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UM CÓDIGO ERRADO

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Os elétricos estavam tão vazios como as vias de comboio que passavam por baixo da ponte para a estação de Hamburgo, tão vazios como a própria estação de madrugada. No trajeto da pensão, Truus e Klara van Lange só se encontraram com um soldado, um jovem sargento que se virou para olhar para Klara. Truus sabia que era uma dificuldade que Klara chamasse tanto a atenção, que fosse tão memorável. Contudo, até as maiores dificuldades podiam transformar-se em vantagens. E tinham trinta órfãos para ir buscar, muitas mais crianças do que Truus conseguiria gerir sozinha.

— Vais fazê-lo lindamente, prometo-te — garantiu a Klara, quando passaram por baixo da suástica enorme colada à fachada horrível da estação. Era de vidro por cima? Estava tão sujo que era difícil de saber.

Desceram umas escadas sujas até uma plataforma suja, limparam um banco com um lenço e depositaram as malas de viagem junto delas em vez de as deixar no chão, que estava ainda mais sujo.

— Bom, isto é o que gostaria que fizesses — redarguiu Truus. — Haverá um soldado a fiscalizar o embarque no nosso vagão. Mostra-lhe o teu bilhete e pergunta-lhe em holandês se esse é o teu lugar. Talvez possas expressar confusão por não estares na primeira classe. Mas não demasiada confusão. Não queremos que te leve para um vagão melhor e me deixes sozinha com trinta crianças. Se não falares holandês, finge que falas alemão com muita dificuldade, o suficiente para fazer com que se sinta atraente. Entendes?

— Não temos papéis para as crianças? — perguntou Klara, indecisa.

— Temos, sim, mas quanto menos perguntas se fizerem, melhor.

Os vistos de entrada na Holanda eram reais, graças ao senhor Tenkink. Os vistos de saída da Alemanha podiam sê-lo ou não. Truus preferia pensar que eram.

— Já te disse que vais fazê-lo muito bem — garantiu a Klara —, mas, desta primeira vez, será mais fácil fazê-lo na tua própria língua.

Aquela primeira vez, que bem poderia ser a última. Tenkink conseguira os vistos de entrada, mas, com a nova lei — e a fronteira já fechada — não haveria mais. Talvez Joop tivesse razão. Talvez o melhor que podia fazer fosse acolher algumas das crianças, dar-lhes um lar.

— O medo pode afetar as mentes mais privilegiadas — disse a Klara.

Passado um instante, um chefe de estação aproximou-se. Parou à frente delas. Era um homem idoso com uma cara perturbadora, redonda, branca e tosca. O medo de Klara notava-se na sua atitude estática, como um instinto animal para passar despercebida, mas não importava. Ao fim e ao cabo, todos tinham medo na Alemanha ultimamente.

— Estão à espera de uma encomenda? — perguntou o homem.

— Uma entrega, sim — confirmou Truus, com suavidade.

— O comboio está uma hora atrasado — informou o chefe da estação.

Truus agradeceu pela informação e prometeu esperar.

— Parece um boneco de neve — sussurrou Klara, com um sorriso, quando o homem se afastava.

Truus recordou a imagem dos seus pais em Duivendrecht, a cara da mãe na janela enquanto a bola de neve do menino refugiado escorregava pelo vidro, a mãe a rir-se das crianças que se riam junto do boneco de neve que Truus as ajudara a fazer. Era verdade que o chefe da estação se parecia um pouco com um boneco de neve, a alcunha condizia. E, além disso, dizia muito de Klara van Lange. Estava assustada, mas não suficientemente assustada para não conseguir usar o humor para enfrentar a situação.

— Talvez te sintas menos nervosa se responderes ao chefe da estação da próxima vez que vier, Klara — sugeriu. — Perguntará se estamos à espera de uma encomenda e devemos responder: «Uma entrega, sim.»

— Uma entrega, sim — repetiu Klara.

Passado um instante, um chefe da estação voltou a aproximar-se. Truus esperou que estivesse suficientemente perto para distinguir o seu rosto por baixo do chapéu. Não era o boneco de neve.

— Estão à espera de uma encomenda? — perguntou.

Truus, tocando inconscientemente no rubi que tinha por baixo da luva, fez um gesto com a cabeça a Klara.

— Uma encomenda, sim — respondeu Klara.

— Uma entrega, sim — corrigiu Truus.

O homem olhou, nervoso, em torno da estação, mas manteve-se firme. Uma pessoa que estivesse a observá-lo de longe não teria percebido a preocupação.

— Uma entrega, sim — repetiu Truus.

Truus teria querido enviar uma prece silenciosa, mas não podia permitir a distração.

Os sinos de Hamburgo começaram a dar as seis.

— Receio que o caos na Áustria tenha feito com que a entrega de pacotes seja impossível esta manhã — disse o homem, finalmente, por cima dos sinos.

— Impossível. Entendo — confirmou Truus.

Estaria a cancelar a transferência porque Klara se confundira com o código ou estaria a dizer a verdade?

Truus esperou com paciência enquanto o chefe da estação voltava a olhar para Klara, que sorriu com doçura. A cara do homem iluminou-se.

— Voltaremos amanhã, então — anunciou Truus. Não foi uma pergunta direta, pois não queria arriscar-se a uma negativa, mas elevou ligeiramente o tom de voz no fim da frase para deixar claro que entendia o seu dilema, que um código errado devia fazê-lo hesitar. — A minha amiga nunca esteve em Hamburgo — acrescentou. — Posso mostrar-lhe a cidade e voltaremos amanhã.

Quando Truus e Klara se aproximavam das escadas para sair da estação, alguém agarrou na mala de Klara e disse: «Deixe-me ajudá-la com isso», assustando ambas. Também agarrou na mala de Truus e sussurrou: «O homem que está à direita ao fundo das escadas seguiu-vos desde a pensão. Será melhor irem para a esquerda ao sair da estação e darem uma volta ao quarteirão.» Devolveu-lhes as malas ao chegar ao fundo da escada e afastou-se para a direita. Truus viu-o a passar junto de um homem que lhe pareceu familiar, um homem da pensão que a abordara em referência a um possível contrabando de moedas de ouro para a Holanda; uma armadilha da Gestapo que ela sabia que devia evitar. Mesmo assim, apalpou os bolsos e lembrou-se do doutor Brisker, que lhe dera a sua «pedra da sorte». Ele também assegurara que estava a ajudá-la.

O último comboio para a liberdade

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