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EM BUSCA DE STEFAN ZWEIG

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— Ai, mein Engelchen com os seus admiradores: O dramaturgo e o parvo! — exclamou Otto Perger para o cliente. Não via a neta desde antes do Natal, mas ouviu-a a descer as escadas no outro extremo do vestíbulo, a conversar com o jovem Stephan Neuman e com outro rapaz.

— Espero que prefira o tolo — respondeu o homem, dando uma gorjeta generosa a Otto, como sempre. — Os escritores não têm jeito para o amor.

— Receio que esteja um pouco apaixonada pelo escritor — comentou Otto —, embora não saiba se se apercebe. — Fez uma pausa, desejava atrasar o cliente durante o tempo suficiente para lhe apresentar Stephan, mas o homem tinha um motorista à espera e as crianças pareciam ter parado, como costumava acontecer com os jovens. — Bom, alegra-me que tenha desfrutado da visita à sua mãe — comentou.

O homem foi-se embora apressadamente e encontrou-se com os jovens na entrada. Já estava a subir as escadas quando olhou para trás e perguntou:

— Qual de vocês é o escritor?

Stephan, que estava a rir-se de alguma coisa que Žofie dissera, nem sequer pareceu ouvir, mas o outro rapaz apontou para ele.

— Boa sorte, filho. Agora mais do que nunca, precisamos de escritores com talento.

Foi-se embora e os jovens entraram na barbearia. Žofie anunciou que era o aniversário de Stephan.

— Feliz aniversário, jovem Neuman! — exclamou Otto, enquanto abraçava a neta, que se parecia tanto com o pai que quase pôde ouvir o filho na sua voz acelerada. Viu Christof nos seus óculos sujos. Até o seu cheiro era o mesmo: Amêndoas, leite e raios de sol.

— Era o herr Zweig — disse o amigo.

— Quem, Dieter? — perguntou Stephan.

— Jovem Stephan, o que estiveste a fazer na ausência da nossa Žofie? — perguntou Otto.

— Estava sentado ao nosso lado no Café Central antes de o Stephan chegar. O Zweig. Com a Paula Wesseley e a Liane Haid, que parece muito velha.

Otto hesitou, sem querer admitir que aquele rapaz tão tolo tinha razão.

— Receio que o herr Zweig tivesse de apanhar um avião, Stephan.

— Era ele? — Stephan ficou tão dececionado que, com o cabelo em pé no cocuruto, apesar dos esforços de Otto, pareceu um menino pequeno. Otto gostaria de lhe garantir que teria outra oportunidade de conhecer o seu herói, mas parecia-lhe improvável. A única coisa de que tinham falado — ou a única coisa de que Zweig falara enquanto Otto o ouvia — era se Londres estaria suficientemente longe de Hitler. Herr Zweig sabia como Christof morrera, o filho de Otto; sabia que Otto entendia como uma fronteira podia ser fraca.

— Espero que sigas o conselho que o herr Zweig te deu, Stephan — comentou Otto. — Disse que, agora mais do que nunca, precisamos de escritores com talento.

O que já era alguma coisa. Aquele grande escritor encorajara Stephan, embora o rapaz não tivesse ouvido.

* * *

Adolf Eichmann mostrou ao novo chefe gordo, o Obersturmführer Wisliceny, o Departamento Judeu de Segurança e acabou na sua própria secretária, junto da qual estava sentado o Tier, o pastor alemão mais bonito de Berlim.

— Meu Deus, está tão quieto que parece dissecado — comentou Wisliceny.

— O Tier está muito bem treinado — declarou Eichmann. — Seriamos capazes de nos livrar dos judeus e de passar a assuntos mais importantes se a Alemanha tivesse tanta disciplina como ele.

— Treinado por quem? — perguntou Wisliceny, ocupando a cadeira do próprio Eichmann para mostrar a sua patente superior.

Eichmann ocupou a cadeira das visitas e estalou os dedos uma vez para que o Tier fosse ter com ele. Assegurara a Wisliceny que o Departamento de Segurança II/112 funcionava como a seda, ainda que, na verdade, fosse uma seda rasgada e amarrotada. Operavam em três pequenas divisões no Palácio Hohenzollern, enquanto a Gestapo, com o seu próprio escritório judeu e muitos mais recursos, aproveitava para os desgastar. No entanto, Eichmann aprendera da pior forma que as queixas eram piores para quem se queixava.

