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Capítulo Três
ОглавлениеWalter Stanford, um homem alto de cabelo branco, rondava os setenta anos, mas os seus sábios olhos azuis pareciam os de um homem bem mais jovem. Sentado à secretária da sua biblioteca, olhava para Sean com olhos sérios e ele sustentou-lhe o olhar sem pestanejar. Sabia muito bem que o primeiro que falasse perderia poder, de maneira que guardou silêncio, esperando que Stanford desse o primeiro passo.
A suite de Walter Stanford ocupava metade do piso superior do hotel; a suite de Melinda ocupava a outra metade. Era um estabelecimento elegante de estilo europeu, mas ligeiramente descuidado, como se tivesse visto tempos melhores.
E Sean teve de se perguntar se Stanford seria tão rico como diziam.
Tinha notado duas manchas de humidade no teto e outros detalhes. Nada que chamasse demasiado a atenção, só pequenas advertências: molduras gretadas, marcas no chão de madeira…
Naturalmente, isso não demonstrava nada.
Talvez Walter estivesse demasiado ocupado ou não tinha tanto interesse pelo hotel para arranjar essas minúcias. Ou talvez o velho precisasse daquela venda mais do que queria dar a entender.
Sean sorriu para si mesmo.
– Já conheceu a minha neta – disse Walter por fim.
– Sim, claro. Parece muito… afável – respondeu ele, usando a mesma expressão que Melinda tinha usado, uma espécie de piada privada.
Os três tinham estado à conversa uns minutos antes, mas assim que Melinda saiu, Walter não parecia disposto a perder tempo.
– Permita-me ser franco – disse-lhe, apoiando os cotovelos sobre a mesa. – Você quer construir um hotel na minha ilha; eu quero que a minha neta seja feliz.
Sean cruzou as pernas, fazendo-se de parvo.
– Que tem uma coisa que ver com a outra?
– Você é solteiro, rico, razoavelmente charmoso…
– Obrigado.
– Eu gosto de pôr as cartas na mesa.
– É sempre melhor saber o que tem o adversário – assentiu Sean.
– Estupendo – disse Walter. – Então irei direito ao assunto: quero que se case com a minha neta. Quando o tiver feito, o lote será seu.
Se Melinda não o tivesse preparado no dia anterior, teria caído da cadeira. Mas inclusive preparado teve de dissimular a surpresa. Era espantoso que no século XXI as mulheres continuassem a servir como moeda de troca.
Naturalmente, aquela mulher tinha feito o acordo por si própria e tinha negociado muito bem.
Walter estava à espera de uma resposta, mas Sean pensou no que estava a ponto de aceitar. Casar-se, ainda que fosse temporariamente, era uma decisão enorme. Não o queria fazer, mas tinha passado acordado grande parte da noite tentando encontrar outra forma de conseguir o que queria… e não lhe tinha ocorrido nenhuma.
Como, sem dúvida, Melinda teria imaginado.
Os Stanford eram bastante casmurros para serem da família King, pensou.
– E o que pensa Melinda a esse respeito, senhor Stanford?
Walter franziu a testa.
– A minha neta entende. Sabe que seria bom para ela, para a família, para a ilha.
Sean experimentou uma súbita onda de ira. Se Melinda não se tivesse adiantado seria uma jovem sacrificada pelo bem da ilha.
Quem fazia coisas assim?
Sean tentou ler o que havia nos seus olhos, mas o velho devia ser um grande jogador de póquer porque a sua expressão era indecifrável.
– Bom, o que me diz?
Poderia dizer muitas coisas, pensou Sean. Por exemplo, que a neta não deveria ser moeda de troca num acordo comercial. Duas horas com ela tinham-lhe deixado claro que Melinda era uma jovem inteligente…
Na realidade, deveria dizer a ambos que fossem para o inferno e levassem a ilha com eles.
E também lhe poderia contar que a neta estava a encher a sua cabeça de tentadores pensamentos que não podiam chegar a lugar nenhum, que um simples toque da sua mão era suficiente para lhe atear um fogo no interior que continua a arder durante horas.
Mas não lhe podia dizer nada disso.
– Estou de acordo – ouviu-se dizer a si mesmo.
E, de imediato, viu um brilho de surpresa nos olhos de Stanford. Aparentemente, não podia esconder todos os seus sentimentos. Ou talvez não o quisesse fazer.
– Ah, sim? – Walter reclinou-se para trás na cadeira. – Perdoe-me, mas surpreende-me que aceite tão rapidamente.
Sean sorriu.
– Mudou de opinião?
– Não, nada disso. Mas pensei que seria mais difícil de o convencer.
– A Melinda é uma mulher lindíssima.
