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A CAMÕES

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Ai do que a sorte assignalou no berço

Inspirado cantor, rei da harmonia!

Ai do que Deus ás gerações envia

Dizendo: vae, padece, é teu fadario,

Como um astro brilhante o mundo o admira,

Mas não vê que essa chamma abrazadora

Que o cerca d'esplendor, tambem devora

Seu peito solitario.

Pairar nos céos em alteroso adejo,

Buscando amor, e vida, e luz, e glorias,

E vêr passar quaes sombras illusorias

Essas imagens de fulgor divino:

Taes são vossos destinos, ó poetas,

Almas de fogo que um vil mundo encerra;

Tal foi, grande Camões, tal foi na terra

Teu misero destino.

A cruz levaste desde o berço á campa:

Esgotaste a amargura até ás fezes:

Parece que a fortuna em seus revezes

Te mediu pelo genio a desventura.

Combateste com ella como o cedro

Que provoca o rancor da tempestade,

Mas cuja inabalavel magestade

Lhe resiste segura.

Foste grande na dôr como na lyra!

Quem soube mais soffrer, quem soffreu tanto?

Um anjo viste de celeste encanto,

E aos pés cahiste da visão querida...

Engano! foi um astro passageiro,

Foi uma flôr de perfumado alento

Que ao longe te sorriu, mas que sedento

Jámais colheste em vida.

Sob a couraça que cingiste ao peito

Do peito ancioso suffocaste a chamma,

E foste ao longe procurar a fama,

Talvez, quem sabe? procurar a morte.

Mas, qual onda que o naufrago arremessa

Sobre inhospita praia sem guarida,

A morte crua te arrojou á vida,

E ás injurias da sorte.

De praia em praia divagando incerto

Tuas desditas ensinaste ao mundo:

A terra, os homens, té o mar profundo

Conspirados achavas em teu damno.

Ave canora em solidão gemendo,

Tiveste o genio por algoz ferino:

Teu alento immortal era divino,

Perdeste em ser humano:

Indicos valles, solidões do Ganges,

E tu, ó gruta de Macau, sombria,

Vós lhe ouvistes as queixas, e a harmonia

D'esses hymnos que o tempo não consome.

Foi lá, n'essa rocha solitaria,

Que o vate desterrado e perseguido,

Á patria ingrata, que lhe dera o olvido,

Deu eterno renome.

«Cantemos!» disse, e triumphou da sorte.

«Cantemos!» disse, e recordando glorias,

Sobre o mesmo theatro das victorias,

Bardo guerreiro, levantou seus hymnos.

Os desastres da patria, a sua quéda

Temendo já no meditar profundo,

Quiz dar-lhe a voz do cysne moribundo

Em seus cantos divinos.

E que sentidos cantos! d'Ignez triste

Se ouve mais triste o derradeiro alento,

Ensinando o que póde o sentimento

Quando um seio que amou d'amores canta;

No brado heroico da guerreira tuba

O valor portuguez sôa tremendo,

E o fero Adamastor com gesto horrendo

Inda hoje o mundo espanta!

Mas ai! a patria não lhe ouvia o canto!

Da patria e do cantor findava a sorte:

Aos dous juraram perdição e morte,

E os dous juntaram na mansão funerea...

Ingratos! ao que alçando a voz do genio

Além dos astros nos erguera um solio,

Decretaram por louro e capitolio

O leito da miseria!

Ninguem o pranto lhe enxugou piedoso...

Valeu-lhe o seu escravo, o seu amigo:

«Dae esmola a Camões, dae-lhe um abrigo!»

Dizia o triste a mendigar confuso!

Homero, Ovidio, Tasso, estranhos cysnes,

Vós que sorvestes do infortunio a taça,

Vinde depôr as c'rôas da desgraça

Aos pés do cysne luso!

Mas não tardava o derradeiro instante...

O raio ardente que fulmina a rocha,

Tambem a flôr que n'ella desabrocha,

Cresta, passando, co'as ethereas lavas:

Que scena! em quanto ao longe a patria exangue

Aos alfanges mouriscos dava o peito,

De misero hospital n'um pobre leito,

Camões, tu expiravas!

Oh! quem me dera d'esse leito á beira

Sondar teu grande espirito n'essa hora,

Por saber, quando a mágoa nos devora,

Que dôr póde conter um peito humano;

Palpar teu seio, e n'esse estreito espaço

Sentir a immensidade do tormento,

Combatendo-te n'alma, como o vento

Nas ondas do oceano!

O amor da patria, a ingratidão dos homens,

Natercia, a gloria, as illusões passadas,

Entre as sombras da morte debuxadas,

Em teu pallido rosto já pendido;

E a patria, oh! e a patria que exaltáras

N'essas canções d'inspiração profunda,

Exhalando comtigo moribunda

Seu ultimo gemido!

Expirou! como o nauta destemido,

Vendo a procella que o navio alaga,

E ouvindo em roda no bramir da vaga

D'horrenda morte o funeral presagio,

Aos entes corre que adorou na vida,

Em seguro baixel os põe a nado,

E esquecido de si morre abraçado

Aos restos do naufragio:

Assim, da patria que baixava á tumba,

Em cantos immortaes salvando a gloria,

E entregando-a dos tempos á memoria,

Como em gigante pedestal segura:

«Patria querida, morreremos juntos!»

Murmurou em accento funerario,

E envolvido da patria no sudario

Baixou á sepultura.

Quebrando a louza do feral jazigo,

Portugal resurgiu, vingando a affronta,

E inda hoje ao mundo sua gloria aponta

Dos cantos de Camões no eterno brado;

Mas do vate immortal as frias cinzas

Esquecidas deixou na sepultura,

E o estrangeiro que passa em vão procura

Seu tumulo ignorado.

Nenhuma pedra ou inscripção ligeira

Recorda o gran cantor... porém calemos!

Silencio! do immortal não profanemos

Com tributos mortaes a alta memoria.

Camões, grande Camões, foste poeta!

Eu sei que tua sombra nos perdôa:

Que valem mausoléus ante a corôa

De tua eterna gloria?

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