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CAPITULO X O juramento

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Tambem ficou dito que o marido saiu da victoria e caminhou para o coupé, onde a mulher e a cunhada, adivinhando que elle vinha ter com ellas, sorriam de ante-mão.

—Não lhe digas nada, aconselhou Perpetua.

A cabeça de Santos appareceu logo, com as suissas curtas, o cabello rente, o bigode rapado. Era homem sympathico. Quieto, não ficava mal. A agitação com que chegou, parou e falou tirou-lhe a gravidade com que ia no carro, as mãos postas sobre o castão de ouro da bengala, e a bengala entre os joelhos.

—Então? então? perguntou.

—Logo digo.

—Mas que foi?

—Logo.

—Bem ou mal? Dize só se bem.

—Bem. Cousas futuras.

—É pessoa séria?

—Séria, sim; até logo, repetiu Natividade estendendo-lhe os dedos.

Mas o marido não podia despegar-se do coupé; queria saber alli mesmo tudo, as perguntas e as respostas, a gente que lá estava á espera, e se era o mesmo destino para os dous, ou se cada um tinha o seu. Nada disso foi escripto como aqui vae, devagar, para que a ruim letra do autor não faça mal á sua prosa. Não, senhor; as palavras de Santos sairam de atropello, umas sobre outras, embrulhadas, sem principio ou sem fim. A bella esposa tinha já as orelhas tão affeitas ao falar do marido, mórmente em lances de emoção ou curiosidade, que entendia tudo, e ia dizendo que não. A cabeça e o dedo sublinhavam a negativa. Santos não teve remedio e despediu-se.

Em caminho, advertiu que, não crendo na cabocla, era ocioso instar pela predicção. Era mais; era dar razão á mulher. Prometteu não indagar nada quando voltasse. Não prometteu esquecer, e dahi a teima com que pensou muitas vezes no oraculo. De resto, ellas lhe diriam tudo sem que elle perguntasse nada, e esta certeza trouxe a paz do dia.

Não concluas daqui que os freguezes do banco padecessem alguma desattenção aos seus negocios. Tudo correu bem, como se elle não tivesse mulher nem filhos ou não houvesse Castello nem cabocla. Não era só a mão que fazia o seu officio, assignando; a bôca ia falando, mandando, chamando e rindo, se era preciso. Não obstante, a ancia existia e as figuras passavam e repassavam deante delle; no intervallo de duas letras, Santos resolvia uma cousa ou outra, se não eram ambas a um tempo. Entrando no carro, á tarde, agarrou-se inteiramente ao oraculo. Trazia as mãos sobre o castão, a bengala entre os joelhos, como de manhã, mas vinha pensando os destino dos filhos.

Quando chegou a casa, viu Natividade a contemplar os meninos, ambos nos berços, as amas ao pé, um pouco admiradas da insistencia com que ella os procurava desde manhã. Não era só fital-os, ou perder os olhos no espaço e no tempo; era beijal-os tambem e apertal-os ao coração. Esqueceu-me dizer que, de manhã, Perpetua mudou primeiro de roupa que a irmã e foi achal-a deante dos berços, vestida como viera do Castello.

—Logo vi que você estava com os grandes homens, disse ella.

—Estou, mas não sei em que é que elles serão grandes.

—Seja em que fôr, vamos almoçar.

Ao almoço e durante o dia, falaram muita vez da cabocla e da predicção. Agora, ao ver entrar o marido, Natividade leu-lhe a dissimulação nos olhos. Quiz calar e esperar, mas estava tão anciosa de lhe dizer tudo, e era tão boa, que resolveu o contrario. Unicamente não teve o tempo de cumpril-o; antes mesmo de começar, já elle acabava de perguntar o que era. Natividade referiu a subida, a consulta, a resposta e o resto; descreveu a cabocla e o pae.

—Mas então grandes destinos?

—Cousas futuras, repetiu ella.

—Seguramente futuras. Só a pergunta da briga é que não entendo. Brigar porquê? E brigar como? E teriam deveras brigado?

Natividade recordou os seus padecimentos do tempo da gestação, confessando que não falou mais delles para o não affligir; naturalmente é o que a outra adivinhou que fosse briga.

—Mas briga porquê?

—Isso não sei, nem creio que fosse nada mau.

—Vou consultar...

—Consultar a quem?

—Uma pessoa.

—Já sei, o seu amigo Placido.

—Se fosse só amigo não consultava, mas elle é o meu chefe e mestre, tem uma vista clara e comprida, dada pelo céu... Consulto só por hypothese, não digo os nossos nomes...

—Não! não! não!

—Só por hypothese.

—Não, Agostinho, não fale disto. Não interrogue ninguem a meu respeito, ouviu? Ande, prometta que não falará disto a ninguem, spiritas nem amigos. O melhor é calar. Basta saber que terão sorte feliz. Grandes homens, cousas futuras... Jure, Agostinho.

—Mas você não foi em pessoa á cabocla?

—Não me conhece, nem de nome; viu-me uma vez, não me tornará a ver. Ande, jure!

—Você é exquisita. Vá lá, prometto. Que tem que falasse, assim, por acaso?

—Não quero. Jure!

—Pois isto é cousa de juramento?

—Sem isso, não confio, disse ella sorrindo.

—Juro.

—Jure por Deus Nosso Senhor!

—Juro por Deus Nosso Senhor.

Esau e Jacob

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