Читать книгу Forças Opostas - Aldivan Teixeira Torres, Daniele Giuffre' - Страница 13
A Jovem
ОглавлениеA montanha já se encontrava às escuras quando a sopa ficou pronta. O vento frio da noite e o cricri dos insetos tornava o ambiente mais rural. A estranha senhora ainda não se encontrava na cabana. Esperava deixar tudo em ordem até que ela chegasse. Experimentei a sopa: ela realmente havia ficado boa, apesar de que eu não tivesse todos os temperos necessários. Saí um pouco da cabana e contemplei o céu: as estrelas eram testemunhas dos meus esforços. Subi a montanha, encontrei sua guardiã e cumpri dois desafios (um mais difícil do que o outro), encontrei um fantasma e ainda estou de pé. “Os pobres esforçam-se mais por seus sonhos. ” Olho a disposição das estrelas e sua luminosidade. Cada qual tem sua importância no grande universo em que vivemos. As pessoas também são assim, importantes. Sejam brancas, negras, ricas, pobres, da religião A, da religião B, ou de qualquer crença. Todas são filhas do mesmo pai. Eu também quero ter o meu lugar no universo. Sou um ser pensante e sem limites. Creio que um sonho não tem preço e estou disposto a pagá-lo ao entrar na gruta do desespero. Contemplo mais uma vez o céu e volto à cabana. Qual não foi a minha surpresa ao já encontrar a guardiã.
– Você já está aqui? Eu nem me dei conta.
– Você estava tão concentrado em contemplar o céu que não quis quebrar o encanto do momento. Além disso, considero-me de casa.
– Muito bem. Sente-se nesse banco improvisado que fiz. Vou servir a sopa já.
Com a sopa ainda quente, servi a estranha senhora na cuia que eu mesmo encontrei na mata. O vento gelado da noite me acariciou o rosto e sussurrou algumas palavras no meu ouvido. Quem seria aquela estranha senhora que eu estava servindo? Será que ela queria mesmo me destruir como insinuou o fantasma? Eu tinha muitas dúvidas sobre ela e essa era uma ótima oportunidade para saná-las.
– A sopa está boa? Eu prepararei com muito esmero.
– Está ótima! O que você usou para prepará-la?
– É sopa de pedra. Brincadeirinha! Comprei um pássaro de um caçador e usei alguns temperos naturais da mata. Mas, mudando de assunto, quem é você realmente?
– É da boa hospitalidade que o anfitrião fale primeiro sobre si mesmo. Já faz quatro dias que você chegou aqui ao topo da montanha e não sei qual é o seu nome.
– Tudo bem. Mas é uma longa história. Prepare-se. Meu nome é Aldivan Teixeira Tôrres e curso o sétimo período da faculdade de Matemática. Minhas duas grandes paixões são a literatura e a matemática. Eu sempre fui um amante dos livros e desde pequeno ambiciono escrever o meu. Quando eu estava no primeiro ano do ensino médio, eu reuni alguns trechos dos livros de Eclesiastes, Sabedoria e Provérbios. Fiquei muito feliz apesar dos textos não serem da minha autoria. Eu mostrei a todo mundo, com muito orgulho. Terminei o ensino médio, fiz um curso de informática e parei meus estudos por um tempo. Depois, ingressei num curso técnico de Eletrotécnica pertencente na época ao Centro Federal de Educação Tecnológica. No entanto, percebi que não era minha área por um sinal do destino. Eu estava preparado para estagiar nessa área. Porém, no dia anterior ao teste que eu ia fazer, uma força estranha me pedia continuamente para eu desistir. Quanto mais passava o tempo, maior era a pressão exercida por essa força. Até que eu resolvi não fazer o teste. A pressão acalmou, e o meu coração também. Creio que tenha sido um sinal do destino para eu não ir. Temos que respeitar nossos próprios limites. Fiz alguns concursos, fui aprovado e atualmente exerço a função de assistente administrativo educacional. Há três anos tive outro sinal do destino. Eu tive alguns problemas e acabei entrando em crise nervosa. Comecei então a escrever e em pouco tempo isso me ajudou a melhorar. O resultado de tudo foi o livro: Visão de um médium, que não publiquei. Tudo isso me mostrou que eu era capaz de escrever e ter uma profissão digna. Penso que seja isso: quero trabalhar no que gosto e ser feliz. Será que é pedir demais para um pobre?
– Claro que não, Aldivan. Você tem talento e isso é o que é mais raro no mundo. No tempo certo você vencerá. As pessoas vitoriosas são aquelas que acreditam em seus sonhos.
– Eu acredito, sim. Por isso estou aqui nesse fim de mundo, aonde as comodidades da civilização ainda não chegaram. Dispus-me a subir a montanha, a vencer os desafios. Resta-me agora entrar na gruta e realizar os meus sonhos.
– Eu estou aqui para ajudá-lo. Sou a guardiã da montanha desde que ela se tornou sagrada. Minha missão é ajudar todos os sonhadores que buscam a gruta do desespero. Alguns a procuram para realizar sonhos materiais, como dinheiro, poder e ostentação social, ou sonhos egoístas. Todos fracassaram até aqui, e não foram poucos. A gruta é justa com os desejos.
