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II

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A minha alma, talvez, não é tão pura,

Como era pura nos primeiros dias;

Eu sei: tive choradas agonias

De que conservo alguma nodoa escura,


Talvez. Apenas á manhã da vida

Abri meus olhos virgens e minha alma,

Nunca mais respirei a paz e a calma,

E me perdi na porfiosa lida.


Não sei que fogo interno me impellia

Á conquista da luz, do amor, do gozo,

Não sei que movimento imperioso

De um desusado ardor minha alma enchia.


Corri de campo em campo e plaga em plaga.

(Tanta ansiedade o coração encerra!)

A ver o lyrio que brotasse a terra,

A ver a escuma que cuspisse—a vaga.


Mas, no areal da praia, no horto agreste,

Tudo aos meus olhos avidos fugia...

Desci ao chão do valle que se abria,

Subi ao cume da montanha alpestre.


Nada! Volvi o olhar ao céu. Perdi-me

Em meus sonhos de moço e de poeta;

E contemplei, nesta ambição inquieta,

Da muda noite a pagina sublime.


Tomei nas mãos a cythara saudosa,

E soltei entre lagrimas um canto...

A terra brava recebeu meu pranto

E o éco repetiu-me a voz chorosa.


Foi em vão. Como um languido suspiro,

A voz se me calou, e do invio monte

Olhei ainda as linhas do horizonte,

Como se olhasse o ultimo retiro.


Nuvem negra e veloz corria solta

O anjo da tempestade annunciando;

Vi ao longe as alcyones cantando

Doidas correndo á flôr da agua revolta.


Desilludido, exausto, ermo, perdido,

Busquei a triste estancia do abandono,

E esperei, aguardando o ultimo somno,

Volver á terra, de que foi nascido.


—«Ó Cybele fecunda, é no remanso

Do teu seio—que vive a creatura,

Chamem-te outros morada triste e escura,

Chamo-te gloria, chamo-te descanso!»


Assim fallei. E murmurando aos ventos

Uma blasphemia atroz—estreito abraço

Homem e terra uniu, e em longo espaço

Aos écos repeti meus vãos lamentos.


Mas, tu passaste... Houve um grito

Dentro de mim. Aos meus olhos

Visão de amor infinito,

Visão de perpetuo gozo

Perpassava e me attrahia,

Como um sonho voluptuoso

De sequiosa fantasia.

Ergui-me logo do chão,

E pousei meus olhos fundos

Em teus olhos soberanos,

Ardentes, vivos, profundos,

Como os olhos da belleza

Que das escumas nasceu...

Eras tu, maga visão

Eras tu o ideal sonhado

Que em toda a parte busquei,

E por quem houvera dado

A vida que fatiguei;

Por quem verti tanto pranto,

Por quem nos longos espinhos

Minhas mãos, meus pés sangrei!


Mas se minh'alma, acaso, é menos pura

Do que era pura nos primeiros dias,

Porque não soube em tantas agonias

Abençoar a minha desventura;


Se a blasphemia os meus labios polluira,

Quando, depois do tempo e do cansaço,

Beijei a terra no mortal abraço

E espedacei desanimado a lyra;


Podes, visão formosa e peregrina,

No amor profundo, na existencia calma,

Desse passado resgatar minha alma

E levantar-me aos olhos teus,—Corinna!

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