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PALAVRAS DO TRADUTOR

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Há dez ou doze anos, li numa Revista estrangeira uma extraordinária narrativa romântica, que o seu autor, o sr. J. H. Rosny, intitulava Vamiré.

Referia-se a narrativa aos tempos primitivos da humanidade, e atestava tão raros predicados de artista e tão vasto conhecimento da pré-história natural, que senti a tentação de a verter para a nossa língua.

Não obstante a dificuldade de uma versão exacta do romance, procurei remover ou atenuar essa dificuldade, e estampei alguns capítulos na imprensa periódica desse tempo, verificando que o conceito de apreciadores competentes autorizava o conceito que a obra me inspirava.

Decorreram alguns anos e, relendo o meu{VI} desambicioso trabalho, ainda entendi que valia a pena reduzi-lo a livro, não pela tradução em si, mas pelos predicados essenciais da obra do sr. J. H. Rosny.

Já aludi à dificuldade da tradução, e lealmente confesso que mais de uma vez hesitei sobre se devia pôr de lado o meu tentame, para não desrespeitar a estilização do autor, ou se devia acatar estritamente a ousada originalidade da forma, ou se me cumpriria conciliar essa originalidade com as exigências normais do idioma português.

Com efeito, a prosa do sr. J. H. Rosny, no Vamiré, abunda em vocábulos que, se não foram criados pelo autor, são, pelo menos, estranhos aos léxicos correntes da língua francesa; a adjectivação é, por vezes, de um arrojo, que deve ter feito calafrios à Academia Francesa; e o pensamento, de longe em longe, aperta-se em sínteses tão cerradas, que não ressalta facilmente a olhos desprevenidos.

Mas todas estas qualidades se relacionam, até certo ponto, com o estranho cenário que o Vamiré nos desenrola, com os cambiantes misteriosos da linguagem nascente, e com a vaga psicologia do homem primitivo. De maneira{VII} que poderá capitular-se de beleza o que, a revezes, se antolhe obscuridade e nimio arrojo ao leitor vulgar.

E, assim, eu próprio, seduzido porventura pelo brilho encantador da concepção do sr. Rosny, e pelo esplendor imprevisto da sua linguagem, reproduzi formas, que eu relegaria de trabalhos originais meus, mas que são características de um grande talento insubmisso, que se espraia, poderoso e intemerato, nas estepes e florestas do mundo pré-histórico.

Os puristas absolver-me-ão pois de uma ou outra condescendência com brilhantes ousadias, e os leitores de romances terão neste livro um salutar correctivo à romançada piegas, que entulha as livrarias, e desvela as noites da mocidade ingénua.

Lisboa, 1 de Janeiro de 1905.

C. de F.

Vamiré

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