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A vida, se a não desejára para vos servir, pouco me dêra perdel-a aqui...

Francisco de Moraes—«Palmeirim de Inglaterra».

—E a Flor do Támega? pergunta decerto a leitora, aborrecida de não ter tornado a receber noticias de Chaves.

Tem razão, minha senhora. Mas antes v. ex.ª se interesse pelos personagens d’esta novella, que se enfade de os vêr e ouvir. Essa pergunta é uma prova de que v. ex.ª tem seguido a narrativa até ao momento em que estamos agora.

Pois, muito respeitosamente, vou informar v. ex.ª do que continuou a passar-se em Chaves, depois que no Porto rebentou a revolução de 20.

André Pinto, soffreado pelo conselho de Antonio da Silveira, já despeitado com os constitucionaes, não se atreveu a fazer novos destempêros contra a sobrinha nem contra o capitão de dragões. Amaciou, mas apenas apparentemente. O seu despeito não era menor por concentrado.

Desde o momento em que Antonio da Silveira deixou de presidir á junta do governo por incompatibilidade com os seus collegas de Lisboa, que se desfizeram d’elle, toda a familia dos Silveiras ficou unificada no odio ás novas instituições politicas.

Trataram logo de conspirar, atiçados de Queluz pela rainha D. Carlota Joaquina, que regressára do Brazil com a côrte, e que só podia contar com as provincias, visto que Lisboa acabara por adherir ao movimento do Porto.

Em Chaves, o conciliabulo dos conspiradores reunia-se em casa do juiz de fóra, Antonio Bernardo de Figueiredo, e ahi concoriam todas as noites varios militares, alguns abbades, e outras pessoas em correspondencia com os Silveiras.

André Pinto era certo.

Tratando-se de procurar attrair ao conciliabulo outros militares, de quem ainda se duvidava ou de quem se receiava mais, alguem fallou no capitão Joaquim Maria de Vasconcellos.

André Pinto abanou a cabeça, em signal negativo.

Mas não obstante esta manifestação, que se tornou suspeita, porque toda a gente já sabia em Chaves que o capitão namorava a sobrinha de André Pinto, resolveu o conciliabulo que o coronel reformado Manoel Caetano Teixeira Pinto ficasse encarregado de vêr até que ponto se poderia contar com a adhesão d’aquelle official.

O coronel desempenhou a sua missão o mais habilmente que poude, mas Joaquim Maria repelliu com energia todas as propostas que lhe foram feitas.

Vendo-se rechaçado, o coronel procurou ferir a corda sensivel do amor no coração do capitão de dragões.

Lembrou-lhe, sem rebuço, que, amando elle uma sobrinha de André Pinto, e sendo André Pinto um dos mais conspicuos membros do conciliabulo, decerto proviriam grandes desgostos de uma tão intransigente obstinação. E que pensasse serenamente, porque esses desgostos iriam reflectir-se, principalmente, n’uma pessoa que ou havia de submetter-se ou desgraçar-se. Referia-se a Margarida Candida, presumptiva herdeira de André Pinto.

Respondeu Joaquim Maria que a sua honra o impedia de adherir á projectada contra-revolução, porque todo o homem que não respeita as suas proprias convicções, se deshonra a si mesmo. Que, visto que a sua inclinação pela sobrinha de André Pinto era conhecida em publico, só lhe restava, ainda que para o fazer tivesse de despedaçar o coração, mandar dizer a essa senhora que a desligava do destino de um homem por quem, se continuasse a amal-o, teria que soffrer grandes amarguras.

O coronel transmittiu ao conciliabulo a resposta de Joaquim Maria.

André Pinto sorriu ironicamente e commentou:

—Então não dizia eu que aquillo é um pedreiro-livre dos quatro costados?!

Ninguem se atreveu a responder-lhe.

