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XXII
HELENA

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Se a Dona Izabel da xácara antecedente achou na mãe do seu amante todas as divinas compaixões de um coração feminino, Helena, a boa Helena d’este romance, não incontrou na mãe de seu marido senão a proverbial ‘sogra’ de todos os rifões e dittados de todos os povos. Inredadora, invejosa, má-lingua, sogra emfim, sogra extreme, e puro sangue—como em stylo cigano do Jockey-club, manda a moda anglo-galla que hoje se diga—a sogra excita com dicterios e mentiras a bruteza estupida de seu filho: faz com que elle vá arrancar da cama, e trazer de noite para sua detestavel casa, a infeliz mulher que, sentindo-se com dôres de parto, tinha ido para a de sua mãe buscar o aninho e confôrto que juncto da odiosa sogra não podia achar. Cego de cholera e despeito, o bruto a nada attende. É a morte que lhe dá; bem o sabe, mas pouco lhe importa. A resignação angelica da victima, as suas despedidas ao filhinho recem-nascido, as deixas de seu testamento quando se sente finar nas desabridas alturas ‘d’aquella serra’ por onde a levam n’aquelle cavallo andaluz que ‘anda mais que o luar’—tudo são bellezas de primeira ordem, poesia de coração verdade.

Obtive este romance em Maio de 1843 de uma saloia velha das vizinhanças de Lisboa. Outra licção veio depois, da Beiralta, que não differe muito. Sempre noto porêm alguma variante, pôstoque ellas valham pouco. Parece-me portuguez de nascença; não ha d’elle vestigio em collecção castelhana de que eu saiba.

HELENA

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—‘Ai! que saudades me apertam

Pela casa de meu pae!

Tambem me apertam as dores,

E minha mãe sem chegar!’

—‘Se as saudades te apertam,

Bem n’as podes ir mattar;

As dores não serão muitas,

Toma o caminho—e andar!’

—‘E á noite meu marido,

Quem lhe dará de cear?’

—‘Da caça que elle trouver,

Eu lh’a farei amanhar[23].

Do meu pão e do meu vinho

que elle quizer tomar.’

—‘Onde está mi’ espôsa Helena

Que me não dá de cear?’

—‘Tua espôsa Helena, filho,

Foi-se para não tornar.

Que ia para sua casa,

Que nos não póde aturar.

Chamou-me a mim perra velha,

A ti filho de mãe tal.’

—‘O meu cavallo andaluz[24]

Ja e ja m’o vão sellar.

Essa mulher, por Deus juro

Que ella m’as tem de pagar.’

—‘As boas novas, meu genro[25],

Que tenho para vos dar!

Filho barão, e tam lindo,

Um anjo de pôr no altar!’

—‘Novas me dão, boas novas;

Más as trago eu para dar:

Que a mãe que o pariu

Não é que o hade criar.

Ergue-te d’ahi, Helena,

Que me tens de accompanhar.’

—‘Paridinha de uma hora,

Onde a quereis levar?’

—‘Para perto, e bom caminho;

Não tem muito que penar,

Que o meu cavallo andaluz

Anda mais do que o luar.’

—‘Ande elle, que não ande,

Onde a quereis levar?’

—‘Call’-se d’ahi, minha mãe,

Ja se havia de callar;

Que a mulher que é bem casada,

O marido a hade mandar.

Que me dem a minha cinta,

Para eu me conchegar,

E esse meu gibão forrado

Para melhor me abafar.

E agora dem-me o meu filho,

Que o quero abraçar.

Ai! d’estes beijos, meu filho,

Se te saberás lembrar?

Lembrae-lh’o vós, minha mãe,

Quando elle souber fallar.’

—‘Que dizes, filha, que dizes?’

—‘Minha mãe, isto é folgar;

Que é tam perto e bom caminho

Para onde temos de andar;

E o cavallo andaluz,

Anda mais do que o luar.’

O cavallo era andaluz

Andava mais que o luar;

O caminho era de pedras,

Elle ia a tropeçar.

Vão andando, vão andando

Sem um nem outro fallar,

Ella ja tem as mãos frias,

O corpo está-lhe a inchar;

Chegando ao alto da serra[26]

Deu um ai, quiz desmaiar.

—‘Que ais são esses, Helena?

Porque estás a suspirar?’

—‘É que se me acaba a vida,

—‘É que me estou a finar:

Paridinha de uma hora,

Sinto-me em sangue alagar.’

Ja se não tem a cavallo,

Alli a foi apear:

Era a agonia da morte

Que ja lhe estava a apertar.

—‘A quem deixas, o teu oiro[27],

Que t’o hajam de estimar?’

—‘Deixo-o a minhas irmans,

Se tu lh’o quiseres dar.’

—‘A quem deixas essa cruz

E as pedra do teu collar?’

—‘A cruz, deixo-a a minha mãe

Que por mim lha hade rezar.

As pedras, não as quer ella,

E bem n’as podes guardar:

Se a outra as deres, marido,

Melhor lh’as deixes lograr.’

—‘Tua fazenda, a quem deixas,

Que t’a saibam grangear?’

—‘Deixo-t’a a ti, marido;

Que t’a deixe Deus gosar!’

—‘A quem deixas o teu filho

Que t’o hajam de criar?’

—‘A tua mãe—que Deus queira

Amor lhe venha a ganhar!’

—‘Não o deixes a essa perra,

Que é capaz de t’o mattar.

Ai! deixa-o antes á tua,

Que bem n’o hade criar.

Com lagrymas de seus olhos

Bem n’o ella hade lavar;

Toucas de sua cabeça[28]

Tirará para o pençar.’

De ouvir aquellas palavras

A pobre quiz-se animar;

Mas a voz que vem do peito

A bôcca não póde achar[29].

Inda lhe disse c’os olhos

Que lhe estava a perdoar.

—‘Não me perdoes, Helena,

Que Deus te hade escutar.

Ai! as penas do inferno,

Ja as eu coméço a penar,

Que vejo subir ao ceo

O meu anjo tutelar.

Mal hajam linguas traidoras[30]

E ouvidos que lhe eu fui dar!

Que por amor das más linguas

Meu anjo vim a mattar!

Sette annos e mais um dia

Me irei a peregrinar,

Á porta sancta de Roma

Me quero ir ajoelhar;

E aqui um sancto convento

Fundarei n’este logar,

Com sette missas por dia

Cada uma em seu altar;

Que digam todos que o virem:

‘Aqui foi seu mal-peccar,

E aqui fez penitencia

Para Deus lhe perdoar.’

Romanceiro III

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