Читать книгу Cartas sobre a educação da mocidade - Antonio Nunes Ribeiro Sanches - Страница 15

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Já que os summos Pontifices e os Bispos[16] se arrogáraõ o poder absoluto da Educaçaõ das Escolas da Christandade, e de corregir os costumes, he preciso que indaguemos a origem d'estes poderes: e entaõ veremos que Sua Magestade Fidelissima he o Senhor com legitimo Jus de decretar leys para a Educaçaõ dos seos leaes Subditos, naõ só nas Escolas da puericia; mas taõbem em todas aquellas onde aprende a Mocidade. Pareceme, Illustrissimo Senhor, ser da mayor importancia esta materia, porque ategora naõ achei Autor que tratasse della, como necessita o Jus da Magestade. A forma, a uniaõ, o vinculo do Estado civil e politico, e o seu principal fundamento he aquelle consentimento dos Povos a obedecer e servir com as suas pessoas e bens ao Soberano; ou que este consentimento seja reciproco, ou que seja tacito ou declarado, sempre forma hum Estado, ou Monarchico, ou Republicano. Mas o que constitue ser o Estado hum ajuntamento, ou corpo civil e sagrado, he o juramento de fidelidade mutuo entre o Soberano e os Subditos, tacita ou declaradamente. No acto desta convençaõ invocaõ os contractantes deste pacto ou contracto, a Divindade que mais veneraõ por testemunha e cauçam, que haõ de executar o que prometem; sujeitandose ao premio ou ao castigo, conforme o comprirem. D'aqui vem que todos os Estados Soberanos estaõ formados por invocaçaõ daquella Divindade, que mais veneravaõ os Povos e o Soberano[17]. Daqui vem chamarse o Estado, sacrosanto, e cousa sagrada. Daqui procede que nenhum estado civil pode formarse, nem existir em seu vigor, sem hũa Religiaõ, e sem observarse o sagrado do juramento. Eu bem sei que nas Monarchias, que se fundáraõ conquistando, naõ entreveyo nellas aquelle consentimento mutuo, nem juramento de fidelidade, no instante que se formáraõ pela força da espada. Mas logo que o Conquistador quizer conservar a sua conquista, he necessario decretar leys; he necessario que elle dê a conhecer aos povos Conquistados, que viverâõ mais felizes no presente governo, que no passado; os povos consentem tacita ou declaradamente, daõ juramento para exercitar os cargos daquelle Estado, e deste modo o Conquistador e os Conquistados, cada qual por seu interesse proprio, convem reciprocamente; o Soberano, de os conservar, e os Subditos, de obedecer, invocando a Divindade por cauçaõ e testemunha da convençaõ que celebraõ. Quando os Portuguezes no campo de Ourique acclamaraõ Dom Affonso Henriques por seu Rey; quando em Coimbra acclamaraõ o Mestre de Avis por Rey de Portugal, tacita ou declaradamente, lhes deraõ todos Juramento de Fidelidade, invocando o Summo Deos como testemunho e cauçaõ que lhes obedeceriaõ e serviriaõ com suas pessoas e bens, com tanto que estes Reis os governassem e defendessem, e que vivessem mais felizes, que no Estado precedente. Deste modo taõ livre e taõ excellente, ficou o Estado de Portugal formado: os seos Soberanos naõ conhecem superior, mais do que a Divindade suprema, que invocárão no acto do juramento de fidelidade, que lhe prometiaõ os seos povos, prometendo tacita ou declaradamente, de governa-los de tal modo que fossem mais felizes do que antes eraõ. Daqui provem o sagrado do Estado, porque foi formado com invocaçaõ do Altissimo como testemunha e como cauçaõ dos juramentos reciprocos. Daqui vem, o supremo poder dos nossos Reis, que tem em si vinculadas todas as jurisdiçoens do primeiro General, que pode dar juramento, levantalo, alistar tropas, e licencealas, &c. tem a jurisdiçaõ de primeiro Juiz, pode condenar a penas pecuniarias, exilio, e de vida e morte; he o primeiro Védor da fazenda do Estado, pode cunhar moeda, fazer todas as leys que achar saõ necessarias para promover toda a sorte de agricultura, comercio e industria: he o primeiro pay e conservador dos seos Estados; he o Senhor de decretar todas as leis que achar necessarias para a conservaçaõ e augmento dos seos