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CAPITULO I

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Falla-se hoje muito a respeito da dissolução domestica, manifestada e provada constantemente por casos de divorcio, suicidios, questões miseraveis entre parentes proximos, rebelliões filiaes, etc., etc.


Surprehende a todos aquelles, que sem aprofundarem radicalmente as questões sociaes, se preoccupam todavia com ellas um pouco mais do que o vulgo, que este mal que todos sentem e que poucos definem, que este estado inquieto e doloroso que depois de agitar a familia assusta e perturba a sociedade, se haja aggravado justamente na época em que o homem auxiliado por grandes e immortaes pensadores, tem adquirido a mais elevada e justa noção do Bem que ainda lhe foi dado alcançar no seu caminho de seculos.


A manifesta e clara contradicção que hoje mais do que nunca existe entre as idéas e os factos desnorteia e desanima ainda os espiritos mais penetrantes.


Como é que o homem que tem domado a materia a ponto de fazer d'ella a escrava submissa da intelligencia; que forçou a grande e muda Natureza a tornal-o seu confidente e seu senhor; que arrancou ao astro e á planta o segredo immortal da vida que os anima; que penetrou—investigador implacavel—nas catacumbas das mortas religiões, e que ouviu de cada uma a palavra suprema que as explica e desvenda; porque é que o homem que tem hoje a percepção lucida e completa do seu destino, não soube ainda prostrar, vencer, amordaçar o animal indomito que vive dentro d'elle, que o martyrisa, que o rebaixa, que o leva muitas vezes ao abysmo, quando o não leva ao lodaçal? Se o bom e o bello lhe revelaram a sua larga claridade benefica, porque se não revigora elle, e se não robustece n'esse grande banho de luz? porque não estabelece uma harmonia perfeita e intima entre a idéa que fórma dos deveres e a sua manifestação pratica e vizivel?


Depois de havermos concedido ás paixõe Depois de havermos concedido ás paixões humanas o imperio relativo que ellas não podem perder, somos ainda forçados a confessar que na culpa d'esta desgraça que todos lamentam, compete ás mulheres um grandissimo quinhão.


Concorrem ellas em grande parte para dar força ao impulso que contraria a marcha triumphante e apesar de tudo invencivel, que leva a civilisação no caminho da verdadeira luz. E concorrem por varias e complexas razões que devem analysar-se e depois combater-se.


Ignorantes impoem resistencia inconsciente ás transformações continuas do progresso.


Retrogradas por educação e por natureza, cada innovação se lhes affigura ou uma cousa inutil, ou uma cousa perigosa.


Amesquinhadas pela profunda escuridão intellectual em que jazem immersas, em vez de auxiliarem o homem no cumprimento difficil do dever afastam-no pelo desdem, desanimam-no pela frivolidade, cançam-no com as exigencias loucas, gastam-lhe a força, o alento, as aspirações arrojadas e grandes na satisfação de desejos pueris, ou lhe destroem a dignidade e lhe annullam a energia obrigando-o a transigir com os desvairamentos d'uma imaginação doentia.


Mas se as mulheres produzem este effeito funesto confesse-se para bem da justiça que aos homens se deve o atrazo intellectual em que todas nós estamos.


Sentem elles, e a meu ver sentem muito bem, que para conservar este equilibrio necessario á manutenção da ordem na familia e na sociedade, cumpre que a mulher se não revolte contra a inferioridade a que fatalmente a condemnam as leis, e contra a dependencia a que a condemnam os costumes.


Para alcançarem porém esta submissão voluntaria entenderam desde muito, que o melhor meio consistia em condensar as trevas da ignorancia e da superstição em torno d'aquella de quem são forçados a fazer a sua companheira na vida, o seu consolo nas horas da provação, a mãe de seus filhos, a carne da sua carne.


Terrivel contradicção, systema absurdo que tem como resultado a lenta desorganisação da familia e que corrompendo a mulher atravez do homem, não póde deixar d'ir com o andar dos tempos corrompendo o homem atravez da mulher.


D'um lado querem conservar-nos n'uma plana muito inferior á sua, como illustração, conhecimentos, intelligencia, isto para que nunca nos venha á idéa aspirar á perfeita igualdade dos direitos e dos privilegios; d'outro lado exigem de nós prodigios de virtude, de abnegação, de paciencia, de que só são capazes as almas bafejadas pelo sopro ideal da eterna Perfeição.


A mulher precisa de ser moralmente mais forte do que o homem, para conseguir levar a cabo a tarefa relativamente superior que a natureza e a sociedade lhe impoem.


No dia em que se assentar este ponto como verdade incontestavel, o mundo terá dado um dos seus passos mais gigantescos no caminho da felicidade.


Educar a mulher eis o grande problema que resta ainda a resolver.


Educar a mulher é arrancal-a na infancia ao seu berço fôfo e tepido de beijos, e leval-a por caminhos d'uma magestade austera que ella nunca trilhou.


É preparal-a para a grande lucta moral que é a Vida, com os cuidados com que Sparta, a guerreira cidade antiga, preparava os seus filhos para as luctas do corpo, para as victorias da destreza physica.


É associal-a pela comprehensão e pela sympathia a todos os trabalhos e investigações do homem moderno; é dar-lhe ao lado d'este um lugar honroso e definido, não egual pois que são diversas as attribuições de ambos, mas equivalente em direitos e em deveres.


É fazer-lhe comprehender bem claro que as seducções do corpo—seu orgulho supremo e seu constante desvanecimento—quando não são reflexo da formosura e da robustez da alma, não passam d'um laço ignobil armado ao animal malefico e bravio que todo o homem encerra em si.


Educar a mulher é leval-a a compenetrar-se do seu papel providencial na familia, e achal-o grande, util, elevado, digno de saciar as mais levantadas ambições, e tambem—o que é d'uma importancia capital—de pezar como uma responsabilidade tremenda no animo mais altivo.


É dar-lhe uma idéa perfeita do dever e da justiça, um Ideal a que tendam incessantemente as aspirações do seu espirito, uma religião que a hypocrisia e os calculos interesseiros não maculem nem amesquinhem, que se resuma para ella no sacrificio e no amor, mas sacrificio sem voluptuosidades dissolventes e amor sem extasis hystericos e sem raptos de paixão sensual.


Não basta porém exprimir tudo que se ousa esperar da mulher de ámanhã, é preciso tambem lançar um olhar demorado e justo ao que é a mulher d'hoje.


Só assim poderão comprehender-se os erros que é preciso desarreigar, os preconceitos que é indispensavel destruir, a distancia enorme que temos de transpôr para chegar ao momento da sua completa e salutar transformação.

Mulheres e creanças: notas sobre educação

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