Читать книгу O humor da minha vida - Paz Padilla - Страница 14

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O Antonio não soube que, nas Maldivas, para além de cometer todos os pecados cometidos ou por cometer — incluindo o de matar, porque me matou de prazer —, cometeu o pior erro da sua vida: Riu-se de uma piada minha.

Na viagem seguinte que fizemos, à Índia, decidi repetir a piadinha de nos casarmos, só que a levei um bocadinho mais longe. Organizei um casamento surpresa pelo ritual hindu. Na minha mente, ao princípio, como sempre, tudo fazia sentido. Chegámos apaixonados a Rajastão, começámos a ver um templo aqui, um palácio acolá, incenso, Ganesha e espiritualidade e, quando menos o esperava, estava aos ombros de dois indianos a cantar, acabado de casar, com um turbante com penas e a gritar namaste. Nesta viagem, a própria palavra, diz tudo na-mas-té[4]. Nada mais que chá. Que fartura de chá! E de fazer ioga. Igualzinha a saudação ao sol que fazíamos na Índia à que fazíamos nas Maldivas…

Quando se diz que o amor vence tudo, deve ser verdade. Hoje, ainda não entendo como o Antonio não descobriu nem como o Manik, o nosso guia, não me assassinou no aeroporto quando me perguntou:

— Quando querem fazer o casa…?

— Psiuuuu, cala-te! — exclamei. — Que o noivo não sabe de nada…

— Como é que não sabe…?

— Não sabe de nada, é uma surpresa.

— E quando vai saber?

— Duas horas antes. Cala-te — insisti, vendo como a sua cara mudava de um tom de açúcar amarelo para branco sacarina.

O facto é que, entre sussurros e gestos, entendeu que queria um casamento hindu com toda a parafernália: Elefantes, roupas às cores, pinturas, anéis e até um bolo de noivos de frango com curry picante, se fosse tradição.

E, uma vez chegado o dia D e a hora H, ou H e um quarto, depois do correspondente «bom-dia, meu amor», disse-lhe:

— Antonio, dentro de duas horas, um elefante vem buscar-te e vamos casar-nos.

Se uma pessoa já começa a suar só de ouvir que, dentro de duas horas, será obrigada a casar-se ou que vem um elefante buscá-la, imaginem na Índia, com cinquenta graus e com a sensação térmica de preaquecer a duzentos e vinte graus durante meia hora. Começou a suar como se acabasse de o mergulhar no Ganges.

— Paz, diz-me que é uma brincadeira, por favor.

— Vamos casar-nos. Preparei tudo: O elefante, o mestre de cerimónias, as roupas, o embaixador…

— Não, não quero — replicava, apressadamente, vendo que estava a falar a sério.

— Por favor, eu estou apaixonada por ti, quero que seja para toda a vida e não vais estar vestido como o Gandhi…

Assim, durante hora e meia.

— Antonio, olha que romântico, que a Índia vai nascer em nós, que o Manik está à porta com o elefante à espera.

— Mas como posso casar-me sem a minha mãe, sem a minha filha? Tu estás louca?

— Está bem. Casamo-nos em Cádis também.

— Está bem — acedeu, depois de pensar na oferta durante uns segundos.

Não teve outro remédio. Enquanto nos vestíamos à pressa, ouvia-o a dizer, entredentes:

— Que merda… Sempre a mesma coisa… Com o calor que está…

Se o noivo e a noiva não podem ver-se no dia do seu casamento, neste caso, era o Antonio o único que não me podia ver a mim.

Fomos para a receção com o Manik, que o levou no elefante para o vestir para a cerimónia com um fato branco de seda. Ainda bem que era branco, se fosse preto de flanela, divorciava-se no mesmo dia. E aplicaram-lhe um tratamento exfoliante na cara durante meia hora, e deixaram-na mais branca do que a do Manik no aeroporto. Lixaram-lhe tanto a epiderme, a derme e o osso frontal que conseguíamos ver-lhe os pensamentos. E nenhum me deixava bem vista.

