Читать книгу Portugal e Brazil: emigração e colonisação - D. A. Gomes Pércheiro - Страница 22

II

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«O Brazil, essa nova terra da promissão, onde de dia para dia se vae realisando a promessa de Christo de—cento por um—depois de attestar a sua virilidade em tantos combates illustres, pelejados nos campos do Paraguay, despe, conscio da sua missão civilisadora e humanitaria, a farda do soldado da liberdade, e vestindo novamente a blusa do trabalhador, e empunhando alegre a rabiça do arado, volve, como o cidadão romano dos tempos da verdadeira grandeza de Roma, a retemperar-se de forças e virtudes nos abençoados labores da sua agricultura.»[20]

Sim, senhor. Estylo de poeta, saido do parnaso das mattas frondosas, deitado em maqueira de pennas de araras, embriagado pelo aroma das flôres pendentes dos cipós que do cimo das arvores seculares, vem interlaçar-se na cabeça escandecente do poeta: comendo aráçá e bebendo a saborosa agua de côco, transformada no maná do céo; adormecendo ao som mavioso do sabiá, que chilrea no cimo da palmeira; rodeado de beija-flôres e de tapuyas, os anjos d'aquelle paraizo deslumbrante, e ao mesmo tempo venenoso!

Sim, senhor; sonhos de poeta transformados em historia!

O Brazil, berço da indolencia, e tumulo da maior parte d'aquelles que têem querido sondar os seus intrincados labyrinthos, convertido, com uma pennada, em—nova terra da promissão—e... em paiz de romanos!

O Brazil, morto emquanto se davam os combates illustres, revivendo depois para empunhar a rabiça do arado! como se fôra possivel admittir, sem replica, que os trabalhos agricolas paralisassem no tempo da guerra do Paraguay; como se fôra certo que o soldado viera do campo da batalha substituir a farda pela blusa do cidadão romano!

Cento por um! e no Brazil ha tanta miseria como em qualquer outro paiz da Europa!

Dos que procuram aquellas inhospitas plagas, convertidas n'um momento de lyrismo, na terra promettida, escapa ou pode ser feliz um por cento.

Nunca nos cançaremos de repetir esta verdade, por que sabemos por experiencia o que é o Brazil.

É bom escudar com documentos de mui recente data as nossas palavras.

Diz um que temos á vista:

«Dos emigrantes, aquelles a quem cabe mais desgraçada e commovente sorte, são os que vem para fugir ao recrutamento; não os clandestinos, mas os menores de 14 annos, e infelizmente é avultado o numero d'estes; porque, como só depois dos 14 annos é que são obrigados a prestar fiança, os paes para os não verem soldados preferem arremessal-os para o Brazil, muitas vezes sem a mais leve recommendação, entregues completamente á sua inexperiencia, se não acham a quem os vender!

«É ignobil, mas é verdade.

«Estes infelizes assim vendidos, vão para o interior do paiz ser barbaramente explorados pelos compradores, que os obrigam a todo o genero de serviços, muitas vezes superiores ás suas forças, tratando-os peor que aos seus escravos, porque estes representam um capital consideravel e aquelles sómente a importancia da passagem.

«A acção dos funccionarios consulares fica inutilisada para os proteger na sua chegada a esta côrte, e a das auctoridades territoriaes é nulla no interior contra os fazendeiros» etc.[21]

E accrescenta:

«Todas estas coisas, que deixo expostas influem mais ou menos na emigração, mas realmente o que se póde dizer que abertamente influe n'ella são os engajadores e a febre do ouro.

«Os primeiros seduzindo essa pobre gente e abonando-lhes a importancia da passagem e mais arranjos, fazem recrudescer a febre que domina as populações e o delirio os impelle a entrar n'esse fatal azar em que jogam familia, patria, saude e a propria vida contra uma fortuna que raros attingem

A divisa—cento por um—está bem patente n'este documento official.

O consul do Maranhão é mais esplicito. Vejamos como elle distingue a nova terra da promissão:

«Quem estudar as causas da grande torrente de emigração que todos os annos se estende para o Brazil, ha de confessar que ella assenta muito principalmente nas falsas insinuações de alliciadores assalariados que, sem consciencia e dominados sómente pelo seu proprio interesse, arrastam essa parte da nossa sociedade menos esclarecida para a ruina[22] etc.

E mais adiante:

«De todas as emprezas fundadas, não póde haver seguramente nenhuma mais vil e ignominiosa do que seja esta (a dos engajadores), que tem por fim seduzir uma innumeravel multidão de portuguezes ignorantes, e por isso facilmente se deixam dominar pelas ficticias narrações das abundantes minas de oiro, que se encontram por toda a parte, pelas excellencias e fertilidade d'este solo!

«Os miseros que ali trabalhavam (na colonia Arapapahy) debaixo d'um sol ardente e enterrados em lodo, acabaram pela maior parte no hospital; outros ainda doentes foram mandados por este consulado para a sua terra natal, posto que com algum sacrificio, e os restantes amarellos e inchados, vagueavam por essas ruas esmollando a caridade publica!»

Que paraizo!...

O consul de Pernambuco tambem não acredita no maná descoberto no Brazil pelo auctor do Estudo historico.

Eis como elle se expressa:

«Os emigrantes portuguezes estabelecem-se geralmente nas capitaes das provincias, ou em uma cidade ou villa do litoral, ou do interior, onde haja algum commercio de certa importancia, sendo mui raros os que se aventuram a internar-se no paiz, por não terem nem protecção de patricios, parentes ou de amigos, e por estarem menos garantidos na sua segurança pessoal e de propriedade!

«Poucos são os que se empregam na agricultura, tanto pela razão acima declarada, de pouca propensão que tem a internarem-se no paiz, como pelo rigor do clima dos tropicos» etc.[23]

É a terra promettida... e um calor, que deixaria os colonos feitos em torresmos, se caissem na patetisse de se exporem ao sol!

E encarando a cousa pelo ponto de vista social, accrescenta:

«As relações em que vive a colonia portugueza com a população do paiz não são caracterisadas pelas attenções, obsequio e amisade cordeal que seria para desejar existisse entre os emigrantes portuguezes e os naturaes do paiz, sendo uns e outros da mesma origem, fallando o mesmo idioma e tendo a mesma religião.

«Póde dizer-se em geral que os emigrantes portuguezes, que residem n'este districto consular, não são bemquistos da população nacional, que, além de tratal-os de modo grosseiro e offensivo, soffrem muitas vezes epithetos affrontosos, e são victimas do odio latente que os nacionaes nutrem contra elles!»

É este o reverso da medalha.

Apromessado author donovolivro—nãoprofanaremos Christo—de cento por um, com respeito ao Brazil, é o calor tropical e o lado pestifero; são as riquezas ephemeras, os horrores da miseria, a falta de protecção das authoridades e os maus tratos do gentio!

Não é pouco!...

Portugal e Brazil: emigração e colonisação

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