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II

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As divisões sociaes que hoje em face dos homens educados nos mesmos collegios, nas mesmas academias, nas mesmas escolas superiores, quasi que se não distinguem, ou se distinguem apenas por ligeiros cambiantes imperceptiveis ás vistas superficiaes, imperam ainda na mulher com extraordinaria força. Vamos pois procurar ás diversas classes as suas femeninas representantes, e pincipiemos pela mulher da classe media, classe que considerada no seu elemento masculino representa a intelligencia, a riqueza, o commercio, a industria, o progresso d'um paiz.


A mulher d'essa classe especial divide-se em dous generos accentuadamente distinctos: aquella que as vaidades sociaes ainda não corromperam, e aquella que pretende offuscar com os deslumbramentos da sua opulencia, as finas graças, as exterioridades elegantes, os requintes herdados e tradicionaes que pompeiam nas regiões mais elevadas da sociedade.


A primeira é evidentemente mais sympathica; é laboriosa e tem a rude sensatez plebeia da sua raça. Tem o amor dos filhos, um amor animal, um amor physico, mais instincto do que religião. Não raciocina mas sente com uma energia poderosa e creadora.


É d'uma ignorancia absoluta, ingenua, profunda, quasi sublime na sua cegueira. Imagina-se porém investida d'um dever supremo a que todos se subordinam:—o de proporcionar por todos os meios ao seu alcance o bem estar material do marido, e da familia.


Não tem conversação, não tem espirito, não tem aquella doçura benevola e intelligente que é para o coração dos homens o que o algodão em rama é para o ninho das aves.


Quando aconselha irrita; quando quer guiar contraria, quanto tenta convencer, despersuade.


É porém activa, aceada, robusta, fiel, e nas horas de adversidade, de doença, de desfallecimento ou de miseria, tem os carinhos rudes, tem a dedicação humilde, tem a vigilancia perseverante, tem o exemplo energico e fecundo por isso mesmo.


O homem anda lá fóra, na lucta, no trabalho, na investigação, na sciencia; vae vivendo e vendo como n'uma ascensão rude, desvendarem-se todos os dias horisontes novos, vae estudando e sentindo como n'uma iniciação progressiva dilatar-se-lhe o espirito, clarear-se-lhe o entendimento.


Ella a esposa, a sua companheira, a sua melhor amiga, ignora os seus combates, as suas glorias, as acres delicias do seu sacrificio, os desanimos, as horas de impotencia, as aspirações, os arrebatamentos triumphantes da victoria.


Percebe simplesmente se o marido está doente, se anda magro, se tem fastio, se tem roupa branca. Inventa-lhe pequenos pratos, manipula-lhe remedios caseiros, vigia para que lhe não faltem aquelles commodos que elle aprecia, tem prodigios de invenção espontanea para o envolver no bem estar tão necessario aos que se consomem n'uma actividade sem treguas.


De que ha de elle queixar-se? De nada.


É amado, é estremecido, obedecem-lhe cegamente, tem a certeza de encontrar ao seu lado sempre que o precise um sincero e leal affecto.


Mas quando um sentimento superior o transporta, quando uma grande idéa o levanta e ennobrece, quando um nobre desejo do bello e do bom lhe faz palpitar de enthusiasmo o coração, é debalde que elle busca junto de si o espirito que comprehenda o seu espirito, que partilhe as suas impressões, que lhe revele emfim intima, absoluta, indestructivel, essa união ideal sem a qual o casamento é espiritualmente infecundo e incompleto.


Isto tem de esmorecer fatalmente o impulso que levava esse trabalhador, esse homem de pensamento ou de sciencia á conquista e á posse da sua felicidade.


Sem que elle talvez mesmo dê por isso, uma tristeza indefinivel, vaga, sem traducção, lança como que um sopro esterilisador sobre as suas mais queridas concepções. Falta-lhe alguma cousa que elle precisava e que no entretanto não conhece nem sabe definir.


Falta-lhe o complemento do seu sêr!


Subamos agora na escala social mais um degrau.


O trabalhador incansavel venceu.


O dono da fabrica fez-se capitalista; o chimico enriqueceu com a sua descoberta; o medico alcançou uma popularidade subita; o industrial ganhou um milhão.


Elle é simples e modesto, lembra-se dos dias em que trabalhava e combatia, como dos seus dias melhores; não quer offuscar ninguem, basta-lhe hoje como hontem lhe bastava a consciencia do seu valor individual.


Ella porém a mulher—e eis a segunda variedade que acima citamos—ella que deixou penetrar na sua alma ignorante o veneno da vaidade, ella a quem o trabalho forçado já não absorve, e a quem as distracções elevadas e nobres d'um espirito culto são vedadas, ella que não pensa, que não medita, que não entendeu bem na sua acepção levantada e digna a missão exercida pelo marido pois que se envergonhava da pobreza honesta em que vivera largo tempo, eil-a que deseja esmagar as que a esmagaram n'outra época com o pezo da sua superioridade social, eil-a que opera a pouco e pouco, quasi imperceptivelmente, uma influencia funesta no homem, que o corrompe, e que o arrasta.


Emquanto elle tivera as serenas e robustas consolações do trabalho que a intelligencia illumina, e a que a intelligencia preside, tinha ella apenas na sua profunda escuridão mental, as pequenas humilhações, as raivas mal dissimuladas, os despeitos mal contidos.


Não podendo ter a consciencia do seu dever o que a faria sublime, só tivera a consciencia da sua inferioridade, que a tornara mesquinha e redicula. Chegando o momento da desforra exigi-a completa.


Leitora, quando tu vires passar triumphante, grosseiramente desdenhosa, mal sentada nos flaccidos coxins d'um coupé de oito molas, coberta de velludos e de rendas a altiva burgueza dos nossos dias, lembra-te que é o fructo pernicioso da ignorancia combinada com a mais feroz vaidade.


Ninguem a excede no absurdo desprezo por tudo que está abaixo d'ella, que é mais pobre, mais humilde, menos cheio de lantejoilas e de falsos brilhantes.


Tem as refinadas atrocidades do paria que se vinga.


Como para ella ser pobre foi o maximo dos martyrios e a maxima das humilhações envolve todos os pobres no mesmo olhar de cruel desdem.


As filhas d'esta mãe são as desgraçadas creanças que por ahi vendem a sua mocidade e os seus carinhos por um titulo avariado ou pelos milhões d'um negreiro enriquecido.


Não as accusemos, accusemos antes a perniciosa, a funesta educação que receberam, germens que teem no Não as accusemos, accusemos antes a perniciosa, a funesta educação que receberam, germens que teem no passado as suas raizes damninhas e que vão estender sobre o futuro a sua sombra deleteria e esterelisadora.


Combater estes erros, lançar por terra estes preconceitos deve ser a mira de todo o ser que pensa e crê!

Mulheres e creanças: notas sobre educação

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