queria ceder. A final, depois de muito berrar, descobriu-se que todos tinham razão.

Havia alli um caso, como o da Santissima Trindade: tres pessoas distinctas e um só Deus verdadeiro. Eram tambem tres coisas, todas distinctas, todas eguaes e uma só verdadeira: o zabumba—do Justininho.

*

N’outra noite, o sr. Polycarpo, entrou na Assemblea, muito contente, e esfregando as mãos, debaixo do seu chale-manta.

Trazia uma charada muito difficil, que lhe levára seis horas a compôr.

O sr. C. Barros offereceu logo, como premio, um exemplar do seu drama: Marilia, ou a Moira dos bosques.

Reuniu-se o povo todo, e ouviu:

Quem é, quem é,

Que faz a desobriga

E, sendo capellão

Tambem é rapariga?

Esta, é que nos deu agua pela barba. Fazer de homem e de mulher, é que nunca podemos comprehender.

O maroto do Leopoldo, esse, parece que a percebeu. Sorriu-se, porque tinha entrado n’aquella occasião e, pelos modos, vinha de se confessar...

Trazia no chale-manta palheiras da muralha...

Foi o Abilio, que o traz de ponta, quem descobriu isso.

Ninguem matou a charada, mas desconfio que alli andou tambem influencia do premio... Parece-me que afugentou um pouco as ideias.

Isto é mera supposição.

*

Depois d’essa, appareceu outra do sr. Zagallo, mas matou-se logo. Foi:

O que é que é

Que dá sól e

E se o Cruz lhe bufa

Faz: Pó, Pó!

V. Ex.ª certamente, já adivinhou.

É um figle. Não teve graça.

Pois o sr. General podia apresentar coisa melhor. Bastava que nos dissesse:

Ora digam cá,

Sem hesitar

Se hoje na camara

Occupo logar?

Claro é que ninguem responderia, a não ser que se verificasse o conteudo do mais recente, do que tivesse ainda a tinta fresquinha, dos officios com que sua Ex.ª, oito vezes por mez, participa ao Senado que,

por motivos justificados—sahe

que,

por justificados motivos—entra

e vice-versa

e versa-vice.

*

Este sr. Zagallo, na Camara, lembra-me o Conego Vaz.

Eu fui sempre muito agarotado e por isso me não admirei, do que queria fazer o Tonéca ao Marquez de Vallada. Se por ahi houver alguma mamã, com filha casadoira, disponivel—francamente—que não tenha saudades da minha pessoa, porque lhe não serviria, ainda que fosse numero um.

Quando não podia dar a minha gazeta á aula do Conego, escapava-me sempre que podia, cá para fóra, para a muralha, onde os Guerreiros e os Garções jogavam o pião e o escabicha.

Juntos, eramos insupportaveis. O Ignacio Soares e o Zé, quando passavam por nós, tiravam com todo o respeito o seu chapéosinho e tratavam-nos por Excellencia, mas ainda assim, levavam o seu puxão de orelhas porque, quando estavam encarrapitados na varanda de ferro, e se lhes dizia cá de baixo:

Presos como os macacos!

cuspiam, e atiravam com botas velhas.

O Zé, hoje é homem de genio e palpita-me que, na Politica, ainda chega a ser importante; mas n’aquelle tempo andava com o hora, horae, e isto de latim é coisa, que debilita muito a gente.

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