Читать книгу Mulheres e creanças: notas sobre educação - Maria Amalia Vaz de Carvalho - Страница 15

III

Оглавление

Deixemos agora os menages modestos onde reina o trabalho ou os salões vulgarmente luxuosos onde a riqueza ostenta os seus vãos orgulhos, e penetremos no boudoir elegante, onde a mulher do alto mundo proclama o que se lhe afigura a sua incontestavel superioridade.


Ha um preconceito falsamente democrata, e digo falsamente porque a democracia tem obrigação de ser justa, imparcial e intelligente, que attribue aos restos desmantelados da nossa aristocracia, todas as culpas e todas as inferioridades.


Engano!


É verdade que a aristocracia portugueza avaliada no seu conjuncto, se annullou pela ignorancia, como a aristocracia franceza se annullou pelo desdem, e a prova temol-a nós em Inglaterra onde esta classe que não foi nunca ignorante nem desdenhosa, predomina com todo o pezo d'uma robusta instituição de seculos nos destinos politicos, economicos e sociaes da nação.


Hoje porém, o que em Portugal resta de uma raça que teve todos os privilegios e todas as prepotencias, tenta instruir-se de boa vontade, aspira a levantar-se pelo valor individual, e se raras vezes o consegue, é que o passado exerce ainda a sua influencia nefasta, é que a decadencia e o abastardamento das raças são uma verdade scientifica contra a qual nada póde a vontade humana.


A fidalga tradicional e lendaria, soberba, sem conseguir ser magestosa, ignorante, cheia de preconceitos, de rediculos e de toda a especie de idéas estapafurdias, olhando de muito alto com um pasmo idiota que aspira a ser desdenhoso, para as maravilhas d'uma civilisação que não comprehende, vae desapparecendo completamente até dos velhos solares da provincia acastellados e altivos.


Morre sem deixar saudades e sem ter quem a substitua.


Hoje as representantes femeninas das altas classes se não seguem um caminho mais verdadeiro, mais util, mais fecundo em resultados praticos, revestem ao menos a sua falsa percepção da idéa moderna, d'um prestigio que á primeira vista agrada e seduz.


A educação d'ellas, uma educação toda exterioridades brilhantes, se não é aquella de que carecem as mães, as perceptoras de futuro, estabelece comtudo e accentua incontestavelmente a sua superioridade social sobre as gerações que as precederam.


A influencia estrangeira e sobretudo a franceza, penetrou nas salas desbotadas dos nossos palacios e nas luxuosas residencias da nossa aristocracia moderna.


Se não temos a mulher de familia, a creadora de uma geração robusta, conscienciosa, crente e leal, temos a mulher de sala, que é uma nova face da transformação lenta por que vão passando as idéas e os acontecimentos.


A mulher de sala é um producto exotico entre nós.


A França recebeu-a da Italia, cultivou-a, transformou-a, deu-lhe todos os requintes falsos, todos os donaires artificiaes, ergueu-lhe um throno no seio das suas côrtes galantes, e deixou que nós, vendo-a de longe a cubiçassemos e tentassemos transplantal-a para os nossos costumes chãos, para a nossa pobreza envergonhada e modesta.


Sahiu-nos uma cousa hybrida e estranha, que não está em relação com o seu meio, deslocada, inutil, mas em todo o caso attrahente para os olhos superficiaes.


A mulher de sala falla umas poucas de linguas, com facilidade e fluencia; escreve bem, com uma certa graça adquirida que não occulta a frivolidade, mas que a envolve em véu rendilhado; conversa com vivesa e com chiste, sabe dar aos pequenos nadas da sua vida uma elegancia que illude os incautos. Quem a vê de longe, no scenario pomposo da sua opulencia, sente-se deslumbrado; quem a observar de perto conhece que ella tem de facto caminhado para se afastar das suas predecessoras, mas que o caminho que vae trilhando é como o que ellas trilharam, um caminho falso, um caminho sem sahida.


O primeiro obstaculo que a separa da verdadeira luz, é uma devoção inteiramente errada, em que a idéa luminosa e fecunda prégada pelo Christo se subverte e se afoga n'uma onda de preconceitos e de mentiras anti-christãs.


Se a mulher das classes inferiores estabelece entre si e o marido uma barreira enorme—a sua ignorancia—a mulher mais culta e mais educada das classes elevadas separa-se do marido, como se separa mais tarde dos filhos isolando-se na esphera inaccessivel do seu intransigente fanatismo.


Quando digo fanatismo, não quero referir-me a uma crença exaggerada e absoluta, que impere em todos os actos da vida, e que os subordine ás suas austeras exigencias.


É um fanatismo elegante, um fanatismo de alta vida, bastante indulgente para se permittir todos os gozos sociaes, bastante severo para não admittir que haja virtudes, merito, nobreza, sublimidade possivel fóra do seu estreito gremio.


Aqui como alli é sempre o divorcio na familia debaixo de qualquer dos aspectos.


Aqui porém mais completo ainda, visto que a vida da sociedade exige mais da mulher, visto que n'esta existencia de representação exterior e pueril, nem ao menos subsiste entre a mulher e o marido aquella intimidade material, aquella protecção mutua que faz com que o homem seja o braço, o amparo, o sustentaculo, e a mulher o desvelo, a economia, a vigilancia continua, a dispensadora e reguladora de todos os confortos materiaes da familia.


A mulher de sala vive para todos, menos para os seus.


Veste-se, despe-se, reza, confessa-se, recebe visitas, tagarella, agrada, encanta, mas no meio d'este labyrintho de pequenas occupações, de pequenos deveres, de pequenas caridades officiaes, de pequenas praticas devotas, ignora completamente e absolutamente tudo que póde constituir a verdadeira missão da mulher no mundo e na familia.


Se alguem tivesse a ousadia de dizer-lhe:


—Julgas-te superior e moralmente fallando a mulher do povo que ganha com o suor do rosto ao lado do homem, o pão que os filhos hão de comer á noite, tem sobre ti superioridade moral incontestavel.


Julgas-te instruida e não tens no teu pequeno cerebro recheiado de insignificancias bonitinhas, a noção mais elementar dos milhões de cousas que precisas de saber para estares em harmonia com o teu tempo, para educares dignamente aquelles em cujas mãos estão os destinos de ámanhã.


Julgas-te virtuosa e não pratícas nem concebes sequer nenhuma d'aquellas virtudes sãs que são a dignidade, o imperio e a força da mulher.


Julgas-te religiosa e cada uma das tuas praticas acanhadas, cada um dos teus preconceitos mesquinhos te aparta da verdadeira religião que allumia e esclarece os fortes.


Julgas-te boa esposa e boa mãe e vives sósinha n'um mundo teu, povoado de phantasias morbidas, onde teu marido e teus filhos não penetram; não tentas acompanhal-os, consolal-os, comprehendel-os; nunca te veio á idéa que a mãe de familia precisa de viver no coração dos seus, identificada completamente com elles, para ser digna d'este sagrado nome!


Se alguem lhe dissesse isto ella julgaria ouvir fallar uma lingua estranha, ou rir-se-ia com desdenhosa incredulidade.


Pois é necessario que ella entenda esta lição, que ella ouça estas palavras, e que pelo seu esforço permanente e consciencioso, ella tente sahir das trevas intellectuaes e moraes em que a sua funesta e falsa educação a teem submergido.

Mulheres e creanças: notas sobre educação

Подняться наверх