Joaquim Maria cumpriu o que dissera. Escreveu a Margarida Candida uma longa carta, regada por abundantes lagrimas, que pareciam envergonhar a farda de um dragão de Chaves. Dizia-lhe um eterno adeus, e pedia-lhe que se conformasse com a vontade do tio, para evitar desgostos e soffrimentos, dos quaes o menor seria a pobresa a que elle certamente a condemnaria.

André Pinto, recolhendo do conciliabulo, correu a dar parte á sobrinha da resposta do capitão.

—E agora, perguntou elle, ainda não terás vergonha de namorar um descaradissimo maçon, para quem vales menos do que a Constituição?!

—Agora, meu tio, respondeu ella com firmesa, agora é que eu acho que elle é, mais do que nunca, um homem digno do meu amor.

—Ah! sim! exclamou André Pinto muito apopletico. Ah! sim! pois eu te ensinarei, minha tonta!

E fechou-se no quarto a pensar na melhor maneira de castigar a audacia da sobrinha.

A sua primeira idéa foi expulsal-a de casa: que fosse comer o pão que o diabo amassou. Pedisse esmola de porta em porta, já que não tinha juizo nem vergonha.

E deitou-se com esta idéa.

Mas de manhã accordou com outro projecto, que pareceu ser conselho do travesseiro.

Mandal-a-ia para um convento, e esse convento seria o de Arouca, onde havia uma freira sua parenta.

Margarida Candida, por sua vez, respondeu ao capitão narrando-lhe o que se tinha passado com o tio. Não podia dar mais eloquente resposta á carta em que Joaquim Maria lhe dizia um «adeus eterno.» Fosse muito embora eterno esse adeus, ella não amaria jamais outro homem: a prepotencia de André Pinto não conseguiria vencer a sua constancia, que era inabalavel.

O conciliabulo de Chaves jurou pela pelle de Joaquim Maria. Se vencessem, como esperavam, haviam de castigal-o severamente.

E André Pinto, desenvolvendo uma actividade extraordinaria, como quem tem sêde de vingança, mostrava-se encanzinado em adeantar os trabalhos preparatorios da contra-revolução.

O seu desejo seria mandar desde logo a sobrinha para o convento de Arouca, mas temia-se da influencia da familia do Outeiro junto do governo e das côrtes de Lisboa. Receiava que ou não admittissem Margarida Candida no convento ou que a fizessem sahir de lá pouco depois de ter entrado.

Os dois namorados esperavam todos os dias a realisação das ameaças de André Pinto. O capitão de dragões sabia que os conspiradores tratavam de apressar o movimento em toda a provincia de Traz-os-Montes, e prevenira o general da provincia; fizera mais, escrevêra cartas anonymas aos ministros, avisando-os.

No dia 1 de fevereiro de 1823 o governo chamara a attenção do congresso para a necessidade urgente de tomar medidas repressivas. Por sua parte, os Silveiras, vendo que o governo estava prevenido do que se passava em Traz-os-Montes, trataram de pôr quanto antes a revolução na rua.

De feito, no dia 23, por occasião de sahir em Villa Real a procissão de Passos, Manuel da Silveira, segundo conde de Amarante, soltou o primeiro grito da restauração.

A villa esteve em festa todo o dia e toda a noite.

Os revoltosos partiram d’ali para Chaves, onde foram recebidos triumphalmente com repiques de sinos, foguetes e vivas.

O conde de Amarante, saudado pelo povo flaviense, fôra hospedar-se em casa de Diogo Pereira de Lacerda, amigo de André Pinto.

Duas horas depois de ter chegado a Chaves, Manuel da Silveira mandava chamar a casa de Diogo Pereira o capitão Joaquim Maria.

—Capitão, disse-lhe o conde de Amarante, entregue-me a sua espada.

—Nunca! respondeu com altivez Joaquim Maria. Reconheço a patente de v. ex.ª, mas reconheço tambem que v. ex.ª está em rebellião aberta contra o governo legalmente constituido. Recuso pois obedecer lhe, visto que v. ex.ª é o primeiro a dar o exemplo de desobediencia e indisciplina.

