Читать книгу Cartas sobre a educação da mocidade - Antonio Nunes Ribeiro Sanches - Страница 13
§. Das Escolas, e dos Estudos dos Christaons até o tempo de Carlos Magno, no anno 800
ОглавлениеLogo que os Santos Apostolos sahiraõ de Hierusalem a prégar os preceitos do seu Divino Mestre, e estabeleceraõ Congregaçoens de fieis Christaõs, e juntamente Escolas para ensinar a Doutrina Christaâ: os Mestres que nellas residiaõ eraõ os Bispos, e os Diaconos, e taõbem alguns Christaõs mais bem instruidos, que ensinavaõ áquelles, que queriaõ bautisarse. O Abbade de Fleury[3] que seguiremos nestas noticias, dis que nestes tres primeiros seculos da christandade naõ havia outras Escolas publicas, entre os Christaõs, que as referidas. A doutrina que se ensinava nestas Escolas era a explicaçaõ das sagradas Escrituras, os Mysterios da Fé, e tudo o que conduzia para a observancia da Religiaõ Christaâ. Na Escola de Alexandria, Origenes e Clemente de Alexandria ensináraõ esta doutrina, e naõ lemos nas suas obras, que ensinassem sciencia algũa humana, como taõbem nas de Santo Athanasio, San João Chrysostomo, San Cyrillo, ou Santo Augustinho, que todos ensináraõ, e formáraõ discipulos excellentes. Ainda que Clemente de Alexandria, e quasi todos os Santos Padres fossem doutissimos, e inteiramente instruidos nas sciencias humanas, naõ as tinham aprendido nas Escolas Christaâs, mas nas dos Gentios Gregos, e Romanos; e como destes muitos se converteraõ á Religiaõ Christaâ, daqui procedeo serem instruidos taõ cabalmente em toda a sorte de Litteratura; porque naquelles tempos a Egreja naõ necessitava para a sua conservaçaõ e augmento, que da sciencia das Cousas Divinas, poisque vivia debayxo do Dominio das Potencias mundanas; e se tinhaõ entaõ por profanos aquelles Ecclesiasticos que ensinavaõ, ou estudavaõ outros conhecimentos, que os sagrados. O methodo de ensinar nestas Escolas Sagradas era primeiramente corregir e arrancar do animo daquelles que se queriaõ bautisar, os máos costumes, que tinhaõ contrahido na sua educaçaõ; quando hũa vez chegavaõ a sahir do caminho dos vicios, e que nelles se observava o ardente dezejo de bautizar-se, eraõ admitidos ás instruçoens mais elevadas como saõ as da Fé e das Escrituras Sagradas. Ja vemos nestas Congregaçoens dos primeiros Christaõs duas sortes de ensino, o primeiro dos bons costumes, e o segundo dos mysterios da Religiam. Do primeiro tinhaõ cuidado dos Inspectores ou guardas dos Costumes; e do segundo os Mestres que eraõ os Bispos, Diaconos, e os mais instruidos nas Escrituras Sagradas. De taõ limitados principios, como veremos pelo discurso deste papel, sahio aquelle poder que tem os Bispos sobre todos os Estudos e Escolas da Christandade, como taõbem aquella geral inspecçaõ sobre os costumes: veremos que os Emperadores Christaõs, e os Monarchas seus sucessores deyxáraõ no seu poder e arbitrio, estas duas obrigaçoens, que tem de mandar educar os seus Subditos pelas suas direçoens, e de corrigir e regrar os costumes nos seos Dominios. No principio do IV seculo já estava a Religiaõ Christaâ espalhada por quasi todo o mundo conhecido; já floreciaõ as Escolas Christaâs em Alexandria, e Hierusalem, Antiochia, e em Roma; ja nellas se ensinavaõ a Grammatica, as Humanidades, e a Philosophia, e principalmente depois que começou a reynar Constantino Magno, e seu Filho Constancio. Porque vemos que o Imperador Juliano Apostata prohibio por hũa ley decretada no anno 362[4], que nenhum Christaõ ensinasse publicamente a Grammatica ou Philosophia, nem outra qualquer sciencia; sinal evidente que os Christaõs naquelles tempos eraõ já Professores destas sciencias. Mas como esta prohibiçaõ naõ durou muito tempo, ficáraõ os Professores Christaõs senhores das