dominios; fundando estabelecimentos para formar toda a sorte de Subditos na Educaçaõ da mocidade, nas artes liberaes e mecanicas, nas sciencias necessarias no tempo da paz, e da guerra, &c. Está taõbem incluido no Jus da Magestade aquelle supremo cargo de primeiro Mestre ou de primeiro Sacerdote da Religiaõ natural, desde aquelle instante que se formou o seu Estado civil e politico pelo juramento. Naõ se offenderá, V. Illustrissima, deste attributo, que dou aos Monarchas Christaõs Catholicos: todos se convenceraõ facilmente do que affirmo, quando pensarem que as duas leis mais irrefragaveis de qualquer Estado assim formado, saõ as seguintes. «Que a conservaçaõ do Estado civil he a primeira e a principal ley». «Que cada subdito está obrigado a obrar com os outros, como elle quizera que obrassem como elle». Em quanto os homens viviaõ como feras, e como vivem ainda hoje muitos povos da America e da Affrica, o mais esforçado, e o mais valente era o que caçando e matando, tinha o mayor dominio; porque estes homens, ou viviaõ e vivem da caça, ou dos frutos, conchas, peyxes da borda do mar: e o mais experimentado seria, e he ainda hoje, o maioral daquelles ranchos. Ja se sabe que a mayor parte destes povos vivem sem nenhum conhecimento da Divindade, como na Ilha de S. Lourenço, e em outros muitos lugares do mundo habitado. Mas tanto que os homens se ajuntáraõ por pacto e consentimento mutuo de se ajudarem e soccorrerem entre si, ja nem o mais valente, nem o mais ouzado, ha de ser o primeiro. Porque os homens no ponto daquelle contracto mutuo depuseraõ no poder e na disposiçaõ do Soberano ou Mayoral, todas as acçoens voluntarias que obravaõ antes que se ajuntassem em Sociedade; depuseraõ nas suas maõs aquelle poder que tinhaõ,de matar, de furtar, e todas aquellas acçoens que seriaõ nocivas, e destruidoras da Sociedade. Ficou entaõ em deposito na maõ do Soberano aquelle poder dos Subditos para obrar acçoens exteriores; ficou á sua disposiçaõ regralas por leis, prevenir que se naõ cometesse insulto que alterasse ou corrompesse a uniaõ e harmonia que deve Reynar no Estado Civil; ficou no seu poder castigalas como achasse conveniente para a sua conservaçaõ. Duas couzas ficáraõ somente no poder dos Subditos, mesmo naquelle instante que deraõ juramento de fidelidade ao seu Soberano. A primeira: a Propriedade dos seus bens, com obrigaçaõ tacita ou declarada, que parte da sua renda seria para sustentar o Estado. A segunda: Aquella liberdade interior de querer, naõ querer, amar, aborrecer, julgar, ou naõ julgar, ver, ou naõ ver: que saõ as acçoens interiores que passaõ dentro de nós, e que se naõ mostraõ por acçoens exteriores, que todo o mundo possa observar visivelmente. Deste estado da Sociedade civil, assim formado, resultáraõ logo a igualdade entre todos os Subditos, e a subordinaçam aos magistrados. Porque todos os Subditos, em quanto Subditos, em quanto estaõ ligados por aquelle juramento de fidelidade, todos saõ iguais; e a maior ruina de hum Estado, he que entre elles haja diversidade, huns com obrigaçaõ de obedecer, e outros absolutos; huns sujeitos ás justiças, e outros sem nenhum Imperio[18]. Como o Principe Soberano naõ pode exercitar todos os cargos dos seos exercitos, e das suas armadas; como naõ pode julgar todos os processos e demandas; como he impossivel a pessoa humana comprir com todos os cargos que requer a fazenda Real e os tributos para sustento do Estado, o que faz he dar estas varias incumbencias áquelles Subditos que forem mais capazes de as exercitar, e comprir. Assim que cada hum destes é condecorado com parte, ou porçaõ do Poder da Magestade. Daqui vem que toda a distinçaõ, subordinaçaõ, preeminencia que houver entre os Subditos, provem somente do Jus da Magestade. Aquella distinçaõ de Nobreza, e da Fidalguia, provem somente do Poder do Soberano, e naõ da ascendencia, nem da geraçaõ: porque todos os Subditos pelo juramento de fidelidade saõ iguais, como fica demonstrado.

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