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Na nossa pequena sociedade de Lisboa, em que os meios estão em completo desequilibrio com os desejos, chega todos os annos um periodo, o periodo que antecede o carnaval, em que nos julgamos mais ou menos obrigados a sacrificar ao amor da sociabilidade.


Entendemos que uma sociedade civilisada não póde viver sem festas e sem saraus, portanto é necessario que sem hesitação façamos tudo que nos seja possivel, e mesmo impossivel, para darmos e recebermos saraus e festas.


Ouço eu por ahi dizer e affirmar que os talentos e os genios enxameiam como papoulas nas seáras de abril.


Não duvido, não senhor; temos talento, temos genio, temos superioridade, temos phantasia, temos tudo quando quizerem.


O que nós não temos é uma cousa pequena, humilde, despertenciosa, desdenhada.


Não temos bom-senso.


Não quero aqui entrar na questão muito complexa e muito complicada de saber se as festas, se os bailes, se os jantares de gala, se todas as ceremonias pomposas da vida mundana podem ter no desenvolvimento da industria, no progresso da civilisação moderna alguma influencia benefica.


Em outros paizes mais ricos, em outras nações mais industriaes, em outro regimen mais favoravel ao luxo creio que sim.


Entendo eu, porém, que as leis geraes não se podem applicar a casos especiaes, e que nós não podemos conservar a vida falsamente luxuosa que é e continuará a ser por muito tempo o nosso ideal supremo!


Em Lisboa haverá cem familias que estejam no caso de gastar em superfluidades um rendimento avantajado.


Mas, como o amor da representação é o nosso cunho nacional, como o desprezo pelos pobres é o timbre e o brazão da nossa sociedade, como o luxo é o sonho e a aspiração constante de todos os cerebros juvenis, provém d'aqui que dia a dia, se sente na familia uma perturbação e uma desharmonia mais graves que o contentamento intimo e desinvejoso vae-se tornando uma flôr rara, que só aqui ou alli enfeita suavemente a fronte ignorante de uma collegial de quinze annos!


Depois, como se não póde vencer o impossivel, mesmo as que empregam os maximos sacrificios para apparecerem e brilharem, depois de alcançado o fim a que aspiravam, ficam mais tristes e mais despeitadas do que antes de o ter realisado.


No baile, á luz opalina dos lustres, no aroma capitoso das violetas, entre as magnificencias avelludadas das camelias, percebem—e com que amargo desespero!—que o seu vestido não está fresco, que estão machucadas as suas flores, que a ninguem illude o amarellado artificial das suas rendas falsas, e que o strass não póde substituir com muita vantagem os diamantes verdadeiros.


Oh! quantas privações, quantos sacrificios, quantas luctas conjugaes, que scenas intimas, para alcançarem aquella toillete mesquinha, desbotada, humilhante, que parece ter malicias diabolicas em cada uma das suas pregas, a rir-se ferozmente no seu fru-fru escarnecedor.


E a dona d'esse vestuario hybrido pensa de si para si com uma furia concentrada, que põe manchas biliosas nas suas faces, e chispas sombrias nos seus olhos pisados.


—«Não consigo humilhar nenhuma das minhas inimigas, não venço nenhuma das minhas rivaes! As pobres adivinharão todas as penas que esta hora de ostentação me tem custado! as ricas terão dó, um dó profundo da minha miseria mal disfarçada e mal occulta! Que ganhei eu com isto?»


Ganhou, minha senhora, ganhou alguma cousa, póde crer. Ganhou a certeza de que seu marido ou não a estima já, se é honesto e digno e tem a alta comprehensão dos deveres da familia, ou continua a sentir o mesmo que até alli tinha sentido, uma paixão insalubre ou uma indifferença bestial, e n'esse caso não passa de um homem tolo, ou de um homem máu!


Ganhou o haver definido, de si para comsigo a sua propria situação; ganhou o reconhecer bem a que especie de marido entregou o destino de seus filhos e o seu.


E não se diga que ha n'estas minhas palavras demasiada acrimonia, ou injustiça flagrante.


O nosso defeito consiste positivamente n'isso: em dar pouca attenção a todas as cousas; em ver os resultados sem observar e sem julgar as causas; em perdermos completamente de vista, que não ha effeito por mais mesquinho que não seja o corollario de uma lei importante.


Não quero, já se vê, condemnar sem appello as senhoras que frequentam a sociedade e se habituam á atmosphera artificial dos salões.


Quero provar simplesmente que entre cem senhoras que o fazem, só dez é que o podiam fazer, e que o nosso modo de ser social se não coaduna com esses costumes pomposos, restos e herança de um extincto regimen.


Mulheres e creanças: notas sobre educação

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