– Pois é. E além da beleza, tem outras qualidades.
– Suponho que sim – assentiu Sean. Ainda que já soubesse da inteligência da neta. – Uma vez casados, teremos muito tempo para nos conhecermos.
– Pois.
– Imagino que me terá investigado.
– Assim foi.
– Você fez-me uma proposta e eu aceitei – disse Sean. – Fim da história.
Walter olhava-o como quem espera que mude de opinião e Sean teve de dissimular outro sorriso. Impunha um casamento a um estranho e quando o estranho aceitava começava a repensar? Pois era demasiado tarde para isso.
Levantando-se da cadeira, Sean estendeu-lhe a mão.
– Vou dar a notícia à minha noiva. Depois ligo aos meus irmãos e digo-lhes que podemos começar a construção do hotel.
Walter levantou-se também para lhe estreitar a mão.
– Poderão começar a construir no dia após o casamento.
Sean arqueou uma sobrancelha.
– Não confia em que cumpra a minha palavra?
– Se não confiasse em si não lhe teria pedido que casasse com a minha neta. Digamos que prefiro ter todas as bases cobertas.
– Muito bem. Vou pedir aos meus advogados que lhe enviem um fax esta mesma tarde.
– E o meu advogado terá um contrato redigido para si amanhã sem falta.
Sean sustentou o olhar do homem e, por um momento, mantiveram uma conversa silenciosa. Dois homens, os dois poderosos, e os dois pensando na mesma mulher.
«Espero que saibas o que fazes».
«A minha neta e tu vão-se dar bem».
Se era isso que Walter julgava, estava muito enganado e, por um momento, sentiu-se culpado. Mas então recordou que não tinha sido ideia sua. Se Melinda tinha decidido que era o melhor, por que lhe ia importar a ele?
Sean sorriu.
– Vou ver a Melinda para lho contar.
– Talvez pudéssemos jantar juntos… para fazer planos. Digamos às oito na minha suite?
– Muito bem, de acordo. Imagino que se encarregará dos detalhes do casamento.
Walter assentiu com a cabeça.
– No fim de semana será um homem casado.
No fim de semana. Tão depressa? Mas tinha tomado uma decisão, pensou Sean, e não pretendia recuar.
– A Melinda é uma mulher forte e de grande coração. Lembre-se disso, King.
– Com certeza – Sean saiu da suite à procura da mulher de bom coração… e que, além do mais, negociava bem.
Na manhã seguinte, Sean olhava para o computador esperando que se ligasse a videochamada e, ao ver o seu reflexo no ecrã, fez uma careta. Parecia um cadáver. Isso ensinar-lhe-ia a não beber conhaque com um idoso que provavelmente tinha conhaque a correr-lhe pelas veias, pensou.
Stanford tinha querido brindar ao acordo e a Sean não se lhe tinha ocorrido nenhuma razão para não o fazer. Mas horas após escutar inúmeras histórias sobre a ilha e a infância de Melinda, todas regadas com um copo atrás de outro de conhaque, tinha saído com um grão na asa da suite.
Mal tinha podido pregar olho, esperando que o quarto deixasse de dar voltas. E quando por fim adormeceu, nos seus sonhos era perseguido por Walter Stanford, que ria como um maníaco enquanto Melinda lhe atirava ramos de noiva à cara.
– Nem penses em analisar o sonho – murmurou.
Quando tossiu, sentiu a cabeça a ponto de explodir. Estava a estender uma mão para pegar numas aspirinas quando o rosto do seu irmão Rafe apareceu no ecrã.
– Sean… bem, que má cara!
Graças à videoconferência, Sean não podia dissimular a ressaca e, pela primeira vez na vida, amaldiçoou a tecnologia.
– Obrigado, Rafe. Eu também estou contente de te ver.
– Estás com ressaca?
– Vejo que és muito observador – Sean tentou abrir o frasco de aspirinas.
– Não é que seja observador. Com essas olheiras e a piscar os olhos para evitar o sol como se fosses um vampiro…
Porque não tinha esperado umas horas antes de lhe ligar? Ou ao menos poderia ter fechado as cortinas. Mas não o tinha feito porque não tinha forças.
– Que se passa? – perguntou-lhe Rafe. – Fechaste o acordo?
– Sobre isso…
– Caramba!
– Importas-te de baixar a voz? – Sean esfregou a testa, sabendo que não serviria de nada. Por fim, conseguiu abrir as aspirinas e tomou duas.
– Muito bem, vou-me acalmar – disse Rafe. – Mas conta-me o que raio se passa.
– É uma longa história e prefiro contá-la só uma vez. O Lucas está no escritório?
