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III O funeral de Vanhab
ОглавлениеAo cair da tarde, transformado o sol num braseiro circular, os velhos surgiram da caverna, seguidos pela melancólica horda.
Dois guerreiros moços transportavam o cadáver de Vanhab; e o vermelho clarão do sol poente, sobre o pálido crânio e através da caixa toráxica, caía como um símbolo de profunda amargura, avessa a um dia primaveral, sobre as ruínas de um moço que desaparecera para sempre no abismo das metamorfoses.
A horda desfilou lentamente através da planície, e os lamentos surdos da esposa e da mãe interrompiam a taciturnidade da cena.
Quando subiram a colina e chegaram à árvore-sepulcro, viu-se um velho colocar-se ao pé de Vanhab, e todos aguardaram a sua fala, porque tinha fama de saber falar aos outros homens.
O velho conservou-se imóvel por algum tempo, para que lhe chegassem à memória coisas antigas, confusas{26} sínteses adquiridas pela sua raça que, dominada pela natureza, ainda não tinha concebido mistério algum além das formas materiais. E falou:
—Homens... Vanhab, filho de Djeb..., nascido entre nós..., era um caçador intrépido e um trabalhador destro. O uro, o leopardo, a hiena, conheceram-lhe a força... Retalhou os despojos de alimárias, e deles fez vestidos e armas... Fabricou utensílios da pedra beneficente... Homens... Vanhab, filho de Djeb, saiu da vida..., não caçará mais, não mais despojará a alimária, nem mais fabricará utensílios da pedra beneficente... E porque era um companheiro fiel e prudente..., nós deploramos Vanhab, filho de Djeb.
—Nós deploramos Vanhab, filho de Djeb,—repetiram as vozes da horda.
Depois, houve pesado silêncio, e as cabeças dos trogloditas ergueram-se para ver subir à árvore-sepulcro um ágil caçador, que passou de ramo em ramo, por entre os esqueletos dos avoengos. Quando chegou a um ramo livre, suspendeu-se Vanhab, filho de Djeb, ao cordão entrançado, em cuja extremidade pegava o trepador, e os restos do finado subiram por entre a folhagem.
Do horizonte morno e do grande zénite manava uma languidez tão doce, um sopro de vida tão encantador, e uma majestade tão serena, que os companheiros de Vanhab, sua mãe e sua viuva esqueciam a dor e o terror da morte.
O cadáver, seguro enfim, oscilou um pouco, e a horda começou a debandar sob a penumbra do crepúsculo.{27} Nos pontais das suaves colinas, à beira do rio, as naturezas contemplativas viram repartir-se a luz em mil figurações efémeras.
Dentro em pouco, debaixo da árvore, havia apenas o núcleo dos companheiros íntimos e dos parentes.
A sombra sucedeu aos esplendores do céu. Mais um dia desapareceu nas profundezas do passado. Mais uma noite desenrolou o manto do infinito.
Impressionados então, com imaginações embrionárias, com o pensamento da morte e da noite associadas, os humildes pré-históricos, fiéis a Vanhab, juntaram um sonho aos milhões de sonhos, de que nasceram os cultos, de que nasceram as alianças do terror, do sobrenatural e da imortalidade.
Entretanto, a jovem esposa estava prostrada sobre a erva, com os cabelos esparsos sobre as gramíneas, como as flores dos salgueiros que choram sobre os nenúfares dos lagos; e Terann, o vencedor, amigo de Vanhab, apiedou-se dela e sentiu estremecer o coração, porque o cabelo da mulher era formoso e o seu pescoço arredondado e branco, à claridade final do dia.
Terann teve então palavras doces, e ela ergueu os olhos... Ponderou que Terann era forte entre os fortes, e sem ferocidade para as mulheres e crianças. E, quando as trevas se cerraram, ficou um ao lado do outro, sem movimento, sem palavras, mas sentindo raiar em si um porvir, enquanto os lobos vagueavam na planície, e a hiena gargalhava à borda do rio, e os grandes carnívoros sentiam dilatar-se-lhes a força.{28}{29}