Escolas, nas quais ensinavaõ antes. Porque por hũa ley dos Emperadores Valentiniano, e Valente, decretada no anno 365 entráraõ de posse os Mestres das Escolas nos seus cargos[5]. E para que mais facilmente se comprehenda, que toda a Educaçaõ da Mocidade Christaâ ficou á disposiçaõ dos Bispos, tanto na instruçaõ como nos costumes, relatarêmos aqui as leys que decretou Constantino Magno em seu favor, e da Religião Christaâ, para ficarmos persuadidos do que fica dito antecedentemente. Relata Baronio[6] que Constantino Magno mandou abolir os templos da idolatria e os collegios dos seos Sacerdotes, que permittio aos Bispos dar liberdade aos Escravos que abraçassem a Religiaõ Christaâ, authoridade que só tinha o Pretor Romano com muitas formalidades: que ordenára aos Thezoureyros, e aos Collectores dos Selleyros de todo o Imperio, dar aos Bispos a quantidade de trigo que lhes pedissem para distribuir por aquelles Christaõs que fizessem ou tivessem feito voto de castidade; abrogando ao mesmo tempo a ley Julia Papia e Poppea de Augusto Cesar, pela qual os Celibatarios ficavam excluidos das heranças dos gráos transversais. Que todos os Ecclesiasticos fossem izentos de todo o cargo civil e militar; abrogando por esta ley a do Imperio, no qual para entrar nos grandes cargos da Republica era preciso estar alistado em algum collegio Sacerdotal do Gentilismo. Permitio tanto aos Seculares como aos Ecclesiasticos, apellar para os Bispos depois da final sentença nos Tribunaes Seculares, e que do Tribunal dos Bispos naõ haveria apellaçaõ[7]: que os Bispos e os Clerigos se vestissem da mesma sorte de vestidos, de que uzavaõ os Sacerdotes da Gentilidade: permitio a cada qual testar bens moveis e immoveis em favor das Igrejas, ainda que esta ley foi abrogada pelos Emperadores seus successores: que as terras pertencentes á Igreja seriaõ izentas de todas as tassas e tributos. Esta ley he a ultima que se lê no Codex Theodosiano com data do anno 315; e a mayor parte dos Commentadores a tem por espuria. Naõ era factivel em hum Imperio taõ dilatado, como era entaõ o Romano, que todas estas leys se executassem como requeria o zelo dos Ecclesiasticos; mas he certo que no tempo do Emperador Theodosio o Grande, a mayor parte das leys referidas, ou estavaõ em seu vigor, ou tinhaõ sido reformadas em utilidade, mais da Religiaõ Christaâ e Ecclesiasticos, que do Estado. Autorizados os Bispos com a jurisdiçaõ do Pretor, e da divina instituiçaõ, de ensinar e de prégar, instituiraõ cada qual nas suas Igrejas, naõ somente as Escolas para aprender a Religiaõ Christaâ, mas ainda as sciencias humanas, que naquelles tempos, quasi todas se reduziaõ á eloquencia e á sciencia moral do Evangelho e ao mesmo tempo tomáraõ a si a incumbencia de regrar os costumes, com tanta exactidaõ que do tempo de Constantino, acabou em um seu Tio aquelle honorifico e tremendo cargo de Censor, dignidade deste Imperio, para correcçaõ dos costumes da Gentilidade. Até o tempo de S. Gregorio o Magno, a mais Illustre Escola foi a de Roma, ainda que existia aquella de Alexandria e de Constantinopla; mas ou porque as sciencias humanas naõ eraõ necessarias para o augmento da Fé, ou por outras cauzas que relataremos, he certo que do tempo de Theodorico, primeiro Rey dos Godos em Italia, no anno 494, reynava tanta ignorancia, que todas as lettras se extinguiriaõ totalmente, se os Frades de S. Bento, de S. Basilio, e os Ecclesiasticos nas suas Sés, naõ conservassem os originais Gregos e Romanos, que temos ainda nos nossos tempos. Naõ somente a invasaõ das Naçoens barbaras no dominio do Imperio Romano destruio as sciencias, mas taõbem a errada economia do Emperador Justiniano[8]. Este supprimio os sallarios aos Mestres e Professores