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NO LIMIAR
Оглавление(1904) Caricatura do dr. M. Monterroso
O philosopho Taine, dizia, ha bons vinte annos, no seu Curso Esthetico para:—A Arte é o reflexo dos costumes. E, de facto, assim é. A Arte vae evolucionando sempre na ordem directa do aperfeiçoamento e da illustração dos povos.
Assim, quanto mais illustrado fôr o publico, tanto mais perspicaz, mais estudioso e mais observador deve ser o artista, para que tenha o applauso geral e sincero a obra que executou e apresenta. E, é mesmo por isso que entre nós, os artistas, pintores e esculptores, dia a dia fazem, na incessante lucta pela vida, os esforços mais lidimos e mais honrados para resolverem esse enorme e sublime desideratum:—ser grande!
Infelizmente nem todos o podem conseguir. E, não o conseguem, porque para isso não são precisas só a boa vontade e a persistencia no estudo. Alguma coisa mais lhes é necessaria, e essa, primacial:—ter talento!
Felizes os que teem esse delicioso e bello predicado; porque esses, vão gloriosamente para diante e são verdadeiramente grandes.
Ha alguns annos, poucos ainda, a pintura entre nós era uma especie de Arte mystica, que apenas raros tentavam, n'um arroubamento de eleitos.
Esses mesmos, faziam a pintura a seu modo, dentro de restrictas e acanhadas normas, sem pensarem sequer que o fluido ether que nos cerca e enche triumphantemente toda a natureza, em pulverisações vibrantissimas de luz e de côr, precisa de ser estudado e quiçá pintado.
Mas, se elles limitavam os ambitos do seu modo de executar, era que o publico tambem não exigia mais, e a critica não se preoccupava absolutamente nada com isso.
Tanto elle como ella eram feitos por individuos, que ao visitar os museus e as exposições de pintura não tinham a intuição nitida e verdadeira da Natureza em todo o seu explendor, como manifestação psycologica da vista.
Habitualmente todos elles amavam a Natureza pelo simples consolo que lhes dava, quando ao domingo, deixada a cidade, iam para o campo, não para fruir o delicado encanto de admirar um bello panorama, mas... para gosar o pantagruelico prazer de devorar um gordo carneiro assado, com o seu alguidar de loiro e assafroado arroz de forno, ou a saborosa pescada frita, com negras azeitonas e fresca e appetitosa salada de alface, acepipes estes que copiosamente regavam com tinto de Basto ou espumoso verde de Amarante.
E, se um ou outro tinha uma tal ou qual intuição artistica, porque, lá fóra, nos grandes museus do estrangeiro, tinha visto qualquer cousa que lhe fizera notar tal, esse, ficava-se n'uma banal indifferença, sem se manifestar aggressivamente contra os systemas adoptados pelos pintores do seu tempo, que apresentavam nos seus quadros composições de convenção e feitas no ar morno dos atelieres, sem a inspecção constante e immediata dos motivos a pintar...
Uma Era nova e refulgente, desponta por fim, e os artistas que começavam pondo de parte os velhos preceitos archaicamente usados, saltam por sobre as barreiras das convenções e correm pelos Campos da Arte, fóra, em procura de elementos verdadeiramente verdadeiros, com que possam satisfazer as exigencias do publico mais illustrado e da critica mais independente que auctoritariamente se impõe, cheia de razão, para que nos seus trabalhos haja mais naturalidade e menos ficção.
E, é sob este refulgir de um novo sol, que orientado lá fóra, com as mais modernas noções d'Arte, estudando nas melhores e nas mais celebres escolas de pintura do Mundo, que nos apparece, entre outros, como Columbano, Malhoa, Salgado. Sousa Pinto, Marques de Oliveira, etc., etc., o grande, o sublime Silva Porto! Aquelle que para mim é o maior dos paysagistas portuguezes dos ultimos tempos. E que, com o seu modo de ser e de ver, marca d'uma maneira deslumbrante o inicio d'essa nova Era para a pintura portugueza.
Assombra-nos esse artista com os seus primorosos quadros feitos n'uma larguissima e franca sentimentalidade d'alma de homem de talento, exuberantes de verdade, geniaes de execução. Era um grande! Era um sublime artista!...
Mas, a Morte rapidamente o ceifa, avara de que elle tenha conseguido tão sincera, tão verdadeira e tão lealmente roubar á Natureza verdadeiros e flagrantes pedaços do seu grandioso Ser, para tão maravilhosamente os transplantar á tela.
Ao morrer porém Silva Porto tinha hasteado, bem alto e bem firmemente, a bandeira gloriosa sob que se devia agrupar a nova pleiade dos pintores portuguezes.
E, de facto, é sob a egide d'essa bandeira que a Arte em Portugal brilha hoje mais fulgurante, podendo pôr-se sem vergonha ao lado da Arte dos paizes onde Ella tem um culto mais largo e mais acerrimo.
Se não em quantidade, pelo menos em qualidade, os artistas portuguezes de nome, chegam onde podem chegar os artistas notaveis estrangeiros, sem temerem confrontos.
E isto porque Portugal d'hoje, embora os pessimistas não queiram, vae avançando intellectualmente um pouco na civilisação moderna.
E em taes circunstancias, como dizia Taine, ha bons vinte annos:—A Arte é o reflexo dos costumes.
Antonio de Lemos (Alvaro).
Cabeça de negra (Bronze) DUQUEZA de PALMELLA