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2 Ella

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Cracóvia, Polónia

Junho 1942

Era uma noite quente de início de verão quando atravessei a praça do mercado, e deambulei entre as aromáticas bancas de flores instaladas à sombra do mercado de tecidos, que exibiam flores que poucos tinham dinheiro para comprar. Ou vontade. As esplanadas dos cafés, menos movimentados do que outrora numa noite tão agradável, ainda estavam abertas e ganhavam a noite a servir cerveja a soldados alemães e a alguns outros temerários que ousavam juntar-se a eles. Não olhando com demasiada atenção, até poderia parecer que nada tinha mudado.

Claro que tudo tinha mudado. Cracóvia era uma cidade ocupada há quase três anos. Bandeiras vermelhas com suásticas pretas no centro ondulavam no Sukiennice, o longo corredor amarelo do mercado de tecidos situado no meio da praça, tal como na torre de tijolo do Ratusz, ou na câmara municipal. A praça Rynek chamava-se agora Adolf-Hitler-Platz e os centenários nomes polacos das ruas tinham sido substituídos por Reichsstrasse e Wehrmachtstrasse, e por aí fora. Hitler tinha designado Cracóvia como sede do Governo-Geral e a cidade estava a abarrotar de brutamontes das SS e outros soldados alemães, que caminhavam pelos passeios em filas de três e quatro, obrigando os outros transeuntes a desviar-se do seu caminho e assediando a seu bel-prazer os polacos normais. Numa esquina, um rapaz de calções vendia o Krakauer Zeitung, o pasquim propagandístico alemão que tinha substituído o nosso próprio jornal. «Partes baixas» era o que as pessoas lhe chamavam em sussurros irreverentes que insinuavam que só servia para limpar o traseiro.

Apesar do horror das mudanças, ainda era bom poder sair, sentir o sol a aquecer-me o rosto e esticar as pernas num fim de tarde tão lindo. Passeei pelas ruas da Cidade Velha todos os dias de que me lembrava dos meus dezanove anos, primeiro com o meu pai quando criança e depois sozinha. As suas características eram a topografia da minha vida, desde a Barbacã, a torre e o portão medievais no fim da rua Florianska, até ao Castelo Wawel, situado no alto de uma colina com vista para o rio Vístula. Pelos vistos, passear era a única coisa que nem o tempo nem a guerra podiam roubar-me.

Porém, não parei nos cafés. Em tempos, ter-me-ia aí sentado com os meus amigos, a rir e conversar enquanto o sol se punha e as luzes se acendiam à noite, refletindo-se no pavimento em cascatas amarelas. Mas já não havia luzes noturnas, tudo se escureceu por decreto alemão para proteger a cidade de um hipotético ataque aéreo. E já ninguém que eu conhecia combinava encontros. As pessoas saíam menos, relembrava com frequência, pois os convites outrora abundantes agora reduziam-se a nada. Poucos podiam comprar comida suficiente com cartões de racionamento para fazerem festas ou jantares em casa. Toda a gente estava mais preocupada com a própria sobrevivência, e ter companhia era um luxo ao qual não podíamos aspirar.

Mesmo assim, senti uma pontada de solidão. A minha vida era tão calma com o Krys longe que gostava de dar dois dedos de conversa com amigos da minha idade. Pondo os sentimentos de lado, circulei pela praça mais uma vez vendo as montras das lojas, que exibiam moda e outras mercadorias que já praticamente ninguém conseguia pagar. Fazia de tudo para adiar o regresso à casa onde vivia com a minha madrasta.

Mas era uma parvoíce ficar na rua por muito mais tempo. Os alemães tinham a fama de pararem com mais frequência as pessoas para interrogatório e inspeção conforme a noite caía e o toque de recolher obrigatório se aproximava. Saí da praça e comecei a descer a grande via que era a rua Grodzka rumo à casa onde tinha vivido a minha vida inteira, a tão só uns passos do centro da cidade. Então, virei para a rua Kanonicza, um caminho antigo e sinuoso pavimentado com paralelepípedos que a passagem do tempo alisou. Apesar de temer dar de caras com a minha madrasta, a Ana Lucia, a ampla casa que dividíamos ainda era uma visão gratificante. Com a sua fachada amarela brilhante e floreiras bem cuidadas nas janelas, era mais agradável do que qualquer coisa que os alemães achavam que um polaco merecia. Noutras circunstâncias, decerto teria sido confiscada para um oficial nazi.