nas Escolas e nas Academias tanto de Athenas, Alexandria e Roma, como no resto do Imperio; porque este Emperador, como nos consta de Procopio[9] e Zonaras[10], dispendia profusissimamente em edificar Igrejas e muitos outros edificios; e naõ bastando as rendas Imperiais a tantas despezas, lhe foi preciso supprimir aquellas que fazia o Imperio com os Mestres e Professores das sciencias. Entre os Canones do Concilio de Carthago, celebrado no anno 686[11], se lê que dali por diante naõ fosse permitido a nenhum secular entrar nas Igrejas Cathedrais, e que nenhum Bispo pudesse ler livros compostos por Autores idolatras. Até ao septimo seculo, todos os frades eraõ leygos, e todos pela Regra de S. Bento[12] trabalhavaõ sete horas por dia, e o resto do tempo gastavaõ na meditaçaõ dos divinos preceitos. Mas depois que acrescentaram o officio de Nossa Senhora ao grande officio ou reza, e hum grande numero de Psalmos, o que tudo se cantava já pelo Canto Gregoriano que S. Gregorio Magno tinha introduzido nos Conventos e nas Cathedrais pelos annos 600, naõ havia mais tempo, que para satisfazer a obrigaçaõ do Coro, faltando aquelle que se empregava no trabalho corporal, e nos estudos das letras sagradas e profanas: como já nestes tempos havia Conventos bem dotados com terras em Italia, Allemanha e França, sempre nelles se conserváraõ as Escolas e persistiraõ na Ordem de S. Bento, até ao anno 1337; e neste mesmo, o Papa Benedicto XII lhes prohibio que ensinassem; ordenando somente que os Frades estudassem a Philosophia e a Theologia[13]. No seculo VIII começou a Ordem dos Conegos de S. Chrodegang; viviaõ nos seos cabidos do mesmo modo que os Frades nos seos Conventos; ensinavam publicamente a Grammatica, a Rhetorica, a Arithmetica, a Musica, a Geometria e a Astronomia; mas com tam pouco conhecimento da verdadeyra sciencia, que passaõ estes tempos por barbaros, e os mais depravados nos costumes[14]. Nos Capitularios de Carlos Magno[15], decretados no anno 787, se ordena que se erigissem Escolas de ler para os meninos; e que em cada Mosteyro, e em cada Sé houvessem Mestres que ensinassem a Grammatica, o Canto Gregoriano e a Arithmetica; esta ley naõ era mais que para obrigar aos Bispos, e aos Prelados dos Conventos, a observar pontualmente o costume que tinhaõ de ensinar naõ só as artes referidas neste Capitulario, mas taõbem a Theologia e o Direito Canonico. Do referido vemos claramente que até o IX seculo somente se ensinaraõ nos Mosteyros e nas Sés a Grammatica, a Arithmetica, o Canto Gregoriano, a Rhetorica, a Dialectica, a Theologia e o Direito Canonico; que os Mestres eraõ unicamente os Frades e os Ecclesiasticos, e que naõ havia Escola algũa onde ensinassem os Seculares. Desde o anno 500, quando toda a Europa se desvastava em guerras continuas pelas barbaras Naçoens do Norte e os Sarracenos, nenhum Principe tinha outra mayor necessidade do que ter um exercito potente para resistir a taõ poderosos inimigos. Nenhum Secular tinha tempo de applicarse ás letras, e eraõ raros naquelles tempos os que sabiaõ ler, ou escrever: foi preciso aos Ecclesiasticos applicaremse ás letras, naõ só para ensinar a Religiaõ Christaâ, mas taõbem para servirem aquelles Estados, que todos por necessidade vieraõ a ser militares. Necessitavaõ os Principes de Ministros de Estado, de Embaxadores, e de Medicos; necessitavaõ os povos de Juizes, de Advogados, de Notarios publicos, só nos Conventos e nos Cabidos achavaõ as pessoas que podiaõ exercitar estes cargos. Naõ nos devemos admirar que os Frades e os mais Ecclesiasticos servissem estes empregos meramente seculares, considerando a ignorancia daquelles tempos, causada pela irrupçaõ de tantas Naçoens barbaras e conquistadoras de toda a Europa.