Читать книгу Romanceiro III - João Batista da Silva Leitão de Almeida Garrett Visconde de Almeida Garrett - Страница 8
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A PEREGRINA
Não é dos que mais se cantam, nem tem a popularidade de outros muitos, o romance da ‘Peregrina’ que alguns tambem chamam da ‘Princeza’.—A licção que principalmente segui veio-me do Porto, e é a mais completa. Das outras provincias só obtive fragmentos muito interpolados. Comtudo approveitei bastante d’elles para restituir o texto e dar nexo e clareza á narrativa. O que se não utilisou para este fim, vai nas variantes.
O final, sublime e poetica idea que tanta predilecção mereceu aos antigos menestreis, é o mesmo de outros romances. Ja notei[14] que francezes e inglezes o usaram em suas composições. Entre nós apparece repetido muitas vezes. Fez-se um ‘logar commum’ romantico assim como tantas coisas bellas dos poetas gregos e latinos se fizeram, por sua popularidade, logares communs classicos. Que Homero ou que Virgilio da meia-edade foi o original inventor d’este? Não é possivel sabê-lo. E sabemos nós se eguaes bellezas da Iliada ou da Eneada são ou não repettições, reminiscencias de outros poetas mais antigos cujas obras ou cujos nomes não chegaram até nós?
A ‘Peregrina’ tem todos os characteres de antiga e original. É bella e simples e verdadeira. Nos romanceiros castelhanos não vem; nem se incontra nada parecido com a singella historia que ingenuamente narra. Mas d’estas historias houve tantas n’aquelles ditosos tempos da andante cavallaria! Mal haja o damninho talento de Cervantes que as fez acabar n’um Dom Quixote e na sua Dulcinea!
A PEREGRINA
Peregrina, a peregrina[15]
Andava a peregrinar
Em cata de um cavalleiro
Que lhe fugiu, mal pezar!
A um castello torreado
Pela tarde foi parar:
Signaes certos, que trazia
Do castello, foi achar.
—‘Mora aqui o cavalleiro[16]?
Aqui deve de morar.’
Respondêra-lhe uma dona
Discreta no seu fallar:
—‘O cavalleiro está fóra,
Mas não deve de tardar.
Se tem pressa a peregrina,
Ja lh’o mandarei chamar.’
Palavras não eram dittas,
O cavalleiro a chegar:
—‘Que fazeis porqui, senhora[17],
Quem vos trouxe a este logar?’
—‘O amor de um cavalleiro
Por aqui me faz andar.
Prometteu de voltar cedo,
Nunca mais o vi tornar;
Deixei meu pae, minha casa[18],
Corri por terra e por mar
Em busca do cavalleiro,
Sem nunca o podêr achar.’
—‘Negro fadairo, senhora,
Que tarde vos fez chegar!
Eu de vosso pae fugia
Que me queria mattar;
Corri terras, passei máres,
A este castello vim dar.
Antes que fôsse anno e dia
(Vós me fizestes jurar)
Com outra dama ou donzella
Não me havia desposar.
Anno e dia eram passados
Sem de vós ouvir fallar,
Co’a dona d’esse castello
Eu hontem me fui casar...’
Palavras não eram dittas,
A peregrina a expirar.
—‘Ai penas de minha vida,
Ai vida de meu penar!
Que farei d’esta lindeza
Que em meus braços vem finar?’
Do alto de sua tôrre
A dama estava a raivar:
—‘Levá-la d’ahi, cavalleiro[19],
E que a deitem ao mar.’
—‘Tal não farei eu, senhora,
Que ella é de sangue real...
E amou com tanto extremo
A quem lhe foi desleal.
Oh! quem não sabe ser firme,
Melhor fôra não amar.’
Palavras não eram dittas
O cavalleiro a expirar.
Manda a dona do castello[20]
Que os vão logo interrar
Em duas covas bem fundas
Alli junto á beira-mar.
Na campa do cavalleiro
Nasce um triste pinheiral[21],
E na campa da princesa
Um saudoso canavial.
Manda a dona do castello
Todas as canas cortar;
Mas as canas das raizes
Tornavam a rebentar:
E á noite a castellana[22]
As ouvia suspirar.