Um grupo de mulheres conduziu-me por outro caminho para me dar banho com delicadeza — sem lixar —, pintar-me cuidadosamente os braços com henna desde os sovacos até às unhas e vestir-me o sari. O sari, embora tenha nome de um amigo de El Vaquilla[5], é o traje típico que as mulheres usam ali no mal chamado «dia mais feliz da sua vida». Digo isto porque, depois de vestirem o sari, duvido que voltem a casar-se. É parecido com um páreo, daqueles que os hippies vendem na praia, mas com dois milhões de pérolas e de seda fina, fina, fina e segura. Bom, segura no momento da fotografia. Assim que começamos a andar, é como pegar num linguado. Cai por aqui, agora levantas e cai por acolá, apanha-lo e pisa-lo por trás… Isso para não falar do penteado. Um coque que pesava mais do que o da Dama de Elche. De certeza que, se derem a escolher a Jesus Cristo entre a coroa de espinhos e esse coque, escolhe outra vez a coroa.

E, finalmente, vi o noivo, com a cara branca como a cal e uns enfeites de ouro a pender-lhe pela cara como tentáculos de um polvo. E o noivo viu-me com esse coque a puxar cada músculo do meu rosto. E nem sequer podíamos rir-nos um do outro quando estávamos tão incomodados, quer dizer, de tão apaixonados que estávamos.

Depois, sentámo-nos no elefante que nos levaria ao altar num passeio romântico. Sei que, às vezes, costumo exagerar, mas garanto-vos que nunca senti tanto enjoo, nem sequer na montanha-russa Dragon Khan em Port Aventura depois de ter acabado de comer. O que não sei é porque não se chama Elephant Khan. E para um lado. E para o outro. E cai o linguado e cai a minha cabeça para trás… Mas não podia mostrar fraqueza à frente do Antonio com o que lhe tinha feito… E, com cada ir e vir do elefante, eu dizia-lhe um «amo-te», «que bonito, não é?», «amo-te»; e ele:

— Ainda vou apanhar-te! Ainda vou apanhar-te!

A cerimónia hindu é um ritual carregado de misticismo e simbologia e o primeiro símbolo que nos puseram à frente foi a fogueira purificadora. Chama-se purificadora porque a filha da grande puta da fogueira não tinha assim tanto misticismo. Como símbolo é muito bom, mas também não teria ficado mal se o símbolo fosse um frigorífico com gelo e minis fresquinhas. E os símbolos nunca mais acabavam: Tu dás-me a mão e eu dou-te a mão, damos a volta, dou-te eu a mão, agora cai-lhe um pouco o gorro e o Manik esmaga-o com um murro, agora, dá outra volta gritando:

— Ai, ai, as orelhas, as orelhas…

Depois deste ritual aprazível, veio o mais importante. Hoje ainda não sei o quanto, porque não entendia nem uma palavra, mas parecia importante. O mestre de cerimónias dizia alguma coisa em indiano que nós repetíamos e indicava-nos que nos mexêssemos de um lado para outro aos empurrões, zangado porque não o entendíamos. Por último, já farto de nós, pegou nos papéis para os assinarmos. Então, o Antonio passou-se:

— Como vou assinar estes papéis que estão em indiano?

— Tanto faz, menino, tu assina… — dizia-lhe, enquanto lhe punha a esferográfica na mão.

— Mas, Paz… Sou advogado! Como posso assinar uma coisa que não sei o que é?

— Assina, Antonio, que estão à espera!

— Vai contra a minha ética profissional!

— Antonio, assina! Além disso, de certeza que é com comunhão de bens.

— Então, sim — disse, sem pensar duas vezes.

Um ano depois, celebrámos o nosso quarto e último casamento. Com as nossas filhas, os nossos familiares, as nossas amigas e os nossos amigos, na nossa praia de Zahara de los Atunes e na nossa língua. Sabendo o que assinávamos. Paradoxalmente, o êxtase de plena felicidade era tão imenso que o nosso campo de visão se reduziu aos olhos um do outro. Teríamos assinado os papéis em árabe, em chinês e até um cheque em branco para o padre da paróquia se fosse isso que nos pusessem à frente. Estávamos noutro planeta. Estávamos em casa.

[4] Trocadilho entre a palavra de saudação namaste e a pronúncia coloquial de “nada mais que chá”, ou seja, na-mas-té, em espanhol. «Té» significa chá. (Nota da T.)

[5] El Vaquilla foi um criminoso espanhol chamado Juan José Moreno Cuenca. Ficou famoso por roubar carros e fugir com eles da polícia a alta velocidade durante longas perseguições. Em 1985, estreou o filme Yo, «el Vaquilla», que narra a vida do delinquente. (Nota da T.)

O humor da minha vida

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