Enquanto estava à frente da casa, memórias da minha família dançaram diante dos meus olhos. As visões da minha mãe, que morreu de gripe quando eu era pequena, eram as mais esbatidas. Eu era a mais nova de quatro filhos e tinha ciúmes dos meus irmãos, que tinham privado tantos anos com a nossa mãe, que eu mal conhecera. As minhas irmãs eram ambas casadas, uma com um advogado de Varsóvia e a outra com um capitão de navio de Gdansk.

O meu irmão, o Maciej, mais próximo de mim em idade, era de quem eu tinha mais saudades. Embora fosse oito anos mais velho, arranjava sempre um tempinho para brincar e conversar comigo. Era diferente dos outros; não tinha interesse em casamento, nem nas opções de carreira que o meu pai queria para ele. Então, aos dezassete anos, fugiu para Paris, onde morava com um homem chamado Phillipe. Claro que o Maciej não escapou do longo braço dos nazis. Eles também controlavam Paris, turvando o que ele outrora chamava de Cidade das Luzes. Mas as suas cartas continuavam otimistas e eu esperava que as coisas estivessem pelo menos um pouco melhores por lá.

Durante anos depois de os meus irmãos terem saído de casa, éramos apenas eu e o meu pai, a quem sempre chamei Tata. Então, ele começou a fazer viagens a Viena relacionadas com o seu negócio de impressão com mais frequência do que antes. Um dia voltou com a Ana Lucia, com quem casou sem me avisar. Na primeira vez em que a vi, soube logo que a odiaria. Vestia um casaco de pele grosso com a cabeça do animal ainda presa à gola. Os olhos do coitadinho encararam-me com pena, cheios de recriminação. Uma lufada do seu cheiro muito forte a jasmim encheu-me o nariz enquanto ela beijava a minha face no ar, a sua respiração quase um assobio. Pude perceber, pelo modo frio como me avaliou no nosso primeiro encontro, que eu não era desejada, como os móveis escolhidos por outra pessoa, aos quais estava presa porque vinham com a casa.

Quando a guerra estourou, o Tata decidiu renovar a sua comissão no exército. Na sua idade, decididamente não precisava de ir. Mas decidiu servir por um sentido de dever, não apenas para com o país, mas para com os jovens soldados, quase meninos, alguns dos quais não eram nascidos da última vez que a Polónia entrara numa guerra.

O telegrama não demorou a chegar: desaparecido, dado como morto na frente oriental. Os meus olhos ardiam ao pensar no Tata, a dor tão acutilante como no dia em que soubemos da notícia. Às vezes, sonhava que ele tinha sido capturado e voltaria para nós depois da guerra. Outras vezes, ficava com raiva: como é que ele podia ter partido deixando-me sozinha com a Ana Lucia? Ela era como a madrasta malvada das histórias infantis, só que pior pois era de verdade.

Cheguei à porta arqueada de carvalho da nossa casa e comecei a rodar a maçaneta de bronze. Parei ao ouvir vozes escandalosas vindas do interior. A Ana Lucia tinha visitas outra vez.

As festas da minha madrasta sempre eram barulhentas. Ela chamava-lhes soirées, fazendo-as parecer mais grandiosas do que realmente eram. Pareciam consistir em qualquer comida decente que pudesse ser encontrada nos dias que corriam, combinada com várias garrafas de vinho da adega cada vez menor do meu pai e um pouco de vodca do congelador, bastante aguada para render. Antes da guerra, até ia às suas festas, que estavam cheias de artistas, músicos e intelectuais. Adorava ouvir os seus debates animados, as ideias discutidas pela noite dentro. Mas todas essas pessoas tinham debandado, tendo fugido para a Suíça ou para a Inglaterra se conseguissem; os menos sortudos tinham sido presos e mandados embora. Todos eles foram substituídos por convidados da pior espécie: alemães, quanto mais alta a patente, melhor. A Ana Lucia era muito pragmática. No início da guerra, ela admitira a necessidade de fazer dos nossos captores amigos. Ao fim de semana, a nossa mesa enchia-se de brutamontes de pescoço grosso que conspurcavam a casa com fumo de charuto e sujavam os tapetes com as botas enlameadas que não se dignavam a limpar à porta.

