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A BUSCA

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O vaso amarelo estava ali, no alpendre da frente dos Weber. Mesmo assim, Truus aproximou-se do portão lentamente no Mercedes da senhora Kramarsky, certificando-se, como fazia sempre, de que o vaso não estava deitado a modo de aviso e algum nazi serviçal o endireitara. Ao conhecê-los, os Weber tinham-lhe dito que eram velhos, que o seu futuro era curto, mas que, com a sua ajuda, o futuro das crianças poderia ser comprido. Truus abriu o portão, atravessou-o com o carro, fechou-o atrás dela e, depois, levantou a saia para voltar a entrar no carro. Mudou de mudança e percorreu o campo para o caminho que se introduzia no bosque.

Já passava do meio-dia quando viu o primeiro sinal delator de movimento, um brilho que poderia ter sido um veado. Contudo, ao parar o carro, viu que era uma menina que corria em ziguezague entre as árvores. Truus continuava sem entender como as crianças sobreviviam naqueles bosques e páramos durante dias e noites, sem mais nada nos bolsos senão bilhetes de comboio usados, alguns marcos no melhor dos casos e pedaços de pão que as mães lhes davam, tão desesperadas que punham os filhos em comboios até à fronteira da Alemanha sem nenhuma esperança real. As crianças sobreviviam, às vezes, para serem presas depois pelos alemães e enviadas de volta pelos guardas fronteiriços holandeses.

— Não faz mal. Vim para ajudar — disse Truus, com suavidade, tentando ver onde a menina se escondera. Avançou devagar. — Sou a Tante Truus e vim para te ajudar a chegar à Holanda, como a tua mãe te disse.

Truus não sabia porque as crianças confiavam nela, nem se realmente confiavam. Às vezes, pensava que permitiam que se aproximasse delas apenas por cansaço.

— Sou a Tante Truus — repetiu. — Como te chamas?

A menina, de cerca de quinze anos, ficou a olhar para ela.

— Queres que te ajude a chegar até à fronteira? — perguntou Truus.

Um menino um pouco mais novo espreitou entre o mato e, depois, outro. Não pareciam irmãos, mas era impossível saber.

A menina virou-se novamente para Truus.

— Pode levar-nos a todos?

— Sim, é claro.

Quando os outros dois devolveram o olhar da menina sem objetar, ela emitiu um assobio forte. Outro menino saiu do seu esconderijo. E outro. Meu Deus, eram onze crianças no total e uma delas era apenas um bebé ao colo da irmã. O carro iria cheio. Truus não sabia como as mulheres conseguiriam encontrar cama naquela noite para onze crianças, mas deixaria isso para Deus.

Truus atravessou o bosque e regressou à quinta dos Weber com as crianças no carro. Estavam muito caladas, demasiado caladas para uma criança de qualquer idade, sobretudo, quando quase todas eram adolescentes. Caladas e sérias, como as crianças que a família de Truus acolhera durante a guerra.

Então, ela tinha dezoito anos e a guerra batera à sua porta em Duivendrecth, quando, com essa idade, devia ter aberto a porta aos seus pretendentes. A Holanda permanecera neutra, mas, mesmo assim, declarara-se o estado de sítio e mobilizara-se o exército, os rapazes tinham sido enviados para proteger zonas essenciais para a defesa nacional, zonas que não incluíam o alpendre da casa de Truus. Ficava em casa a ler para os pequenos refugiados, que tinham chegado tão fracos e famintos que tivera vontade de lhes oferecer o seu próprio prato e, ao mesmo tempo, desejara comer cada trinca, com medo de ficar tão magra como eles. Tinham-na enfurecido e entristecido em partes iguais, essas crianças cuja reticência entristecia tanto a mãe. Essas crianças que também a transformaram em mãe e a fizeram questionar-se como conseguiria afastar a própria mãe do manto sufocante da tristeza calada daquelas crianças. No entanto, então, na manhã da primeira neve daquele inverno, duro e adiantado, Truus acordou e observou as árvores carregadas de neve, os corrimões nevados por cima das pontes nevadas, os caminhos brancos e impolutos em contraste com as águas escuras e estancadas do canal. Acordou as crianças sem fazer barulho e mostrou-lhes a paisagem. Vestiu-as, agradecida, naquela manhã, pelo sussurro das suas vozes quando falavam. Saíram para a rua e, à luz da lua do inverno que se refletia na neve, fizeram um boneco de neve. Foi só isso. Um simples boneco de neve, três bolas brancas empilhadas uma por cima da outra, com pedras em vez de olhos e ramos a modo de braços, sem boca, como se as crianças quisessem construir o boneco à sua imagem e semelhança. A mãe, com o chá da manhã na mão, espreitou pela janela quando estavam a acabar. Era o que fazia todas as manhãs. Era a sua forma de ver o que o Senhor lhe reservara, como costumava dizer. Naquela manhã, no entanto, surpreendeu-se e alegrou-se ao ver as crianças lá fora, mesmo que não sorrissem e não fizessem barulho. Truus apontou para a janela para que as crianças a cumprimentassem. Ao fazê-lo, uma delas atirou uma bola de neve contra o vidro e quebrou o silêncio. As outras começaram a rir-se e o rosto espantado da mãe também deu lugar às gargalhadas. Até à data, aquele continuava a ser o som mais bonito que Truus alguma vez ouvira, mesmo apesar de se ter sentido envergonhada. Como pudera desejar alguma coisa que não fosse a gargalhada daquelas crianças? Como pudera desejar ter alguma coisa para si própria?

Truus parou subitamente o carro da senhora Kramarsky. No chão, junto do alpendre dos Weber, o vaso amarelo estava derrubado, com a terra espalhada pelo caminho. Recuou devagar com o carro, para não levantar pó, e começou a procurar uma saída para atravessar a fronteira através do bosque, repetindo novamente a prece de sempre, agradecendo a Deus por ter os Weber e por tudo o que tinham feito pelas crianças da Alemanha e pedindo ao Senhor para manter aquele casal idoso e valente a salvo.

O último comboio para a liberdade

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