Читать книгу Cartas sobre a educação da mocidade - Antonio Nunes Ribeiro Sanches - Страница 14
§. Reflexoens sobre as Escolas Ecclesiasticas
ОглавлениеLouvemos e admiremos, Illustrissimo Senhor, a real disposiçaõ de S. Majestade, que Deos guarde, de supprimir as Escolas que estavaõ no poder dos Ecclesiasticos Regulares: alegremonos e redupliquemos os nossos ardentes e amorosos votos pela sua conservaçaõ, quando temos nelle hum taõ amoroso Pay como Senhor providente no nosso bem e do nosso augmento.
Tem visto V. Illustrissima que as Escolas ecclesiasticas foraõ somente instituidas para ensinar a doutrina Christaâ, a saber os Mysterios da Fé, expressados nas sagradas Escrituras e nos Sanctos Padres. Todo o fim, e todo o cuidado daquelles primeiros Mestres, era de formarem hum perfeito Christaõ, e naõ pensavaõ ensinar aos seos discipulos aquelles conhecimentos necessarios para viver no Estado civil, ou para o servir nos seos cargos: Estavaõ aquelles piedosos Christaõs taõ fóra de servir a Republica, que tinhaõ entaõ por peccado assentar praça de soldado, ou ser Juiz para julgar cauzas Civis ou de Crime. Governáraõ os Santos Apostolos, e os Bispos seus sucessores as suas Igrejas, ou as Congregaçoens de Fieis; como se governáraõ depois os Conventos dos Frades; todos uniformes na Santa Fé, todos unidos pela caridade Christaâ; e se havia algum entre elles que se naõ conformava á santa doutrina que professava a Congregaçaõ, lhe negavaõ os Santos Sacramentos, e lhe impediaõ assistir aos Officios Divinos. Assim viveraõ estes Christaõs nos primeiros tres seculos da Christandade, hũas vezes tolerados com clemencia pelo Estado dominante, outras vezes com crueldade pelos Principes tyranos; mas sempre foraõ obedecidos, e venerados, a pezar de sua tyrania; porque lhes pagavaõ os tributos como devidos, e executavaõ as suas leys como fieis, e obedientes Subditos. Seria naquelles tempos peccado que os Bispos ou Prelados pensassem a possuir bens de raiz, a ter jurisdiçaõ temporal sobre os leigos, e a servir cargos da Republica. Repouzavaõ no governo politico que os defendia das invasoens dos inimigos do Estado; porque tinhaõ por peccado pertencerlhe para o sirvirem; estando todos dedicados a servir somente de todo o coraçaõ, e com todas as suas forças, a seu Divino Mestre Nosso Senhor Jesus Christo.
Mas logo que o Emperador Constantino Magno abraçou o Christianismo; logo que mandou fechar os templos da idolatria, izentar os Ecclesiasticos de servir cargos da Republica, e ao mesmo tempo dar jurisdiçaõ aos Bispos de julgar cauzas Civis, e de serem sem apellaçaõ as suas sentenças, immediatamente sahiraõ os Christaõs Seculares e Ecclesiasticos, daquella santidade de vida, e para fallarmos ao modo dos nossos tempos, pode-se dizer, que os Christaõs do tempo de Constantino voltáraõ para o seculo: porque pelas doaçoens que faziaõ ás Igrejas e aos Conventos, ja tinhaõ bens moveis, e de raiz; ja serviaõ cargos Civis e militares; ja eraõ reputados por Subditos para servirem a sua patria.
Mas o que he digno de reparo nesta mudança de vida, he que naõ mudáraõ nem adiantáraõ o ensino das Escolas que tinhaõ antes de Constantino; e que adiantáraõ com excesso aquella incumbencia de ensinar, e de corregir os costumes; o que veremos abayxo. Parece que os Ecclesiasticos, Mestres das Escolas no tempo deste Emperador, eraõ obrigados a ensinar as obrigaçoens com que nascem todos os Subditos antes de ser Christaõs: porque logo que por ley do Imperio a Religiaõ Christaâ era a dominante, logo que os Christaõs eraõ obrigados a concorrer com os seos bens, ou com as suas pessoas, a servir a sua patria; parece era da obrigaçaõ daquelles Mestres educalos com tais principios, que satisfizessem á obrigaçaõ com que naceraõ, e á obrigaçaõ que contrahiraõ, quando se bautizaraõ. Ja as Escolas do Gentilismo pela mayor parte estavaõ extinctas: já naõ havia outras mais que as dos Ecclesiasticos; e se nestas a Mocidade naõ fosse educada para aprender o que havia de obrar pelo resto da vida, ficava destituida de todos os fundamentos para viver como bom Cidadaõ e como bom Christaõ.
Mas que fizeraõ os mestres das Escolas nos Mosteyros, e nos Cabidos das Sés? Naõ ensináraõ outra doutrina, nem outros conhecimentos, que aquelles que contribuiaõ para fazer hum bom Christaõ, ou hum bom Ecclesiastico.
E que fizeraõ os Bispos auctorizados ja a governar e a reger os costumes? Extenderaõ este poder naõ só dentro dos seos Cabidos e das suas Igrejas, mas ainda dentro de todas as cidades e aldeas, obrigando a viver como viviaõ os Christaõs dentro dos Conventos, ou naquellas Congregaçoens da primeira Christandade das quais dissemos assima a sua constituiçaõ e governo.
De tal modo que os Ecclesiasticos quizeraõ governar e governáraõ o Estado civil, pelas regras e pelas constituçoens dos Conventos e das Cathedrais, onde se vivia em communidade; onde os bens temporais eraõ em commum, onde as vontades e as opinioens tanto nas couzas celestes, como nas mundanas, eraõ e deviaõ ser conformes, poisque todos viviaõ debaixo da regra, e do mando de hum Prelado.
Mas o que deu mayor movimento a estas disposiçoens ecclesiasticas, foraõ as leis referidas assima de Constantino Magno. Este pio Emperador poz em execuçaõ, como taõbem seus sucessores, Que o Estado civil fosse regido e governado pelas regras e constituiçoens dos Conventos e dos Cabidos; abrogando e derogando ao mesmo tempo as leis civis, e as politicas do Imperio Romano, como vimos assima, abolindo o cargo de Censor, do qual se apoderáraõ os Bispos: derogando ao cargo de Pretor, ou Chanceller Mor, o poder de dar alforria aos Escravos, e que as sentenças dos Bispos fossem sem apellaçaõ; abolindo a natureza das couzas que haõ de servir ao Estado em todo o tempo; dando immunidades aos Subditos delle, e aos seos bens de raiz, para naõ servirem, nem pagarem os tributos, sem os quais naõ se póde conservar hũa Republica.
Ainda que muitas cauzas concorreraõ para a destruiçaõ do Imperio Romano, he evidente que estas disposiçoens e leys de Constantino foraõ a cauza principal. Mas ja me apercebo que vou sahindo muito do objecto deste papel que propûz a V. Illustrissima para ver o fundamento da Educaçaõ politica, que deve ter hum Estado Christaõ Catholico. E como as Universidades saõ hoje os Seminarios do Estado politico e religioso da Republica Christaâ, permita-me, V. Illustrissima, indagar a sua origem e seos objectos, e quantas circumstancias concorreraõ para que os Emperadores, Reys e Republicas fossem governadas, como saõ ainda hoje, por estas Escolas.