Читать книгу Eurico, o presbytero - Alexandre Herculano - Страница 11
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ОглавлениеEra por uma destas noites vagarosas do inverno em que o brilho do céu sem lua é vivo e tremulo; em que o gemer das selvas é profundo e longo; em que a soledade das praias e ribas fragosas do oceano é absoluta e tetrica.
Era a hora em que o homem está recolhido nas suas mesquinhas moradas; em que pelos cemiterios o orvalho se pendura do topo das cruzes e, sósinho, goteja das bordas das campas; em que só elle chora os mortos. As larvas da imaginação e o gear nocturno affastam do campo sancto a saudade da viuva e do orpham, a desesperação da amante, o coração despedaçado do amigo. Para se consolarem, os infelizes dormiam tranquillos em seus leitos macios!... em quanto os vérmes íam roendo esses cadaveres amarrados pelos grilhões da morte. Hypocritas dos affectos humanos, o somno enxugou-lhes as lagrymas!
E depois, as lousas eram já tão frias! Nos seios de um torrão humido o sudario do cadaver tinha apodrecido com elle.
Haverá paz no tumulo? Deus sabe o destino de cada homem. Para o que ahi repousa sei eu que ha na terra o esquecimento!
Os mares pareciam naquella hora recordar-se ainda do rugido harmonioso do estio, e a vaga arqueiava-se, rolava e, espreguiçando-se pela praia, reflectia a espaços nas golfadas de escuma a luz indecisa dos céus.
E o animal que ri e chora, o rei da creação, a imagem da divindade, onde é que se escondera?
Tremia de frio em aposento cerrado, e sentia confrangido a brisa fresca do norte que passava nas trevas e sibilava contente nas sarças rasteiras dos maninhos desertos.
Sem dúvida, o homem é forte e a mais excellente obra da creação. Gloria ao rei da natureza que tiritando geme!
Orgulho humano, qual és tu mais?—feroz, estupido ou ridiculo?