— O seu artigo sobre o «Problema Judeu», Eichmann, é muito interessante. A ideia de conseguirmos fazer com que os judeus abandonem a Alemanha se desmantelarmos os seus alicerces económicos aqui, no Reich. Mas porque haveríamos de os obrigar a emigrar para a África ou para a América do Sul e não para outras nações europeias? O que importa para onde vão, desde que nos livremos deles?

Eichmann respondeu com educação.

— Não queremos que as suas capacidades acabem nas mãos de países mais desenvolvidos que possam beneficiar em detrimento do nosso, acho eu.

Wisliceny semicerrou os seus pequenos olhos prussianos.

— Acha que os alemães não conseguem sobreviver melhor do que os estrangeiros ajudados por uns judeus de que desejamos livrar-nos?

— Não. Não! — protestou Eichmann, pondo uma mão na cabeça do Tier. — Não me referia a isso.

— E a Palestina, que o senhor inclui como país «atrasado», é território britânico.

Eichmann, ao ver que aquilo iria de mal a pior, perguntou a Wisliceny qual era a sua opinião sobre o assunto, submetendo-se a um discurso compridíssimo e cheio de tolices e fanfarronadas apoiadas por uma falta absoluta de conhecimento. Ouviu como fazia sempre, armazenando partes para o futuro e escondendo a sua própria informação. Aquele era o seu trabalho, ouvir e assentir enquanto os outros falavam, e fazia-o bem. Com frequência, trocava o seu uniforme por roupa de rua para se infiltrar e observar mais de perto os grupos sionistas de Berlim. Desenvolvera uma estrutura de informadores. Recolhia informação da imprensa judia. Recolhia informação sobre o Agudat Israel. Tratava das denúncias com discrição. Lidava com as detenções. Ajudava nos interrogatórios da Gestapo. Até tentara aprender hebreu para fazer melhor o seu trabalho, embora aquilo lhe tivesse corrido mal. Agora, todos em Berlim tinham ouvido falar daquela estupidez. Oferecera-se para pagar três marcos por hora a um rabino para que lhe ensinasse a língua quando poderia simplesmente tê-lo detido para o ter como prisioneiro e para que o ensinasse sem ter de pagar.

Vera estava convencida de que aquele erro fora a razão pela qual aquele prussiano ignorante conseguira o lugar de diretor do Departamento Judeu, que devia ter sido para Eichmann. Tivera de se conformar com uma simples promoção para sargento técnico, com as mesmas tarefas de sempre, mas com menos pessoal devido à purificação do partido. Contudo, Eichmann sabia que essa não era a razão por que lhe tinham negado a promoção. Quem teria imaginado que ser especialista em assuntos sionistas o transformaria num perito demasiado valioso para «se distrair» com responsabilidades administrativas? Se as pessoas queriam subir no escalão nazi, era melhor serem cachorrinhos de um prussiano com um diploma em teologia, uma gargalhada asquerosa e nenhuma experiência em algo concreto.

Só depois de Wisliceny se ir embora naquele dia e de Eichmann ter arrumado a secretária é que permitiu que o Tier se mexesse. «Lindo menino», elogiou, acariciando-lhe as orelhas pontiagudas e parando na parte interna, cor-de-rosa e aveludada. «Divertimo-nos um pouco agora? Acho que merecemos um pouco de diversão depois dessa tolice, não achas?»

O Tier sacudiu as orelhas e inclinou o focinho comprido, tão expectante como Vera antes do sexo. Vera. Naquele dia, era o seu segundo aniversário de casamento. Estaria à espera dele no seu apartamento pequeno de Onkel-Herse-Strasse com o seu filho, de cujo nascimento Eichmann tivera de falar com o Rasse und Siedlungshauptamt das SS, tal como tivera de falar do seu casamento, depois de provar primeiro que Vera era de descendência ariana. Devia ir diretamente para casa, para ver os olhos grandes de Vera, as sobrancelhas lindas e o rosto rechonchudo e forte, com esse corpo voluptuoso que lhe parecia muito mais sugestivo do que o das mulheres magricelas que estavam tanto na moda.

Porém, decidiu dar uma volta, seguido pelo Tier. Atravessou o rio e deambulou pelo gueto judeu, indo de rua em rua, só pelo prazer de ver como, apesar do bom comportamento do Tier, as crianças fugiam ao vê-los.

O último comboio para a liberdade

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