Читать книгу Portugal e Brazil: emigração e colonisação - D. A. Gomes Pércheiro - Страница 23
III
ОглавлениеO que citamos do livro Brazil não é sufficiente para dar maiores proporções á nossa humilde critica. O seu auctor não levou a palma da victoria a outros apologistas do imperio americano. Nós já lemos cousas mais attrahentes ou seductoras, e, por isso mesmo, mais romanticas, que é o que convem para illudir os emigrados.
As palavras que vamos transcrever deviam necessariamente surtir melhor effeito.
Eil-as:
«Do Novo Mundo, tantos seculos escondido, e de tantos sabios calumniado (sic), onde não chegaram Hannon com as suas navegações, Hercules Lybico com as suas columnas, nem Hercules Thebano com as suas emprezas, é a melhor porção o Brazil; vastissima região, fertilissimo terreno, em cuja superficie tudo são fructos, em cujo centro tudo são thesouros, em cujas montanhas e costas tudo são aromas; tributando os seus campos o seu mais util alimento, as suas minas o mais fino ouro, os seus troncos os mais suaves balsamos, e os seus mares o ambar mais selecto: admiravel paiz a todas as luzes rico, onde prodigamente profusa a natureza, se desentranha nas ferteis producções, que em opulencia da monarchia, e beneficio do mundo apura a arte, brotando as suas cannas espremido nectar, e dando as suas fructas sazonada ambrozia, de que foram mentida sombra o licôr, e vianda, que aos seus falsos deuses attribuiu a culta gentilidade.
«Em nenhuma outra região se mostra o ceu mais sereno, nem madruga mais bella a aurora: o sol em nenhum outro hemispherio tem os raios tão dourados (nem é tão quente!) nem os reflexos nocturnos tão brilhantes; as estrellas são as mais benignas, e se mostram sempre alegres: os horisontes, ou nasça o sol, ou se sepulte, estão sempre claros: as aguas ou se tomem nas fontes pelos campos, ou dentro das povoações nos aqueductos, são as mais puras: é emfim o Brazil terreal paraiso descuberto, onde tem nascimento e curso os maiores rios; domina salutifero clima (sic); influem benignos astros, e respiram auras suavissimas, que o fazem fertil e povoado de innumeraveis habitantes, posto que por ficar debaixo da Torrida Zona, o desacreditassem, e dessem por inhabitavel Aristoteles, Plinio, e Cicero, e com gentios os padres da igreja santo Agostinho, e Beda, que a terem experiencia d'este feliz orbe, seria famoso assumpto das suas elevadas pennas, aonde a minha receia voar, posto que o amor da patria me dê azas, e a sua grandeza me dilate a esfera.»[24]
Aconselhamos aos alliciadores a conveniencia de mandarem acrescentar as palavras que ahi deixamos transcriptas nos cartazes que costumam affixar nos troncos dos carvalhos dispersos pela natureza nas proximidades das vivendas dos nossos proletarios do norte. Os capitães dos barcos conseguirão assim mais facilmente o lastro desejado!...
Condemnamos o estylo empregado nos trechos citados de um e outro escriptor, ambos com pretenções a historiadores, porque esse estylo, segundo Lamartine, «é a magica de que o homem se serve, muitas vezes com feliz successo, para fazer admittir paradoxos como verdades e sophismas como excellentes raciocinios.»
A imparcialidade da historia, dizia o referido escriptor, não é como a do espelho que reflecte os objectos; é a do juiz que vê, escuta e julga. Para que ella mereça este nome, é-lhe mister uma consciencia. A narração vivificada pela imaginação, reflectida e julgada pela sabedoria, eis a historia.
Quem não sabe escrever a historia assim, deve quebrar a penna antes de profanal-a.
Mas aos agentes do Brazil, convem desvirtuar tudo, convencidos como estão, de que podem chegar mais facilmente a seus fins—o interesse particular.
Que lhes importa a elles a historia?...
É moda hoje erigirem-se estatuas aos pygmeos da actualidade! E que importa que a posteridade, que costuma erigil-as aos verdadeiros heroes, venha derrubal-as para cima dos tumulos da ignominia? que se afundam as estatuas na lama em que vegetavam os miseros animalucos, transformados, n'um momento de delirio, de hypocritas em Catões?
Podereis acaso, mumias lodosas, fazer fallar o pó a que infallivelmente estarão reduzidos os vossos pergaminhos e as vossas lucubrações?
Não, que a verdadeira historia, quando se demora um pouco para dar realce a qualquer vulto digno, se alguma vez lança mão d'esses pygmeus, é para os esmagar!
O governo do Brazil deu o passo errado de libertar os escravos antes de criar as leis, que regulassem o trabalho no imperio.
Devia, como já o dissemos em outro logar, ter educado os naturaes a desempenhar o papel, que outr'ora representava o trabalhador africano. Ninguem melhor do que o indigena podia substituir o escravo; mas a lei que libertára este mostrou ao mundo a inutilidade d'aquelle. É o que hoje estamos vendo. A agricultura definha de dia para dia, á maneira que o antigo trabalhador se liberta; e o Brazil abre os braços suplices aos europeus, para que o livrem do abysmo em que pouco a pouco se vae precipitando. Por isso os seus homens d'estado lançam mão de qualquer meio, sem previamente lhe conhecer a utilidade. Similhante ao naufrago, em pleno oceano, a vaga que ha de matal-o, se lhe afigura a taboa da salvação. Não se contenta com a fama das riquezas ephemeras, fama que em todas as épocas assombrou o mundo. Destaca agentes para Portugal, onde as vozes descompassadas dos engajadores não pódem formar écho além das nossas fronteiras. Gasta fabulosas sommas, com esses engajadores que em troco, fazem transportar para o Brazil algumas centenas de braços, que, afinal, não compensam as despezas feitas; porque, além do numero de colonos ser limitadissimo; o europeu, uma vez chegado ás margens d'esse paiz de fadas, convertido no que realmente é—cemiterio do proletario—vê-se na impossibidade de empregar as suas já quebrantadas forças, por effeito do clima, no serviço arduo de arrotear aquellas terras, que por todos espalha o desanimo e a morte. E os homens do Brazil dormem á sombra dos combates illustres da guerra do Paraguay, esperando, sem duvida, que do ceu lhe cáia o orvalho vivificador, promettido pelo auctor do livro que analysamos!