– Isso não soa bem… espera aí – o seu irmão pulsou o intercomunicador.
– Marie, diz ao Lucas que chegue aqui.
– Marie? Secretária nova?
– Sim – admitiu Rafe. – A Katie fez questão de que contratasse mais alguém porque me quer em casa à hora de jantar.
Poderia parecer que se estava a queixar, mas Sean sabia que Rafe estava louco pela mulher. E era compreensível. A sua mulher era um encanto e fazia as melhores bolachas do universo.
– Como está a Katie?
– Genial – respondeu Rafe, com um sorriso radiante. Espantoso o que Katie tinha feito pelo carrancudo Rafe King. – Guardou-te um tabuleiro de bolachas de chocolate com pistachos.
Sean fez uma careta. Em circunstâncias normais teria sido uma agradável surpresa, mas naquele momento a ideia de comer algo revolvia-lhe o estômago.
– Agradece-lhe da minha parte.
Rafe voltou-se e fez um gesto a Lucas para que se sentasse ao seu lado.
– Que má cara! – exclamou o seu outro meio-irmão.
Sean suspirou.
– Parece que há consenso sobre isso. Como está o menino?
– O Danny está ótimo – respondeu Lucas, com um sorriso de orelha a orelha. – Juraria que esta manhã disse «papá».
Lucas estava convencido de que o seu filho era um génio… e quem era ele para discutir?
– Estás aí na farra com alguma loira quando devias estar a fechar o acordo com Stanford?
– Porque as loiras podem esperar até termos isso assinado – acrescentou Lucas.
– O que tem que fazer é esquecer as loiras de momento.
– Pois é isso mesmo que eu digo…
Sean esboçou um sorriso. O seu pai, Ben King, nunca se tinha casado, mas todos os verões reunia os seus filhos no seu rancho da Califórnia. Durante três meses por ano, os King eram mesmo irmãos e tinham forjado um laço que se tornava mais forte com o passar dos anos.
Mas o sorriso desapareceu ao pensar na sua mãe, demasiado frágil para lidar com os obstáculos que a vida punha no seu caminho. Demasiado frágil para deixar o homem com o qual se casou, inclusive quando começou a maltratá-la…
– Sean!
Ele levantou a cabeça e pigarreou.
– Não há nenhuma loira.
– Então o que se passa?
– É morena.
Ainda que isso também não descrevesse o cabelo de Melinda, que era mais da cor da noite, quando os sonhos e as fantasias de um homem pareciam reais…
Sean abanou a cabeça. Iam ser dois meses muito longos, pensou. Não a poder tocar seria um inferno porque, ainda que a tivesse conhecido vinte e quatro horas antes, desejava-a como nunca tinha desejado ninguém.
– Eu bem sabia que havia uma mulher ao barulho – queixou-se Lucas.
– Deixa-o falar – disse a voz da razão, Rafe.
– Não sei por onde começar – admitiu Sean. Tinham sido vinte e quatro horas muito estranhas e nem ele próprio acreditava no que se tinha passado.
– Começa pelo lote – animou-o Lucas. – Temo-lo ou não?
– Tenho boas e más notícias – começou a dizer Sean.
– Ótimo – murmurou Rafe.
– Começa pela boa – sugeriu Lucas. – Assim terei forças para a má.
– A boa notícia é que temos o lote.
Os seus meios-irmãos soltaram uma exclamação de alegria.
– Porque não disseste antes? – perguntou Rafe.
– Eu sabia que conseguirias! – exclamou Lucas. – Ontem à noite disse à Rose que ninguém é capaz de te negar nada quando te armas em encantador.
– Sim, bom… – ele teria estado de acordo uns dias antes, mas desde que conheceu Melinda Stanford devia admitir que o seu encanto tinha limites.
– Bom, dá-nos a má notícia – disse Rafe. – Na realidade, não acho que seja tão má. Temos o lote e podemos começar a construir…
– Deixa-o acabar, Lucas.
Sean suspirou.
– Bom, o questão é que… me vou casar.
Silêncio. Os seus irmãos olhavam-no, perplexos.
– Casar-te? – repetiu Rafe.
– Estás louco? – acusou Lucas. – Com a morena?
– Ela própria, Melinda Stanford.
– A neta do Walter?
– Conheceste-a, apaixonaste-te e pediste-lhe a mão em vinte e quatro horas? – exclamou Rafe.
– Quem falou de amor?
– Então porque te vais casar?
– Fiz um acordo com a Melinda: caso-me com ela e conseguimos o lote.
– Isso é levar as coisas demasiado longe – opinou Lucas.
– Já está feito. Chegámos a um acordo e penso cumprir a minha parte.
– Porquê?