Ao princípio, a Ana Lucia argumentava que o objetivo da confraternização com os alemães era obter informações sobre o meu pai. Isso foi nos primeiros dias, quando ainda esperávamos que pudesse estar preso ou desaparecido em combate. Mas então recebemos a notícia da sua morte e ela continuou a conviver com os alemães mais do que nunca. Era como se, livre do pretexto do casamento, ela pudesse ser exatamente tão horrível quanto queria ser.

Como era óbvio, eu não ousava confrontar a minha madrasta sobre o seu comportamento vergonhoso. Como o meu pai fora declarado morto sem testamento, a casa e todo o seu dinheiro ficariam legalmente em nome dela. Ela teria o maior prazer em desfazer-se de mim caso lhe criasse problemas, substituir a mobília que, em primeira instância, ela nunca quis. Eu ficaria sem nada. Por isso, era muito discreta. A Ana Lucia gostava de me relembrar muitas vezes que era devido ao facto de ela ter caído nas boas graças dos alemães que permanecíamos na nossa bela casa com comida suficiente e os carimbos apropriados no nosso Kennkarten que nos permitiam circular livremente pela cidade.

Afastei-me da porta de entrada. Da calçada, olhei com tristeza pela janela da frente da nossa casa para o serviço de porcelana e os copos de cristal, tão familiares. Mas não via os estranhos horrendos que agora usufruíam das nossas coisas. Em vez disso, o meu imaginário estava repleto de visões da minha família: eu a querer brincar às bonecas com as minhas irmãs muito mais velhas; a minha mãe a ralhar com o Maciej por ele me perseguir à volta da mesa e poder partir os objetos. Quando somos jovens, esperamos que a família na qual nascemos seja nossa para sempre. O tempo e a guerra fizeram com que esse não fosse o caso.

Temendo a companhia da Ana Lucia mais do que o toque de recolher obrigatório, afastei-me de casa e comecei a andar novamente, sem saber bem para onde me dirigia. Estava quase escuro e os parques estavam vedados aos polacos comuns, bem como a maioria dos melhores cafés, restaurantes e salas de cinema também. A minha indecisão nesse momento parecia ser o reflexo da minha vida mais abrangente, encurralada numa espécie de terra de ninguém. Não tinha para onde ir e ninguém com quem ir. Como moradora daquela Cracóvia ocupada, sentia-me como um pássaro de estimação, capaz de voar um bocadinho, mas sempre consciente de estar presa numa gaiola.

Poderia não ser assim se o Krys ainda ali estivesse, refleti enquanto me dirigia de novo à praça Rynek. Imaginei um mundo diferente em que a guerra não o tivesse obrigado a partir. Agora estaríamos a planear o casamento, quem sabe até já estivéssemos casados.

Eu e o Krys encontrámo-nos por acaso quase dois anos antes do início da guerra, quando eu e os meus amigos parámos para tomar um café num estabelecimento onde ele estava a fazer uma entrega. Alto e de ombros largos, era uma figura que dava nas vistas ao atravessar a passagem transportando um grande caixote. Tinha feições austeras, que pareciam esculpidas em pedra, e um olhar leonino que parecia abranger toda a sala. Quando passou pela nossa mesa, uma cebola caiu do caixote e rebolou até perto de mim. Ele ajoelhou-se para a apanhar, olhou para mim e sorriu. «Estou aos seus pés.» Às vezes pergunto-me se deixou cair o vegetal de propósito ou se foi o destino que o enviou a rodopiar na minha direção.

Convidou-me para sair nessa mesma noite. Eu deveria ter dito que não; era impróprio aceitar um encontro de forma tão repentina. Mas fiquei intrigada e, depois de um jantar de algumas horas, apaixonada. Não foi só a aparência que me atraiu nele. O Krys era diferente de todas as pessoas que conhecia. Tinha uma energia que parecia encher a sala e fazer todos os presentes desaparecerem. Embora proviesse de uma família operária e não tivesse concluído o ensino secundário, muito menos frequentado a faculdade, era um autodidata cujas ideias ousadas sobre o futuro e como o mundo deveria ser, o faziam parecer muito maior do que qualquer outra coisa em volta. Era a pessoa mais inteligente que já tinha conhecido. E ouviu as minhas opiniões de uma forma que ninguém fizera.

