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Prólogo

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Cracóvia, Polónia

Junho 2016

A mulher que vejo perante mim não é de todo aquela que eu esperava.

Dez minutos antes, diante do espelho do meu quarto de hotel, estava a escovar uns fiapos do punho da minha blusa azul-celeste e a ajeitar um dos meus brincos de pérolas. O desgosto apoderou-se de mim. Tinha-me tornado na viva imagem de uma mulher de setenta anos: cabelo grisalho curto e prático, fato de calças e casaco a aconchegar o meu corpo robusto de forma mais apertada do que há um ano.

Afaguei o ramo de flores frescas na mesa de cabeceira, eram flores de um vermelho vivo embrulhadas em papel pardo. Então, dirigi-me à janela. O Hotel Wentzl, uma mansão do século XVI restaurada, situava-se na esquina sudoeste da Rynek Główny, a imensa praça do mercado da cidade. Escolhi o local deliberadamente, garantindo que o meu quarto tivesse a vista certa. A praça, com o seu canto sul côncavo a conferir-lhe a aparência de uma peneira, fervilhava de atividade. Os turistas amontoavam-se entre as igrejas e as bancas de lembranças do Sukiennice, o gigantesco mercado de tecidos que dividia a praça. Naquele fim de tarde quente, grupos de amigos juntavam-se nas esplanadas dos cafés para tomarem um copo depois do trabalho, enquanto os trabalhadores carregados se apressavam para chegar a casa, de olhos postos nas nuvens que escureciam sobre o Castelo Wawel, a sul.

Eu já tinha estado em Cracóvia duas vezes, a primeira logo após a queda do comunismo e, novamente, dez anos depois, quando comecei a minha investigação mais a sério. Fui imediatamente conquistada pela joia oculta que era aquela cidade. Embora eclipsada pelos reclames turísticos de Praga e Berlim, o centro histórico de Cracóvia, com as suas catedrais imaculadas e casas de pedra restauradas ao seu esplendor original, era um dos mais elegantes de toda a Europa.

Em cada uma das minhas visitas, notei a cidade muito mudada, tudo sempre mais brilhante e novo, tudo «melhor» aos olhos dos habitantes locais, que tinham passado por muitos anos de dificuldades e estagnação do progresso. As casas outrora cinzentas tinham sido pintadas de amarelos e azuis vivos, transformando as ruas antigas numa versão cinematográfica de si próprias. Os habitantes também eram um exemplo de contradição: jovens vestidos com roupas modernas falavam ao telemóvel enquanto caminhavam, alheios aos camponeses que vendiam camisolas de lã e queijo de ovelha em oleados estendidos no chão e a uma babcia de lenço na cabeça, sentada no pavimento, a pedir esmola. Sob a montra de uma loja que anuncia pacotes de WiFi e Internet, os pombos debicavam as pedras duras da praça do mercado como faziam há séculos. Debaixo de tanta modernidade e polimento, a arquitetura barroca da Cidade Velha resplandecia com audácia, uma história impossível de negar.

Mas não foi a história que me trouxe cá, pelo menos não essa história.

Quando o trompetista da torre da igreja Mariacki começou a tocar o Hejnał, assinalando a hora certa, observei o canto noroeste da praça, à espera de que a mulher aparecesse às cinco como fazia todos os dias. Não a vi e perguntei-me se não viria hoje, e, nesse caso, a minha viagem do outro lado do mundo teria sido em vão. No primeiro dia, quis ter a certeza de que ela era a pessoa correta. No segundo, tinha intenção de falar com ela, mas não tive coragem. Amanhã volto para casa, para a América. Era a minha última oportunidade.

Finalmente, ela apareceu ao virar da esquina da farmácia, o guarda-chuva bem enfiado debaixo do braço. Atravessou a praça a um ritmo surpreendente para uma mulher de quase noventa anos. Não estava curvada; tinha as costas direitas e altas. O seu cabelo branco estava apanhado num carrapito frouxo no alto da cabeça, mas algumas farripas soltas emolduravam-lhe o rosto. Em contraste com a minha roupa sóbria, ela envergava uma saia de cores vivas, com um estampado vibrante. O tecido reluzente parecia dançar por vontade própria em torno dos seus tornozelos enquanto andava e quase que conseguia ouvir o seu farfalhar.

A sua rotina era familiar, idêntica à dos dois dias anteriores, quando a vi dirigir-se para o Café Noworolski e pedir a mesa mais distante da praça, protegida da agitação e do bulício pelo arco profundo da entrada do prédio. Da última vez que vim a Cracóvia, ainda andava à procura. Agora sabia quem ela era e onde encontrá-la. A única coisa a fazer era ganhar coragem e abordá-la.

A mulher sentou-se à mesa, na mesma mesa de canto de sempre, e abriu o jornal. Ela não fazia ideia de que estávamos prestes a encontrar-nos, ou sequer de que eu estava viva.

Ao longe, ouviu-se o estrondo de um trovão. Começaram a cair uns pingos, salpicando os paralelepípedos como lágrimas negras. Tinha de me despachar. Se o café fechasse e a mulher se fosse embora, esfumar-se-ia tudo aquilo que vim buscar.

Ouvi as vozes dos meus filhos a dizerem que, na minha idade, era muito perigoso viajar para tão longe sozinha, que não havia motivo, nada mais para aprender ali. Eu devia partir e ir para casa. Não faria diferença a ninguém.

Exceto para mim, e para ela. Ouvi a sua voz na minha cabeça como imaginava que seria, a relembrar-me ao que tinha vindo.

Mentalizada, peguei nas flores e saí do quarto.

Lá fora, comecei a atravessar a praça. Então parei novamente. Dúvidas ecoavam no meu cérebro. Porque é que vim de tão longe? De que é que andava à procura? Obstinadamente, prossegui, sem sentir as gotas grossas que me salpicavam a roupa e o cabelo. Cheguei ao café e passei por mesas de clientes que pagavam as suas contas e se preparavam para sair à medida que a chuva caía com mais força. Quando me aproximei da mesa, a mulher de cabelo branco levantou o olhar do jornal. Os seus olhos arregalaram-se.

De perto, consigo ver o seu rosto. Consigo ver tudo. Fico imóvel, paralisada.

A mulher que vejo perante mim não é de todo aquela que eu esperava.

A mulher da estrela azul

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