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XIII

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Um pouco mais adiante, a paginas 45 do livro que o sr. Augusto de Carvalho tão inconscientemente transformára em historia, lêmos as seguintes palavras, dignas dos mais severos reparos:

«No choque entre o Brazil e a Hollanda vemos ao mesmo tempo, a par de muitos rasgos de heroismo portuguez, o valor brazileiro recebendo nas insignes batalhas das Tabocas e dos Guarápes, o baptismo de fogo, a sagração da gloria. Os feitos guerreiros que exordiaram os fastos militares do imperio, se não deslumbram, egualam os mais illustres que exalçam a historia da mãe patria. Vidal de Negreiros, Philippe Camarão e Henrique Dias exemplos são, e bem claros, de que, em peitos brazileiros, o patriotismo e a honra pódem operar tambem prodigios de civismo e heroicidade.»

A paginas 56:

«A seu lado (ao lado do padre Vieira, que nem sempre fôra isempto de interesse) depara-se-nos egualmente, entrando portas a dentro da historia, com a fronte pejada de louros, e a consciencia illuminada de virtude e de santo desinteresse (sic), o insigne brazileiro André Vidal de Negreiros, por ventura o mais strenuo mantenedor da liberdade da raça americana.»

A paginas 57:

«Vidal tambem não escapou á vingança d'aquelles scelerados (dos jesuitas!) Tantas intrigas lhe urdiram no reino, que não tardou em ser demittido do cargo de governador.»

Desculpe-nos o leitor estas transcripções; mas assim é preciso, para fazer triumphar a verdade, e apontar as contradicções do sr. Augusto de Carvalho, quando diz, que confessava-se Vieira obrigado a Vidal pelo auxilio que lhe déra nas suas missões, etc.

Abramos o livro da verdadeira historia, justamente no logar onde historiadores conscienciosos nos apresentam as memoraveis batalhas das Tabocas e dos Guararápes.

A paz ajustada entre o governo de D. João IV e a republica da Hollanda, depois da independencia de Portugal, levaram os patriotas portuguezes, residentes em Pernambuco, a começar as hostilidades contra os hollandezes, em 1643.

Foi n'esta época que o insigne portuguez, João Fernandes Vieira, tendo preparado o movimento com o seu genio e recursos, intendeu dever começar a guerra contra os inimigos da sua patria. Para isso precisava elle de braços amigos, que o ajudassem na sua gloriosa empreza. E não lhe faltavam elles, porque a população de Pernambuco estava cançada dos vexames do novo governo, que tinha substituido a paternal administração do principe Nassau.

Fernandes Vieira participa esta resolução ao governador geral do Brazil, Antonio Telles da Silva, que incontinente lhe manda André Vidal de Negreiros, com ordem de cessar as hostilidades contra os hollandezes.

Mas a influencia de Fernandes Vieira e o seu tacto politico destroem a frouxidão do governador e do seu interprete Negreiros.

Este volta á Bahia a informar ao governador do occorrido. Então Vieira, sem mais ajuda do que os seus amigos de Pernambuco, offerece combate aos hollandezes no monte das Tabocas.

Á primeira victoria, por elle alcançada em 1644, não assistem Camarão, Henrique Dias e Negreiros.

Retratemos aqui, a leves traços, estes trez vultos:

D. Antonio Filippe Camarão, indio convertido e fanatisado pelos jesuitas. Este homem era o terror dos indigenas; não póde, portanto, ser o symbolo da liberdade americana. Trabalhava a favor dos dominadores, e os indios que o seguiam, tão fanaticos como seu chefe, morriam a favor de qualquer causa, com os olhos nos bentinhos que lhes pendiam do pescoço.

Henrique Dias, chefe dos pretos, e como elles, representante da raça africana. Trabalhava a favor dos portuguezes, seus dominadores. Não era tambem o motor da liberdade americana.

André Vidal de Negreiros, natural da Parahyba, não póde ser biographado n'este logar, para não interrompermos as façanhas contra os hollandezes, nos montes denominados Guararápes.

