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XX
A PEREGRINA

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Não é dos que mais se cantam, nem tem a popularidade de outros muitos, o romance da ‘Peregrina’ que alguns tambem chamam da ‘Princeza’.—A licção que principalmente segui veio-me do Porto, e é a mais completa. Das outras provincias só obtive fragmentos muito interpolados. Comtudo approveitei bastante d’elles para restituir o texto e dar nexo e clareza á narrativa. O que se não utilisou para este fim, vai nas variantes.

O final, sublime e poetica idea que tanta predilecção mereceu aos antigos menestreis, é o mesmo de outros romances. Ja notei[14] que francezes e inglezes o usaram em suas composições. Entre nós apparece repetido muitas vezes. Fez-se um ‘logar commum’ romantico assim como tantas coisas bellas dos poetas gregos e latinos se fizeram, por sua popularidade, logares communs classicos. Que Homero ou que Virgilio da meia-edade foi o original inventor d’este? Não é possivel sabê-lo. E sabemos nós se eguaes bellezas da Iliada ou da Eneada são ou não repettições, reminiscencias de outros poetas mais antigos cujas obras ou cujos nomes não chegaram até nós?

A ‘Peregrina’ tem todos os characteres de antiga e original. É bella e simples e verdadeira. Nos romanceiros castelhanos não vem; nem se incontra nada parecido com a singella historia que ingenuamente narra. Mas d’estas historias houve tantas n’aquelles ditosos tempos da andante cavallaria! Mal haja o damninho talento de Cervantes que as fez acabar n’um Dom Quixote e na sua Dulcinea!

A PEREGRINA

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Peregrina, a peregrina[15]

Andava a peregrinar

Em cata de um cavalleiro

Que lhe fugiu, mal pezar!

A um castello torreado

Pela tarde foi parar:

Signaes certos, que trazia

Do castello, foi achar.

—‘Mora aqui o cavalleiro[16]?

Aqui deve de morar.’

Respondêra-lhe uma dona

Discreta no seu fallar:

—‘O cavalleiro está fóra,

Mas não deve de tardar.

Se tem pressa a peregrina,

Ja lh’o mandarei chamar.’

Palavras não eram dittas,

O cavalleiro a chegar:

—‘Que fazeis porqui, senhora[17],

Quem vos trouxe a este logar?’

—‘O amor de um cavalleiro

Por aqui me faz andar.

Prometteu de voltar cedo,

Nunca mais o vi tornar;

Deixei meu pae, minha casa[18],

Corri por terra e por mar

Em busca do cavalleiro,

Sem nunca o podêr achar.’

—‘Negro fadairo, senhora,

Que tarde vos fez chegar!

Eu de vosso pae fugia

Que me queria mattar;

Corri terras, passei máres,

A este castello vim dar.

Antes que fôsse anno e dia

(Vós me fizestes jurar)

Com outra dama ou donzella

Não me havia desposar.

Anno e dia eram passados

Sem de vós ouvir fallar,

Co’a dona d’esse castello

Eu hontem me fui casar...’

Palavras não eram dittas,

A peregrina a expirar.

—‘Ai penas de minha vida,

Ai vida de meu penar!

Que farei d’esta lindeza

Que em meus braços vem finar?’

Do alto de sua tôrre

A dama estava a raivar:

—‘Levá-la d’ahi, cavalleiro[19],

E que a deitem ao mar.’

—‘Tal não farei eu, senhora,

Que ella é de sangue real...

E amou com tanto extremo

A quem lhe foi desleal.

Oh! quem não sabe ser firme,

Melhor fôra não amar.’

Palavras não eram dittas

O cavalleiro a expirar.

Manda a dona do castello[20]

Que os vão logo interrar

Em duas covas bem fundas

Alli junto á beira-mar.

Na campa do cavalleiro

Nasce um triste pinheiral[21],

E na campa da princesa

Um saudoso canavial.

Manda a dona do castello

Todas as canas cortar;

Mas as canas das raizes

Tornavam a rebentar:

E á noite a castellana[22]

As ouvia suspirar.

Romanceiro III

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