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O Mundo do Trabalho

Entraram pela porta do Economato que parecia um labirinto devido à quantidade de material espalhado pelo chão; enlatados, refrigerantes, grades de água cheias e vazias, embalagens de papel higiénico, rolos de cozinha, rolos de película aderente e de alumínio. Duas arcas congeladoras horizontais como as que temos em casa e mais três frigoríficos verticais com frutas, ovos e iogurtes. Havia caixas de cartão vazias, embalagens rasgadas onde faltavam uma lata ou uma garrafa e as prateleiras que existiam estavam apenas metade ocupadas aparentando não ter nenhuma lógica de arrumação. Havia caixas fechadas que não se percebia o que era. Parece que um tsunami tinha passado por ali!

Ao fundo estava plantada uma secretária cheia de papéis onde o computador quase não se via. Num lado, facturas, no outro, folhas soltas escritas à mão. Supostamente era tudo o que era retirado. Outra folha por cima do teclado estava identificada como “Faltas” e, à frente dos artigos, tinha ‘vistos’ com uma cor de esferográfica diferente. Na parede ao lado do computador encontrava-se afixada uma lista com nomes de fornecedores e números de telefone.

D. Teresa relembra a Luís o que tem de fazer:

– Primeiro, é melhor familiarizares-te com o armazém e arrumá-lo para ficarmos com mais espaço. Depois, organiza a papelada porque, desde que o Santiago, saiu ninguém tocou nisso. Entretanto, vão aparecer fornecedores porque hoje é 3ª feira, vai conferindo e arrumando as mercadorias – explica esperando ter a compreensão de Luís.

– Conferindo? Como assim Dona Teresa? Como sei o que é suposto chegar? – Luís começava a respirar mais aceleradamente.

– Vai vendo pelas facturas dos fornecedores se correspondem ao que estão a entregar para não nos enganarem… Ah, entretanto é normal virem colegas pedir material, escreve tudo o que levantarem para no final do mês o inventário bater certo – diz Dona Teresa com um ar de que tudo aquilo era normalíssimo.

– E as encomendas, Dona Teresa, como faço?

– As encomendas eram o Chef Rui ou a Maria Albertina que faziam antes de irem para casa. Agora que cá estás, eles vão deixar-te a lista e ligas aos fornecedores. Alguma dúvida, tens aí junto ao telefone as extensões da Cozinha, Restaurante e Direcção. Liga-lhes directamente ou, se necessário, a mim que eu ajudo – clarificou Dona Teresa.

Dito isto chega um fornecedor, uma voz rouca:

– Bom dia.

Quando Luís olhou, reconheceu aquela cara: era o fornecedor do dia anterior.

Dona Teresa desejou-lhe ‘boa sorte’ e retirou-se.

O fornecedor disse, admirado:

– Você aqui? Bem, pelo menos hoje abriram a porta mais cedo, o que já é uma grande ajuda.

– Pois, agora vou ficar por aqui, espero…– disse Luís ao fornecedor, não muito confiante.

– Desejo-lhe boa sorte – encorajou o fornecedor. – O outro tipo era um ‘chico-esperto’. Não gostava da arrogância dele, porém, era rápido a despachar os fornecedores e mantinha isto arrumado.

Luís e o fornecedor conversaram um pouco distraindo-se até serem interrompidos por outro fornecedor. Luís assinou a factura à pressa sem ter conferido a entrega:

– Está a ver, estive cá ontem com meia dúzia de coisa e hoje fizeram-me voltar com mais umas tantas, veja se organiza isto. – disparou o fornecedor à saída.

O fornecedor seguinte era o das frutas e legumes. Luís apresentou-se e o senhor fez o mesmo.

– Vamos pesar isto ou posso ir embora? – disse o senhor.

Luís olhou à sua volta procurando uma balança sem sucesso. Olhou novamente e lá encontrou uma balança ao lado dos frigoríficos, mas cheia de material. Apressou-se a desviar tudo e bloqueou a porta de um dos frigoríficos. Pesou tudo e conferiu com os pesos constantes na factura. O senhor explicou-lhe que tinha de tirar 1 kg por cada caixa, pois esse era o peso das suas taras. Estava tudo impecável e o aroma das ervas aromáticas deixou um perfume agradável no armazém. O senhor explicou-lhe que grande parte do que vendia era ele que cultivava, o restante material ía buscar na madrugada anterior ao Mercado Abastecedor da Região.

