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IV

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«A emancipação do escravo, caminho resvaladio para a extincção definitiva d'esse abominavel cancro, que tanto tem afeiado os codigos das nações mais civilisadas, e as ultimas disposições da lei, tendentes a facilitar a naturalisação dos estrangeiros, ao passo que revelam o cuidado, que põe o governo brazileiro em dar certo cunho de homogeneidade á legislação civil do imperio, acabam igualmente por convencer que o seu pensamento predominante é o de reunir, sob o céo esplendido do Cruzeiro, os individuos de todas as naturalidades, que alli quizerem ter por patria commum—o trabalho[25]

Analysemos a emancipação do escravo, quanto baste para demonstrar, que aos homens que collaboraram na lei do imperio, n.º 2040, não presidiam só as leis da humanidade, que, ainda assim, não devemos negar a outras nações mais cultas; mas tambem a ideia de se imporem ás outras nações, como quem tinha estudado, bem de perto, e com melhor exito, uma questão tão complexa; parecendo querer corrigil-as da sua morosidade, na destruição do cancro, e quiçá da creação d'elle, cancro que talvez o Brazil não creára se fosse dirigido pelos homens que em 1871 estavam á testa dos negocios do imperio!

Não negamos as vantagens moraes da abolição da escravatura, mas negamos a apregoada phylantropia d'aquelles que ensinámos a ser humanos.

Um conjuncto de circumstancias, que seria fastidioso enumerar, e que não comporta este trabalho concorreram para o commercio da escravatura no Brazil, levando a melhor parte n'esta deshumana ideia os jezuitas que, desde a primitiva, dominaram na America meridional. Fosse que elles reconhecessem a inutilidade de empregarem os naturaes—por demasiadamente indolentes—na exploração de tão feracissimo solo, fosse por sua demasiada ambição, o que é certo é que os governos de Portugal se insurgiram sempre contra tão abominavel commercio, dando provas as mais honrosas da sua humanidade pelas victimas.

Foi Portugal uma das primeiras nações que deu o passo para a liberdade dos escravos; mas quando julgou dever dar esse passo, fel-o mais por humanidade do que por jactancia.

Estudou a questão por todos os lados, e quando se convenceu que a destruição d'um mal lhe não accarretaria outro, deu o golpe com as cautellas aconselhadas pela prudencia dos verdadeiros homens d'estado.

E o que fez o Brazil? Estudou a questão em toda a sua plenitude? Destruindo o mal da escravatura preta não crearia outro mal a escravatura branca?

Era preciso estudar bem um assumpto tão milindroso, para que, com o bem moral, que infallivelmente havia de succeder a essa liberdade, não começassem a sentir-se os effeitos materiaes e horrorosos do prostramento da agricultura do imperio, pela falta de braços, e terem os homens de estado, para salval-a, que lançar mão d'um mal peior do que aquelle que haviam fulminado—a escravatura branca.

Estudaram elles esta questão? Não.

Na época em que a lei apontava aos escravos a sua liberdade, existiam quatro milhões d'aquelles infelizes; e os legisladores brazileiros calculavam, que, d'ahi a vinte annos, quando os escravos estivessem completamente forros, existiriam mais de 20 milhões de braços livres. A fecundidade do africano é superior á de outra qualquer raça, e d'ahi a extraordinaria multiplicidade de braços; mas o africano, geralmente fallando, uma vez livre, é tão inutil como qualquer indigena dos tropicos.

O Brazil, com a sua apregoada falta de braços e com o definhamento da sua agricultura, corrobora a nossa asserção.

Effectivamente, se no tempo da escravatura, se não precisava do braço europeu para o desbravamento das terras, como é que hoje que o Brazil deve abrigar em seu seio maior numero de braços de origem africana, em quem tanto confiava, vem á Europa mendigal-os para a sua decadente agricultura?

Sobre a situação do imperio com respeito ao elemento servil disiamos ha pouco:

«D'aqui a dez ou quinze annos, quando estiver extincta a escravatura no Brazil, sem que o governo tenha remediado este grande mal e os lavradores, faltos de recursos materiaes liquidarem as suas fortunas e procurarem, como é natural, melhor emprego para o seu capital, chegará então o grande imperio americano ao ultimo grau da sua decadencia; porque, uma vez livre o elemento escravo, que no Brazil é e ha de ser sempre a alma da lavoura, ninguem mais poderá faser trabalhar o preto que com o salario de um dia, se julga habilitado para comer 15 ou 20.»[26]

Não eramos só nós que assim pensavamos. Ao tempo em que isto escreviamos, já estava tambem escripto, mas não publicado, o seguinte:

«A moderna lei do elemento servil, que posto não minorasse os instrumentos do trabalho tende á sua progressiva diminuição, compelle o Brazil a empregar todos os exforços para adquirir braços que lhe substituam os que aquella lei inutilisou com a liberdade, pois que o escravo entendo que esta só consiste em não trabalhar.»[27]

Aniquilando o imperio, podem chamar-se humanos os seus aniquiladores?

Consentindo o governo do Brazil na escravatura branca, que outra cousa não são os engajamantos que ora se fazem, não é ser tambem deshumano?

Que nos respondam os homens conscienciosos.

Portugal e Brazil: emigração e colonisação

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