Читать книгу Cartas sobre a educação da mocidade - Antonio Nunes Ribeiro Sanches - Страница 16
§. Idêa das Obrigaçoens da Vida Civil, e do Vinculo da mesma Sociedade
ОглавлениеJa vimos o Estado Civil formado pelo juramento de fidelidade, já vimos que o Soberano, como alma, e superior intelligencia deste corpo civil, era aquelle que moderava, que movia, e retinha as acçoens delle para a sua conservaçaõ, e seu augmento; auctorizado com o poder de todas as acçoens exteriores dos Subditos, de fintalos naquella parte dos seos proprios bens para conservaçaõ do Estado, de obrigalos a servir pessoalmente para o mesmo fim, e por ultimo a nomear os Subditos mais capazes para executarem as varias obrigaçoens da Magestade.
Ponhamos agora em exercicio esta Sociedade Civil, este Reyno, esta Republica, assim formada e unida; mandemo-la apparecer em hũa feyra, ou em hũa praça. Huns trariaõ ali fazendas a vender, outros para trocar, ou comprar: Huns quereriaõ comprar hum campo, hũa caza, fretar hum navio: outros quereriaõ buscar hum Amo: era necessario que cada hũa destas pessoas fallassem em hũa lingoa, para se entenderem; e que cada hum que procurava sua utilidade estivesse persuadido que o que adquiria neste trato lhe pertencia em propriedade. Ali seria necessaria a affabilidade, a verdade, a fé, a pontualidade; o ouvir facilmente, o responder com agrado; a cada hum era necessaria hũa certa igualdade; em fim todas aquellas qualidades, e virtudes civis que saõ necessarias para o trato, e para o comercio da vida, sem o qual naõ pode subsistir o vigor de hũa Republica.
Supponhamos que todos os que appareceraõ nesta feira ou praça, que conservavaõ ainda aquelles costumes silvestres, duros, e barbaros; que em lugar de contractar, que roubassem; que em lugar de persuadir com razoens, que pelejassem, se debatessem, ou ferissem; que allegassem, que por serem filhos de fulano, e fulano que naõ deviaõ pagar pelo que compravaõ; que por pertencerem a certo Senhor, que podiaõ tomar o que lhes agradasse: ja toda a Sociedade, ja toda a feyra se revolveria, e acabaria por desordem e confuzaõ.
Deste tosco retrato da vida civil posta em acçaõ, se vê claramente, que para a conservaçaõ de cada qual, lhe saõ necessarios tais habitos, e tais virtudes, que dependaõ do principio seguinte.
«Todas as acçoens que naõ forem uteis a si, e ao Estado, e ao mesmo tempo que naõ forem decentes, saõ viciosas, destruidoras da conservaçaõ propria, e por consequencia da vida civil».
Todas as leis que decretar o mais excelente Legislador, todo o trabalho e industria de cada particular, se naõ levar a utilidade por ultimo fim, vem a ser a destruiçaõ do Subdito, e do mesmo Estado: assim que a utilidade publica e particular vem a ser o vinculo e alma da vida civil[19]; esta utilidade deve ser sempre acompanhada com a decencia, que he aquella virtude que modera os excessos, ainda aquelles da mesma virtude, por que de outro modo seria vicio. Em quanto as Republicas da Grecia e a Romana, conserváraõ as virtudes referidas com a frugalidade, a fé particular, e publica nos Tratados; o respeito, e a observancia do juramento de fidelidade; a verdade, a sinceridade, a constancia, e aquela subordinaçam admiravel entre os Subditos, e os Magistrados sempre se conservaraõ potentes, e conquistaraõ seos inimigos com gloria. Ainda que tinhaõ Religiaõ, e mui varias sortes de Sacerdotes adorando muitas Divindades, estes Ministros Gentios naõ tinhaõ incumbencia algũa de ensinarem as virtudes referidas, nem o minimo cuidado da consciencia: S. Augustinho, e Lactancio Firmiano[20] o affirmaõ claramente: o seu officio era declarar aos povos os dias de festa, celebrarem os seos sacrificios, presidirem nas procissoens, e mais spectaculos publicos, em jantares, em danças, e outras acçoens, que todas eraõ exteriores; somente os Philosophos, e os mais velhos tinhaõ este cuidado, como lemos nas obras de Marco Aurelio. De tudo o referido se vê claramente que he do jus da Magestade fomentar e promover a utilidade publica e particular, com decencia; e que nenhũa requer maior attençaõ no animo do Soberano, do que a Educaçam da Mocidade, que deve toda empregar-se no conhecimento, e na practica das virtudes sociaveis referidas, e em todos os conhecimentos necessarios para servir a sua patria. Mas antes de entrar no plano d'esta educaçaõ, satisfaremos o promettido assima, que he mostrar mais circumstanciadamente.