Читать книгу Eurico, o presbytero - Alexandre Herculano - Страница 14
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ОглавлениеO mundo actual nunca poderá entender plenamente o affecto que, vibrando-me dolorosamente as fibras do coração, me arrastava para as solidões marinhas do promontorio, quando os outros homens nos povoados se apinhavam á roda do lar acceso e falavam das suas mágoas infantis e dos seus contentamentos de um instante.
E que m'importa a mim isso? Virão um dia a esta nobre terra d'Hespanha gerações que comprehendam as palavras do Presbytero.
Arrastava-me para o ermo um sentimento intimo, o sentimento de haver acordado, vivo ainda, deste sonho febril chamado vida e de que hoje ninguem acorda, senão depois de morrer.
Sabeis o que é esse despertar de poeta?
É o ter entrado na existencia com um coração que trasborda d'amor sincero e puro por tudo quanto o rodeia, e ajunctarem-se os homens e lançarem-lhe dentro do seu vaso d'innocencia lodo, fel e peçonha e, depois, rirem-se d'elle:
É o ter dado ás palavras—virtude, amor patrio e gloria—uma significação profunda e, depois de haver buscado por annos a realidade dellas neste mundo, só encontrar ahi hypocrisia, egoismo e infamia:
É o perceber á custa de amarguras que o existir é padecer, o pensar descrer, o experimentar desenganar-se e a esperança nas cousas da terra uma cruel mentira de nossos desejos, um fumo tenue que ondeia em horisonte áquem do qual está assentada a sepultura.
Este é o acordar do poeta. Depois disso, nos abysmos da sua alma só ha para mandar aos labios um sorriso de desprezo em resposta ás palavras mentidas dos que o cercam ou uma voz de maldicção desabridamente sincera para julgar as acções dos homens.
É então que para elle ha unicamente uma vida real—a intima; unicamente uma linguagem intelligivel—a do bramido do mar e do rugido dos ventos; unicamente uma convivencia não travada de perfidia—a da solidão.