“Isso explica o ar cansado e tem as mãos assim de trabalhar a terra”– pensou Luís, enquanto reparava nas mãos ásperas do senhor quando se cumprimentavam na despedida.

Chegaram, entretanto, mais dois fornecedores, praticamente seguidos, um de papel higiénico e outro de águas e refrigerantes. Luís não sabia para onde se virar, conferia o material pelas facturas e atirava as mesmas para cima do monte que já lá repousava faziam dias. O vasilhame estava desarrumado do lado de fora do armazém, o fornecedor resmungou que assim não fazia o levantamento e aquele valor seria debitado. Luís lá o convenceu e ambos arrumaram as garrafas por caixa. Enquanto Luís estava a arrumar o vasilhame com o fornecedor, chegou o Chef Rui e começou aos berros porque não conseguia abrir a porta do frigorífico para retirar legumes para o almoço. Indignado dizia:

– Porque que estão latas em frente ao frigorífico? Não tarda tenho os clientes à espera do almoço. Não podes deixar isto assim! – resmungou, colocando de novo as latas em cima da balança. Tirou o que precisava e saiu acelerado abanando a cabeça.

Quando Luís entrou e viu as latas novamente em cima da balança teve vontade de gritar. Apressou-se a tentar tirar tudo do chão e colocar nas prateleiras antes que chegasse novo fornecedor... Já transpirava por todos os lados.

Enquanto isso, entrou um colega do Restaurante que não conhecia, perguntou se podia levar refrigerantes e começou a tirar garrafas para uma caixa. Já ía embora quando Luís o lembrou se tinha tomado nota do que levava. O colega voltou atrás e escreveu na folha, mais rasurada do que outra coisa, o que levava.

Luís continuou nas suas arrumações, tirar o material das embalagens para ficar tudo visível e mais organizado, tentou colocar os enlatados todos juntos, vinhos, refrigerantes, artigos de papelaria. Tentava dar alguma ordem àquela anarquia. Chegaram mais alguns fornecedores e colocou todo o material do lado de fora do armazém para depois poder ir arrumando e ir ganhando espaço. Luís não parava, outros colegas vinham buscar material apressados, alguns elogiavam o que estava a fazer, outros ignoravam ou abanavam a cabeça em reprovação.

Passaram quatro horas. Luís, cansado, colocava as mãos nos joelhos e olhava para as prateleiras vendo o resultado; já tinha praticamente tudo fora do chão e devidamente acondicionado nas estantes. Ofegante, decidiu sentar-se e pensar no próximo passo a tomar, mas o cansaço físico toldava-lhe o discernimento e não conseguia raciocinar.

Sr. Joaquim espreitou pela porta com o seu aspecto roqueiro e exclamou:


– Puxa rapaz, grande revolução. Agora vamos almoçar que já deves ter fome.

Na realidade, Luís nem tinha dado pelo tempo passar e eram já 14h. Foram almoçar e o refeitório encontrava-se vazio: eram os últimos. O pessoal da Cozinha e Sala almoçava sempre antes da abertura do restaurante, pelas 11h30, e o pessoal dos Quartos e Recepção já tinha almoçado. Sr. Joaquim falou um pouco de si e Luís, por momentos, esqueceu-se do resto. A comida confortava-lhe o estômago e a companhia descontraía-o. Luis falou também um pouco de si até que veio um copeiro levantar as loiças e fechar o refeitório, que basicamente era uma pequena sala com duas mesas, um microondas e uma citação curiosa:

Regras da Hotelaria:1ª Regra: O cliente tem sempre razão;2ª Regra: O cliente tem sempre razão;3ª Regra: Quando o cliente não tem razão, aplicam-se a primeira ou segunda regra.