Começámos a passar todo o nosso tempo livre juntos. Éramos um casal improvável: eu era sociável e gostava de festas e amigos. Ele era um solitário que evitava multidões e preferia conversas profundas enquanto fazia longas caminhadas. O Krys amava a natureza e mostrou-me lugares de rara beleza fora da cidade, florestas antigas e ruínas de castelos enterrados nas profundezas da floresta que eu não sabia que existiam.

Certa noite, algumas semanas depois de nos conhecermos, estávamos a passear ao longo do alto cume da colina de St. Bronisława, uma colina nos arredores da cidade, a debater acaloradamente uma questão sobre os filósofos franceses, quando notei que me observava intensamente.

— O que é que foi?

— Quando nos conhecemos, esperava que fosses como as outras raparigas — disse ele. — Interessada em coisas superficiais. — Embora pudesse ter ficado ofendida, eu sabia o que ele queria dizer. As minhas amigas pareciam muito interessadas em festas, diversão e no último grito da moda. — Em vez disso, és totalmente diferente.

Em breve, passaríamos todo o nosso tempo livre juntos, a fazer planos para casar, viajar e conhecer o mundo.

Claro que a guerra mudou tudo isso. O Krys não foi recrutado, mas, como o meu pai, alistou-se para ir à luta desde o começo. Ele sempre se importou muito com tudo e a guerra não era uma exceção. Argumentei que, se ele esperasse um pouco, tudo acabaria antes de ele ir, mas o Krys não se deixou persuadir. Pior ainda, acabou tudo comigo antes de partir.

— Não sabemos quanto tempo vou estar fora. — Ou se vais voltar, pensei, uma ideia tão horrível que nenhum dos dois se atrevia a verbalizá-la. — Deves ser livre de conheceres outra pessoa.

Era uma piada. Mesmo que houvesse rapazes em Cracóvia, eu não teria nenhum interesse. Argumentei com mais veemência do que o meu orgulho me permite admitir que não devíamos separar-nos, mas sim ficar noivos ou até mesmo casar antes de ele partir, como tantos outros tinham feito. Se alguma coisa acontecesse, eu queria ter, pelo menos, aquele pedaço dele, ter partilhado aquele vínculo. Mas o Krys queria esperar e, quando metia uma coisa na cabeça, não havia nada no mundo que pudesse demovê-lo. Passámos a última noite juntos, tornando-nos mais íntimos do que deveríamos, porque talvez não houvesse outra oportunidade durante muito tempo, ou talvez nunca mais. Saí a chorar de madrugada, entrando sorrateiramente em casa antes que a minha madrasta se apercebesse da minha ausência.

Embora eu e o Krys já não estivéssemos realmente juntos, ainda o amava. Ele só tinha acabado comigo porque pensava que era o melhor para mim. Tinha a certeza de que, quando a guerra acabasse e ele voltasse em segurança, nos juntaríamos e tudo voltaria ao normal. Então, o exército polaco foi rapidamente derrotado, arrasado pelos tanques e artilharia alemães. Muitos dos homens que tinham ido à luta voltaram, feridos e humilhados. Presumi que o Krys faria o mesmo. Mas ele não voltou. As suas cartas, que já se tinham espaçado e imbuído de um tom mais distante, deixaram de chegar. Onde é que ele estava? Perguntava-mo sem parar. Certamente, eu teria sabido pelos seus pais se ele tivesse sido preso ou pior. Não, o Krys ainda andava algures lá fora, disse a mim própria de forma obstinada. A guerra simplesmente interrompeu o correio. E, assim que pudesse, o Krys voltaria para mim.

