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V
PINTORES PORTUENSES
ОглавлениеARTHUR LOUREIRO
Arthur Loureiro, esse grande artista que durante
Arthur Loureiro no seu atelier
tantos annos viveu longe de nós, n'esse bello paiz, a Australia, e que uma vez cá, filho do Porto, amando o seu ninho com um amor especial de artista, apoz a sua primeira exposição onde nos mostrou que era um delicado pintor de figura, com os seus retratos, e os seus typos admiravelmente executados, vae para bem perto do Porto, para Villa do Conde e cheio de vontade e repleto de savoir faire, lança á tela lindos quadros que são como filigranas da arte pintural.
Antes porém de atacar o assumpto que nos obriga a tomar da penna e rabiscar estas linhas permittam-se-nos algumas phrases ligeiras de introito.
Ao entrarmos no atelier de Arthur Loureiro, decorado com uma distincta simplicidade, tem-se a suave impressão que o artista que ali trabalha é um bom e um delicado. Confortavel e amigo, aquelle atelier sem pretenção a luxo, todo elle resuma elegancia e bom gosto. Sem estofos custosos, meros cobrejões de farrapos, em tons escuros, biombos simples de couro lizo, moveis de linhas correctas desenhados por o proprio artista e executados sob a sua direcção, é d'um effeito soberbo! O indifferente, que ao acaso ali vá, tem com certeza a impressão de que entrou na casa d'um amigo.
Barra, Foz-Douro—arthur loureiro
D'entre os moveis, que guarnecem o atelier, destaca-se um largo divan-estante com as costas pintadas a sepia, que nos dá a impressão de uma pirogravura.
Mas não vamos occupar-nos do atelier, vamos unica e exclusivamente fazer uma resenha despretenciosa e sincera dos quadros expostos e do effeito que nos deu a visita á exposição aberta agora ao publico.
Arthur Loureiro não é somente um pintor. É mais do que isso, é um esculptor consummado. O caixilho para espelho, o do quadro Convalescente, e um outro onde se ostenta o seu retrato aguarellado por Columbano, são bellos.
Mas, o que me encanta, o que me fascina, é o frontal para uma arca, onde se guardará o enxoval d'um filho querido. Este frontal, desenhado e executado por Arthur Loureiro, é como que uma symphonia d'amor, sob o thema sublime do martyrio da maternidade.
Frontal d'uma arca (esculptura)—arthur loureiro
Sem minudencias de descripção, sempre diremos que a bordadura que cerca a figura da mãe tendo no regaço o filhito querido, é feita com flores de martyrios em todas as suas evoluções, desde o pequenino botão até á flor completamente aberta e em todo o seu frescor. Flores, folhagem e figuras soberbamente executadas.
E agora, posto isto, entremos pela pintura dentro.
Não somos do métier, nem aspiramos a critico de arte; mero amador, vendo talvez um pouco bem, sentindo a dentro da alma qualquer coisa de meigo, por uma paisagem triste, e qualquer coisa de vibrante em frente d'um retalho da natureza, que o sol banha luxuriantemente.
Amando os quadros pela poesia que infundem, subjugado pela impressão, que nos deixa qualquer cousa que nos agrada.
Eis o modo como vemos as obras d'arte, quer ellas sejam d'um novo, quer ellas sejam d'um mestre. E por isso a despreoccupação do meu modo de escrever. Pondo em evidencia ás vezes quadros d'um valor mediocre e deixando no escuro verdadeiras obras de arte. Que nos perdoem os artistas essas faltas e vamos á exposição de Arthur Loureiro que foi o que aqui nos trouxe.
Fallarei d'esses quadros pintados em Villa do Conde, antes porém deve ter especial menção o largo quadro da nossa barra, pintado n'um pôr de sol irisado, cheio de poesia, com tons d'ouro que se reflectem na agua superiormente. É um quadro este, de si bastante notavel para definir o artista.
