Читать книгу Notas d'arte - António de Lemos - Страница 9
III
PINTORES PORTUENSES
ОглавлениеANTONIO CARNEIRO JUNIOR
Conhecendo Carneiro Junior ha muito, por ter tido já occasião de apreciar os seus trabalhos em outras exposições, corri, apressadamente, incumbido por a redacção da Vida Moderna, a vêr a nova exposição dos seus ultimos
Antonio Carneiro Junior
trabalhos, com o grande interesse de conhecer o progresso e o desenvolvimento artistico d'este bello cultor da arte da pintura.
E, francamente o confesso, as minhas espectativas confirmaram-se. Carneiro Junior, que era um dos novos que mais promettia, obteve, com o seu estudo no estrangeiro, a verdadeira comprehensão da arte de pintar, affirmando-o desde já com os magnificos trabalhos expostos no atrio da Misericordia.
Pintando em todos os generos, como elle mais se avigora, e mais demonstra o seu talento é, a meu vêr, como pintor de figuras.
A paisagem e a marinha não são o genero que mais o tentam, o que não quer dizer que não tenha paisagens adoraveis e marinhas deliciosas.
É preciso porém notar-se que, quem escreve estas linhas, é um mero amador que vem simples e unicamente dar a resenha dos quadros expostos e a sua impressão pessoal, dizendo simplesmente gosto ou não gosto, sem me prender nunca em considerações sabias sobre o modo de pintar de cada um. Não citarei escolas hollandezas, flamengas, etc., etc. com ares sabios de critico emerito.
E não o farei, porque entendo que para se escreverem artigos substanciosos e chorudos sobre tal assumpto é necessario, antes de mais nada, ter visto alguma coisa d'essas escolas e d'essa pintura, acompanhado isso da leitura de livros da especialidade.
E, vulgarmente, não succede assim. Muitos dos nossos criticos conhecem esses quadros e essas escolas porque algum amigo, vindo lá de fóra, lhes trouxe, como recordação, catalogos dos muzeus que viu por lá, e é por ahi que elles fazem, a maior parte das vezes, critica. Ora eu, como nunca vi muzeus,
Retrato—antonio carneiro
nem tenho lido livros sobre pintura, não faço critica, faço a minha reportagem, deixem-me assim dizer. E posto isto, lá vae a impressão pessoal que me ficou d'alguns dos trabalhos de Carneiro Junior. E elle que me perdôe se não gostar.
Em primeiro logar, se bem que não sejam estes os principaes trabalhos, ponho eu os desenhos a sanguinea—-que figuram no catalogo com os n.os 27 e 28, Figuras para a fonte do Bem; 10, Estudo para o quadro do Amor; 6, Estudo para a figura Esperança; 25, Estudo de creança para a fonte do Bem.
Os retratos do Marcos Guedes, n.º 43; do dr. Alfredo de Magalhães, 34; do Antonio Patricio (filho), 32; de J. Teixeira Lopes, 36; do Claudio, 40; e os dous retratos de R. C., 37 e 38, são magnificos.
Em todos elles ha um tom de vida e muito de alma, especialmente nos dois ultimos, em que o artista põe todo o seu sentimento de amor.
O quadro Tarde no mar, n.º 56, é delicioso; como que se sente, ao olhal-o, aquella cadencia ou melopeia que o grande mar sabe cantar quando suavemente beija a areia fina da praia.
Campo de trigo, n.º 77; em Auvay, impressão de frente, 89; impressão, (Bretanha), 71; em Leça, impressão, 68; o Tamega, (Amarante), 67; o Sena em Auteil, 62; Pinheiros ao cahir da tarde, 57; ...são, para mim, sentidissimas paisagens onde a nossa vista se perde e o nosso espirito se embrenha como em paginas brilhantes da Viagem da minha terra, de Garrett.
Ha alli tambem um quadro, Leitura, de que muito gostei. N'um interior de casa escura, á luz de um candieiro, tres mulheres, uma das quaes lê. É admiravel não só de execução, como de composição.
O esboço do quadro Fonte do Bem é apreciavel e bem desejariamos vêr o quadro definitivo.
E, antes de terminar, deixe-me Carneiro Junior dizer-lhe que o seu triptyco, é, para o meu fraco entender, um d'estes geniaes poemas que só os grandes artistas sabem conceber. Emquanto á sua execução acho-a primorosa. A Esperança, deliciosa virgem estudada e delineada com toda a pujança d'um bello espirito;—O Amor—assombroso de execução; ha n'aquelle cavalleiro todo em aço vestido, a virilidade d'um cavalleiro andante; A Chimera, fundamente abstracta, na sua côr doentia e na sua expressão de verdadeira Fatalidade olha o quer que seja de horrivel, guiando o fogosissimo cavallo em que monta o cavalleiro;—Saudade—na base d'uma sphinge sonha uma mulher, toda de negro vestida. Quanta doçura n'aquella expressão de tristeza! Como o pintor soube dar áquella delicada mulher a nota melancolica do que é na realidade a saudade! Este quadro seria bastante, para definir o grande talento do artista e o seu temperamento subtil de poeta.
Que o artista me perdoe se não disse tanto quanto merecia a sua obra e acceite o parabem sincero de quem só diz o que sente.
Março 1901.