– Porque não havia outra maneira de conseguir o lote.
– Estás louco.
– Não, não estou – replicou Sean, irritado. – Será um casamento temporário e em dois meses divorciar-nos-emos, mas continuaremos a ter o lote.
Lucas abanou a cabeça, como se não soubesse o que dizer, mas Rafe não tinha esse problema.
– Não podes fazer isso, Sean. Casar desse modo não é…
– Não é o quê?
– Não é o que queremos para ti – respondeu o seu irmão mais velho. – Quando te casares, deverias fazê-lo com alguém com quem queiras passar o resto da vida.
Sean cerrou os dentes para não dizer que casar não significava isso para toda a gente, que ele já tinha tentado e não estava interessado em repetir o erro, que a única razão pela qual aceitara aquela farsa era para que a sua família conseguisse o que queria… e porque tinha uma cláusula de escape.
Os seus irmãos eram felizmente casados com mulheres que os amavam de todo o coração, de maneira que nunca entenderiam o seu ponto de vista. Além do mais, eles não sabiam que Sean já tinha sido casado. De facto, ninguém sabia.
Os King cometiam erros, naturalmente, mas não falavam deles e não partilhavam os seus sentimentos com ninguém. Esse casamento fora um erro e ele solucionara-o sem dizer uma palavra.
– Não o vejam como um casamento, vejam-no antes como um acordo de negócios.
– Uma maneira muito estranha de fazer negócios – insistiu Lucas.
– Estranha ou não, vamos conseguir o que queremos – disse Sean. Construir aquele hotel com o primo Rico seria muito importante para a construtora King.
– O Walter terá a escritura preparada antes do casamento.
– E quando te pensas casar?
– No fim de semana – respondeu Sean, após engolir em seco. Mas tinha aceitado fazê-lo e não pensava desistir.
– No fim de semana? – repetiu Lucas. – Diz-nos quando e lá estaremos – disse Rafe.
– Não – Sean abanou a cabeça e, de imediato, fez um gesto de dor.
– Não como?
– Pois claro que iremos, idiota – acusou Rafe. – Não te vamos deixar sozinho.
– Não é um casamento a sério. É um acordo conveniente para os dois, mais nada.
– De todas as formas, o mais lógico é que estejamos a teu lado. Sabes que os King apoiam-se sempre uns aos outros.
Era verdade, mas apoiassem-se ou não, Sean não queria que estivessem presentes no dia do casamento. Não fazia sentido. Além do mais, não lhe apetecia ter de ouvir os seus irmãos e as cunhadas a darem-lhe um sermão.
– Será mais fácil para mim se não estiverem cá.
– O Stanford não espera que a tua família vá ao casamento?
Demónios. Sean não tinha pensado nisso.
– Provavelmente – admitiu. – Mas dir-lhe-ei que foi tudo tão rápido que não podem vir.
– Sim, de certeza que ela vai adorar ouvir isso – comentou Rafe, irónico. – Eu trato do Stanford, vocês liguem ao Rico para lhe dar a boa notícia. Enquanto isso, eu dedico-me a falar com a construtora da ilha para ver o que têm cá e o que é que nós devemos trazer.
– Tenho um barco à espera no porto. Podemos carregar a equipa e começar a trabalhar daqui a uma semana – disse Rafe.
– Ótimo – assentiu Sean. – Com o bom tempo que há cá, não vamos ter problema nenhum. Poderemos trabalhar até no inverno sem perder um só dia.
– O Rico quer construir uma casa na ilha, por sinal. Parece que decidiu converter Tesouro na sua residência.
– Um momento… eu negociei o lote para o hotel. O Rico terá de negociar com o Stanford se quiser construir uma casa.
– Ah, pois claro, a ti o que é que te resta para vender, a alma? – troçou Lucas.
– Muito engraçado.
– O Rico já tem o lote para a sua casa. O Walter vendeu-lho – disse Rafe.
– Era de esperar – murmurou Sean.
– De certeza que queres fazer isto? – perguntou-lhe Rafe então.
– Porque não?
– Sempre foste o mais casmurro de todos – disse Lucas.
– Sim, é verdade. Até fazes com que o pai pareça um homem razoável – troçou Rafe.
– Não é preciso insultar – acusou Lucas.
– Quem é que está a insultar?
Sean sorriu para si mesmo enquanto via os irmãos a discutirem, como de costume. Estavam na Califórnia, mas poderiam estar em Marte, de tão longe que se sentia. Mas era melhor assim.
Não havia nenhuma razão para que conhecessem Melinda ou para celebrarem um casamento que tinha data de validade.
Tinha feito um acordo e cumpri-lo-ia, mas não queria que tivesse público.