E agora, que puz em evidencia o quadro que
O Passado—arthur loureiro
para mim se affigura mais notavel, vou dizer da minha impressão dos outros quadros expostos.
Um grande ramo de lilaz, que parece espalhar no ambiente o seu perfume doce e meigo, está feito com tanta frescura e tal graça, que nos tenta a cortar um pequenino ramo para a nossa botoeira.
As bellas rosas escuras, d'um avelludado meigo e fino, como que tentam na sua confecção a uma offerta gentil para a nossa namorada.
São pedaços vivos de natureza, lançados á tela, com proficiencia e carinho.
Um cãosito mops com o seu focinho birrento e negro e o seu pello amarellado dá-nos, a mim pelo menos (que eu sou doido por cães), vontade de o ameigar, de o chamar carinhosamente e roubal-o ao artista. Collocado á entrada, talvez por acaso, é como que um fiel guarda d'aquelle encanto de atelier. Este quadro está feito com cuidado, o que me dá a entender, que o artista segue a theoria d'um escriptor celebre que dizia:
—Quanto mais conheço os homens, mais amigo sou dos cães.
Andam os nossos pintores delineando paisagens, por esse paiz em fóra e nenhum, que me lembre, tinha ido pintar para Villa do Conde. Talvez porque julgassem não haver alli nada que pintar e Arthur Loureiro, que ha vinte annos estava fóra do seu paiz, chegou e para socegar dos seus trabalhos escolares foi para essa linda praia descançar e que descanço o seu, voltou trazendo na sua bagagem deliciosas telas, formosissimas. Querer citar as melhores seria cital-as todas, eu porém notarei como primordial—A Senhora da Guia—depois, as Azenhas e d'estas não sei se o que resplende de sol, se o outro, feito por uma manhã triste de chuva.
Não voltará mais—Arthur Loureiro
A Igreja matriz, tambem o noto pelo bello do effeito. Como uma mancha retumbante, n'aquella suavidade de côr, os reposteiros da igreja fazem resaltar o quadro (ora aqui está onde eu decerto dou raia, em ter recebido uma bella impressão pelo vermelho que destaca do quadro, mas sou assim e não ha nada que me atrapalhe).
A Paisagem geral de Villa do Conde, com o seu convento e a sua cazaria branca é formosa.
O Passado, quadro cheio de poesia e de candura. Como um poema, de amor, de dôr e de miseria aquella velha sentada á porta da igreja, onde talvez ella se baptisara, casára e seria enterrado o seu companheiro de muitos annos, talvez um pescador, que ella hoje chora, pedindo esmola, na sua miseravel e angustiosa viuvez.
Mas vamos fechar este artigo que vae já longo de mais. Antes porém notaremos dous quadros, um que se intitula—Não voltará mais, e que é outro poema de dôr. Junto d'uma bella arvore em flor, um redondendro, uma viuva e uma creança olham o mar.
Esse mar gigantesco e barbaro que foi, decerto, quem subjugou para sempre o ente querido d'essas duas figuras insinuantemente bellas nas suas silhouetes.
O Convalescente é um retrato primoroso do nosso amigo dr. Francisco Loureiro, irmão do distincto artista.
É um trabalho feito com muito amor e muito saber. Flagrante de verdade e correctissimo de desenho. É um bello retrato.
Que me perdoe o artista esta prosa desenchabida e vulgar, mas, mais não póde dar a minha pena. No entanto ha-de ver o publico que eu não quiz fazer o réclame do pintor nem a apologia do homem, fiz unica e exclusivamente a resenha rapida e sincera do trabalho correcto d'um poeta lyrico da pintura que entre nós vem, se não, fazer uma revolução na arte, dar no entanto a nota brilhante, do que deve ser o paisagista portuguez; pintar a nossa paisagem, sem tons exoticos de côr trazidos dos paizes estrangeiros. Porque Portugal com o seu ceu e os seus verdes não póde ser pintado com as cores das paisagens bretãs.
E mais nada.
Outubro 1902.
Na Eira—lucilia aranha