Fazem parte d'esta gloriosa batalha o portuguez João Fernandes Vieira, verdadeiro heroe da empreza, na opinião dos mais abalisados escriptores; e como auxiliares, Francisco Barreto de Menezes, portuguez; André Vidal de Negreiros, Filippe Camarão, Henrique Dias, e outros.

Henrique Dias foi ferido n'esta batalha, de que morreu. Este como seu companheiro Camarão foram arrastados á guerra, sem o mais pequeno interesse politico.

Eram felizes; porque sendo valentes, lhes fallecia a ambição que tanto assignalou Negreiros.

Demoremo-nos um pouco perante este personagem.

Depois do Fernandes Vieira ter realisado o seu belo sonho, apoz uma guerra de nove annos, parece que devia ambicionar qualquer recompensa; mas tal não succedeu. Vieira só tinha em mente a liberdade da sua querida patria e dos territorios conquistados por portuguezes. Nascera na ilha da Madeira, ao tempo em que eramos dominados pelos castelhanos. No berço aprendera elle a pronunciar a sublime phrase de—morte ou liberdade—; e refugiara-se mais tarde no Brazil, onde não se fazia sentir tanto o abominavel dominio de Castella. Foi em Pernambuco, que a sua nobre alma se engrandeceu, á vista dos novos dominadores enviados da Hollanda. Não podia elle perceber, como é que devia desobedecer á sua consciencia de portuguez, para, ao mesmo tempo, dar gasalho ás ordens de Hespanha e Hollanda: por que essas ordens confundiam-se, e em logar de auxiliarem aquella parte da America estancavam-lhe a prosperidade. Por isso poz termo ás contradicções politicas, salvando Pernambuco.

O seu culto era a liberdade; por ella faria tudo, e por ella despresaria as recompensas mundanas, depois da gloria.

Recusára vir a Lisboa dar a nova das victorias para que elle tanto contribuira. É que receava as offertas do governo da metropole, offertas que, sem resultado, o foram tentar no seu retiro.

Não comprehendia Fernandes Vieira que fosse facil alliar o interesse mundano, que seduz muitos generaes, á independencia do seu caracter desinteressado. A sua maior satisfação era expulsar os hollandezes. Conseguiu-o, nada mais desejava.

Vidal de Negreiros não tinha d'estes escrupulos; por isso se encarregou de vir a Lisboa, onde, com a influencia dos jesuitas, obteve mais tarde o governo de Pernambuco.

É alli que o vamos encontrar, desobedecendo ás ordens do governador geral, commettendo violencias contra os seus administrados, negando justiça a uns, desterrando e prendendo a outros.

Chamado por isso á Bahia, onde temia ser condemnado, confessa-se arrependido da desobediencia e dos vexames que havia imposto aos povos, que ajudára a libertar do jugo dos hollandezes.

A desobediencia e a desordem continuaram; eis a causa da sua demissão.

Se André Vidal de Negreiros trabalhava pela liberdade americana, como diz o sr. Augusto de Carvalho, para que combatia elle os indigenas, colligados com os hollandezes, nas differentes batalhas dadas em Pernambuco?

Se elle foi um dos primeiros apostollos d'essa liberdade, para que acceita cargos publicos das mãos do governo portuguez.

Os jesuitas são accusados pelo sr. Carvalho, de escravisarem e de exterminarem os indios, no que estamos completamente de accôrdo, até ao seculo XVII; pois bem, como é que sendo Vidal de Negreiros um auxiliar das missões jesuiticas, como attesta o padre Antonio Vieira, nos vem dizer, que esse mesmo Negreiros fôra o mais strenuo mantenedor da liberdade da raça americana?!

Eis aqui uma contradicção digna de ser recompensada com uma penna de ouro!

Finalmente, se Negreiros era o mantenedor d'essa liberdade, para que acceitou o cargo de governador de Angola? Não seria mais vantajoso, para o bom exito da sua causa, retirar-se á vida privada, e preparar no sertão, como fizera Fernandes Vieira, com respeito aos hollandezes, uma conjuração tendente a libertar a America do jugo estrangeiro?

Não fez isto, porque Negreiros era ambicioso, e aos ambiciosos não é permittido entrar portas a dentro da historia com a fronte pejada de louros.

Portugal e Brazil: emigração e colonisação

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