À distância, os sinos da igreja Mariacki tocaram, anunciando sete horas. Instintivamente, esperei que o trompetista tocasse o Hejnał como fizera a cada hora durante a maior parte da minha vida. Mas a música do trompetista, um grito de guerra medieval que lembrava como a Polónia tinha repelido hordas invasoras, foi grandemente silenciada pelos alemães, que agora apenas permitiam que tocasse duas vezes por dia. Atravessei novamente a praça do mercado, pensando se valia a pena parar para tomar um café e passar o tempo. Quando me aproximei de um dos cafés, um soldado alemão sentado com outros dois olhou para mim com interesse, com uma intenção inconfundível. Nada de bom viria de me sentar ali. Caminhei apressadamente.

Ao aproximar-me do Sukiennice, avistei duas figuras familiares, de braço dado e a olharem para a montra de uma loja. Encaminhei-me para elas.

— Boa noite.

— Oh, olá. — A Magda, a morena, espreitava por baixo de um chapéu de palha fora de moda há dois anos. A Magda era uma das minhas melhores amigas antes da guerra. Mas não a via ou tinha notícias dela há meses. Ela não me olhou nos olhos.

Ao lado dela, estava a Klara, uma rapariga superficial, com quem nunca simpatizei. Usava um corte de cabelo louro à pajem e sobrancelhas muito altas, o que lhe dava uma expressão de perpétua surpresa.

— Andamos a fazer umas comprinhas e vamos parar para comer qualquer coisa — informou-me ela com altivez.

E não me convidaram.

— Eu teria gostado desse programa — aventurei-me cuidadosamente na direção da Magda. Apesar de não termos falado recentemente, uma parte de mim tinha esperança de que a minha velha amiga tivesse pensado em mim e me tivesse convidado para acompanhá-la.

A Magda não respondeu. Mas a Klara, que sempre teve ciúmes da minha proximidade com à Magda, não mediu as palavras.

— Não te ligámos. Achámos que estarias ocupada com os novos amigos da tua madrasta. — O meu rosto doeu-me como se me tivessem dado uma bofetada. Durante meses, disse a mim própria que as minhas amigas tinham deixado de sair. A verdade é que elas tinham era deixado de sair comigo. Percebi então que o desaparecimento das minhas amigas nada tinha que ver com as adversidades da guerra. Elas evitavam-me porque a Ana Lucia era uma colaboradora, e talvez até acreditassem que eu também era.

Pigarreei.

— Não me dou com as mesmas pessoas que a minha madrasta — respondi lentamente, lutando para manter a voz calma. Nem a Klara nem a Magda disseram mais nada e um silêncio confrangedor instalou-se entre nós.

Ergui o queixo.

— Não faz mal — disse eu, tentando ignorar a rejeição. — Tenho andado ocupada. Há tantas coisas que preciso de fazer antes de o Krys voltar… — Não tinha contado às minhas amigas que eu e o Krys tínhamos acabado o namoro. Não era apenas o facto de raramente nos vermos ou de eu ter vergonha. Pelo contrário, dizê-lo em voz alta forçar-me-ia a admiti-lo para mim própria, a torná-lo real. — Ele há de voltar em breve e então podemos planear o casamento.

— Sim, claro que sim — replicou a Magda, e senti uma pontada de culpa ao lembrar-me do seu próprio noivo, o Albert, que tinha sido levado pelos alemães quando invadiram a universidade e prenderam todos os professores. Nunca mais voltou.

— Bom, temos de ir andando — disse a Klara. — Temos uma reserva às sete e meia. — Por uma fração de segundo, desejei que, apesar de toda a indelicadeza, elas ainda me convidassem para ir com elas. Uma parte patética de mim teria engolido o orgulho e dito que sim de bom grado a algumas horas de companhia.

Mas elas não me convidaram.

— Então adeus — disse a Klara friamente. Pegou no braço da Magda e levou-a embora, as suas gargalhadas e ecoarem pela praça com o vento. De cabeças conspirativamente inclinadas uma contra a outra, tinha a certeza de que estavam a falar sobre mim.

Não importa, disse a mim própria, afastando a rejeição. Puxei a camisola para me proteger da brisa estival, agora revestida de um frio sinistro. O Krys estaria de volta em breve e ficaríamos noivos. Continuaríamos a nossa relação do ponto onde a tínhamos deixado e seria como se aquele terrível interregno nunca tivesse acontecido.

A mulher da estrela azul

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