O conde de Amarante não era homem para responder de prompto a um tal rasgo de audaz eloquencia. Ficou assaralhopado, mas André Pinto mandou-lhe soprar ao ouvido que mettesse na cadeia o capitão de dragões.

E assim se fez.

Manuel da Silveira, sem se importar com a destituição de todos os titulos, honras e mercês, decretada em Lisboa, continuava a intitular-se conde de Amarante, e a prégar a «guerra santa.»

O general Luiz do Rego era encarregado pelo governo de organisar uma divisão contra os Silveiras. Isso dava mais algum cuidado ao conde de Amarante do que a exauctoração e o sequestro com que de Lisboa o fulminaram.

Mas a sorte mostrou-se propicia ao conde na batalha de Santa Barbara, junto a Chaves, ferida no dia 13 de março, e os absolutistas ganharam alma nova com esse triumpho obtido sobre as tropas liberaes.

Rego, desesperado pelo revés que soffrêra, tratou de concentrar forças em Amarante, para impedir que os rebeldes podessem passar ao Porto.

Feriu se nova batalha, d’esta vez na ponte de Amarante.

A sorte mudara. Os silveiristas, desalojados por uma valente carga de baioneta, metteram-se ao Marão, emigraram para Puebla de Senábria.

André Pinto seguiu o destino dos seus correligionarios: fugiu tambem para Hespanha.

Em Chaves, o corregedor da comarca, doutor Joaquim Bernardino Rodrigues Coimbra, ordenou ao juiz de fóra substituto, porque o effectivo tinha emigrado tambem, que instaurasse devassa contra os fugitivos pelo crime de rebellião armada.

As portas da cadeia foram abertas a Joaquim Maria de Vasconcellos, e a outros presos politicos.

Um momento de felicidade sorriu aos dois namorados, que, sem obstaculos, podiam ver-se, e fallar-se, e mutuar-se ternissimos protestos de eterno amor.

Mas a devassa contra André Pinto e os seus co-réus fôra instaurada em Chaves no dia 28 de abril e um mez depois o infante D. Miguel fazia a Villa-francada, o poder absoluto era restabelecido em Portugal com o applauso da nação.

Os emigrados repatriáram-se, victoriosos, e Joaquim Maria foi de novo prêso. Amarrado de pés e mãos, açoutaram-n’o no carcere, na presença de André Pinto, que estimulava os flagelladores, gritando-lhes:

—Dai cabo d’esse diabo, que só se perdem as que cahirem no chão. Força, rapazes!

Foi facil a André Pinto obter de D. João VI um aviso régio pelo qual o monarcha fazia saber ao respectivo prelado que—«era servido conceder licença para poder ser admittida ao noviciado e profissão da vida religiosa no real mosteiro de Arouca, da vossa obediencia, Dona Margarida Candida Pinto, sobrinha e pupilla de André Pinto, natural da Villa de Chaves, visto n’ella concorrerem as qualidades necessarias: pagará a prestação annual e vitalicia de sessenta mil réis, e não dará dote, propinas, nem outra alguma cousa a qualquer titulo que seja, nem ainda mesmo a titulo de esmola.»

Era uma ordem categorica, que saltava por cima de certas formalidades estabelecidas para taes casos. O rei mandava admittir Margarida Candida não só ao noviciado, mas tambem á profissão. Tudo isto se conseguiu com uma simples pennada.

André Pinto, para coroar a obra, imaginou fazer passar a sobrinha, quando a enviou a Arouca, pela prisão onde Joaquim Maria jazia entre ferros.

Por entre as lagrimas que lhes turvavam a vista, poderam os dois namorados trocar um fugitivo olhar n’esse lance de suprema angustia.

Saciada assim a vingança de André Pinto, quiz elle ver-se livre de Joaquim Maria, que foi desligado do regimento de cavallaria 6 e deportado para Aveiro.



VIII
Entre ferros

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