Luís olhou para o relógio e ficou inquieto, eram quase 15h! Voltou à realidade e começou a pensar na tarefa hercúlea que tinha pela frente. Despediu-se de Sr. Joaquim, este ía subir aos quartos trocar uma lâmpada, já lhe tinham ligado duas vezes a comunicar a Ordem de Serviço.

Luís regressou a correr, sentou-se e começou a olhar para o monte de facturas e para o computador, olhou para o ícone no ambiente de trabalho do programa de gestão Logística e recordou-se que Jota talvez tivesse utilizado este sistema informático. A password estava afixada no monitor à mão de toda a gente, fez login enquanto ligava ao amigo.

O seu entusiasmo esmoreceu mais uma vez, quando o companheiro lhe disse que não conhecia aquele programa:

– Deve ser parecido Luís, tem calma. Procura algo que diga ‘recepção ou receiving’ para dares entrada do material em sistema o que automaticamente há-de actualizar os stocks. Luís estava perdido e ligou a Dona Teresa a questionar quem lhe podia dar formação :

– Para isso, tenho de marcar uma formação com a empresa que nos instalou o programa e aferir a disponibilidade deles para virem com a máxima urgência. Só o Santiago sabia mexer no sistema.

Luís endireitou os papéis enquanto pensava no que faria sem ajuda, não queria atrasar mais a papelada. Entretanto, os seus colegas não o queriam deixar a pensar muito nisso e vieram buscar mais material. A Senhora Maria Albertina apareceu com uma folha escrita à mão:

– Preciso disto para amanhã; cafés e chás e um reforço de água, tens aí os números de telefone – disse de forma autoritária e sem dar tempo de Luís fazer perguntas. Ainda ele acabava de ler a lista e já ela tinha saído. Luís olhava para a folha e rasurava à frente do artigo qual o fornecedor. A sua ideia era identificar todos os fornecedores por artigo e depois ligar a cada um a fazer a encomenda.

Estava a pensar como iria organizar aquela informação para no dia seguinte utilizá-la para conferir as entregas e recebeu uma chamada: era o fornecedor do pão a queixar-se que ainda não tinha recebido a encomenda e já passava da hora. Durante o dia, já perdera a conta de quantas chamadas internas tinha atendido, mas era a primeira de um fornecedor. Bastou saber-se que havia novo ecónomo e a procura tinha sido imensa a requisitar coisas e pedir favores por telefone: “Traz cá isso que agora não conseguimos ir aí” – pediam.

“Então como faziam antes de haver ecónomo?” – pensava Luis enquanto continuava a ajudar os colegas para não parecer inconveniente.

Ligou para a cozinha e pediu a encomenda do pão. O Chef resmungou e disse-lhe para dizer ao fornecedor que repetisse a encomenda do dia anterior. Toda aquela impaciência dos colegas desde manhã vinha a incomodar Luís. Olhava para o relógio e via a hora de saída a aproximar-se, ansiava ir para casa descansar e pensar no ‘plano de acção’ para os próximos dias.

Arranjou umas caixas de cartão e arrumou as facturas num lado e as requisições noutra, colocou ambas debaixo da secretária. O problema continuava lá, mas estava escondido e o armazém passado 8h de trabalho árduo já tinha um ar mais aprazível. Luís pediu uma vassoura e esfregona à Governanta e lavou o chão.

“Agora vou para casa amanhã, logo se vê” – pensava. Queria sair dali e tinha vontade de fugir. O Sr. Joaquim já tinha passado a despedir-se.

Luis ía a caminho do gabinete de Dona Teresa para dar feedback de como havia corrido o primeiro dia e depois esperava ir para casa.

– Luis, tenho aqui umas encomendas para amanhã, trata disso antes de saíres, se fazes favor, porque isso é urgente! – foi interpelado pelo Chef Rui.

Mais uma vez, Luís não reclamou e voltou para o escritório. Ligou para os fornecedores da carne e do peixe. Resmungaram com o horário tardio e pediram que as encomendas fossem feitas até as 16h.

“Ufa, isto nunca mais acaba, já estou farto que me chamem a atenção por tudo e por nada. Por hoje chega” – pensou Luís e foi embora.

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