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ELEGIA

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A bondade choremos innoccente

Cortada em flôr que, pela mão da morte,

Nos foi arrebatada d'entre a gente.

CAMÕES.

Se, como outr'ora, nas florestas virgens,

Nos fosse dado—o esquife que te encerra

Erguer a um galho de arvore frondosa,

Certo, não tinhas um melhor jazigo

Do que alli, ao ar livre, entre os perfumes

Da florente estação, imagem viva

De teus cortados dias, e mais perto

Do clarão das estrellas.


Sobre teus pobres e adorados restos,

Piedosa a noite, alli derramaria

Do seus negros cabellos puro orvalho;

Á beira do teu ultimo jazigo

Os alados cantores da floresta

Iriam sempre modular seus cantos;

Nem letra, nem lavor de emblema humano,

Relembraria a mocidade morta;

Bastava só que ao coração materno,

Ao do esposo, ao dos teus, ao dos amigos,

Um aperto, uma dôr, um pranto occulto,

Dissesse:—Dorme aqui, perto dos anjos,

A cinza de quem foi gentil transumpto

De virtudes e graças.


Mal havia transposto da existencia.

Os dourados umbraes; a vida agora

Sorria-lhe toucada dessas flôres

Que o amor, que o talento e a mocidade

Á uma repartiam.


Tudo lhe era presagio alegre e doce;

Uma nuvem sequer não sombreava,

Em sua fronte, o iris da esperança;

Era, emfim, entre os seus a copia viva

Dessa ventura que os mortaes almejam,

E que raro a fortuna, avessa ao homem,

Deixa gozar na terra.


Mas eis que o anjo pallido da morte

A presentiu feliz e bella e pura,

E, abandonando a região do olvido,

Desceu á terra, e sob a aza negra

A fronte lhe escondeu; o fragil corpo

Não pôde resistir; a noite eterna

Veio fechar seus olhos;

Emquanto a alma abrindo

As azas rutilantes pelo espaço,

Foi engolfar-se em luz, perpetuamente,

No seio do infinito;

Tal a assustada pomba, que na arvore

O ninho fabricou,—se a mão do homem

Ou a impulsão do vento um dia abate

O recatado asylo,—abrindo o vôo,

Deixa os inuteis restos

E, atravessando airosa os leves ares,

Vai buscar n'outra parte outra guarida.


Hoje, do que ora inda lembrança resta,

E que lembrança! Os olhos fatigados

Parecem ver passar a sombra della;

O attento ouvido inda lhe escuta os passos;

E as teclas do piano, em que seus dedos

Tanta harmonia despertavam antes,

Como que soltam essas doces notas

Que outr'ora ao seu contacto respondiam.


Ah! pezava-lhe este ar da terra impura,

Faltava-lhe esse alento de outra esphera,

Onde, noiva dos anjos, a esperavam

As palmas da virtude.


Mas, quando assim a flôr da mocidade

Toda se esfolha sobre o chão de morte,

Senhor, em que firmar a segurança

Das venturas da terra? Tudo morre;

Á sentença fatal nada se esquiva,

O que é fructo e o que é flôr. O homem cego

Cuida haver levantado em chão de bronze

Um edificio resistente aos tempos,

Mas lá vem dia, em que, a um leve sopro,

O castello se abate,

Onde, doce illusão, fechado havias

Tudo o que de melhor a alma do homem

Encerra de esperanças.


Dorme, dorme tranquilla

Em teu ultimo asylo; e se eu não pude

Ir espargir tambem algumas flôres

Sobre a lagea da tua sepultura;

Se não pude,—eu que ha pouco te saudava

Em teu erguer, estrella,—os tristes olhos

Banhar nos melancolicos fulgores,

Na triste luz do teu recente occaso,

Deixo-te ao menos nestes pobres versos

Um penhor de saudade, e lá na esphera

Aonde approuve ao Senhor chamar-te cedo,

Possas tu ler nas pallidas estrophes

A tristeza do amigo.

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