A conversa continuou animada durante algum tempo. Fui perdendo, pouco a pouco, o interesse por ela, pois uma estranha voz me chamava a sair da cabana. Cada vez que essa voz me chamava, eu me sentia compelido a ir por curiosidade. Eu tinha que ir. Queria saber o que significava aquela estranha voz no meu pensamento. Com delicadeza, despedi-me da senhora e pus-me a andar na direção indicada pela voz. O que me espera? Continuemos juntos, leitor.
A noite era fria, e a insistente voz permanecia na minha mente. Era um tipo de ligação estranha entre mime ela. Já tinha andado poucos metros fora da cabana, mas pareciam ser quilômetros pelo cansaço que meu corpo respirava. As instruções que eu recebia mentalmente me guiavam na escuridão. Um misto de cansaço, medo do desconhecido e curiosidade imperavam em meu ser. Quem seria a dona daquela estranha voz? O que queria comigo? A montanha e seus segredos. Desde que a conheci, aprendi a respeitá-la. A guardiã e seus mistérios, os desafios que tive de enfrentar, o encontro com o fantasma, tudo a tornavam especial. Ela não era a mais alta do Nordeste, nem a mais imponente, mas era sagrada. O mito do pajé e os meus sonhos me levaram até ela. Quero vencer todos os desafios, entrar na gruta e fazer o meu pedido. Eu serei um homem transformado. Não serei apenas eu, mas serei o homem que venceu a gruta e seu fogo. Lembro-me bem das palavras da guardiã, para não confiar muito. Lembro-me melhor ainda das palavras de Jesus que disse: “Aquele que acreditar em mim terá vida eterna”.
O meu risco de vida não me fará desistir dos meus sonhos. É com esse pensamento que eu permaneço com fé. A voz se tornava cada vez mais forte. Acho que estou chegando ao meu destino. Logo à frente, visualizo uma cabana. A voz me diz para eu ir lá. A cabana e a respectiva fogueira que a ilumina estão num lugar espaçoso e plano. Uma jovem alta, magra e de cabelos negros, assa um tipo de petisco em seu fogo.
– Então você chegou. Eu sabia que você atenderia o meu chamado.
– Quem é você? O que quer de mim?
– Eu sou outra sonhadora que pretende entrar na gruta.
– Que poder especial você tem para me chamar pela mente?
– É telepatia, bobo. Não conhece?
– Eu ouvi falar. Poderia me ensinar?
– Você vai aprender um dia, mas não comigo. Diga-me que sonho traz você aqui?
– Antes de tudo, meu nome é Aldivan. Eu subi a montanha em busca de encontrar minhas forças opostas. Elas definirão o meu destino. Quando alguém é capaz de controlar suas forças opostas pode realizar milagres. É disso que eu preciso para realizar o meu sonho, que é trabalhar no que gosto e, assim, fazer muitos corações sonharem. Quero entrar na gruta não apenas por mim, mas por todo o universo que me proporcionou os dons. Terei o meu lugar no mundo e assim serei feliz.
– Meu nome é Nadja. Sou habitante do litoral pernambucano. Na minha terra ouvi falar dessa miraculosa montanha e de sua gruta. Imediatamente interessei-me em fazer uma viagem até aqui, mesmo pensando que tudo não passava de uma lenda. Reuni as minhas tralhas, parti, cheguei a Mimoso e subi a montanha. Eu tirei mesmo a sorte grande. Agora que estou aqui, entrarei na gruta e realizarei o meu desejo. Serei uma grande deusa, ornada de poder e riquezas. Todos me servirão. O seu sonho é apenas uma bobagem. Para que pedir pouco se podemos ter o mundo?
– Você está enganada. A gruta não realiza desejos mesquinhos. Você vai fracassar. A guardiã não permitirá que você entre nela. Para entrar na gruta, é necessário vencer três desafios. Eu já conquistei duas etapas. Quantas você já venceu?
– Que mané de desafio e de guardiã. A gruta só respeita o mais forte e o mais convicto. Eu realizarei os meus desejos amanhã e ninguém vai me impedir, ouviu?
– Você é quem sabe. Quando quiser se arrepender será tarde demais. Bom, acho que vou indo. Preciso descansar um pouco, pois já é tarde. Quanto a você, não posso desejar boa sorte na gruta, pois quer ser maior do que Deus. Quando o ser humano chega a esse ponto, ele destrói a si mesmo.
– Tudo bobagem e palavras. Nada me fará voltar atrás em minha decisão.
Vendo que ela estava irredutível afastei-me dela com pena. Como as pessoas tornam-se pequenas, às vezes. O ser humano só é digno quando luta por ideais justos e igualitários. Percorrendo a trilha, lembrei-me das vezes que fui injustiçado, por uma prova mal corrigida, ou mesmo pelo descaso dos outros. Isso me deixa inconformado. Além de tudo, a minha família é avessa ao meu sonho e não acredita em mim. Como é doloroso! Um dia eles vão me dar razão e ver que os sonhos podem ser possíveis. Nesse dia, depois que tudo passar, eu cantarei a minha vitória e glorificarei o criador. Ele me deu tudo e só exigiu que eu resplandecesse meus dons, pois, como diz a Bíblia, não se acende uma luz para colocá-la debaixo da mesa, e sim em cima para que todos aplaudam e sejam iluminados. A trilha se desfaz, logo vejo a cabana que tanto suor me custou. Preciso dormir, pois amanhã será outro dia e tenho planos para mim e o mundo. Boa noite, leitores. Até o próximo capítulo.