Читать книгу Aterrador - Renato da Silva Moreira - Страница 12
Оглавление01/11/2014
Ao preparar o café, encontrei um papelzinho escrito “amor” dentro do açucareiro. Achei curioso. Coisa do Jorge, pensei. Dentro da minha caneca favorita em formato de flamingo havia outro bilhetinho: amor. Na geladeira, em cima da tapioca havia outro. Amor. Com minha escova de dente, amor. Amor diante do espelho, dentro da cômoda. Amor entre minhas calcinhas. E amor até [ ]. Como posso ficar chateada com esse peste?
Por mais que não concorde com sua filosofia, principalmente no que diz respeito a poligamia, tenho que dar o braço a torcer que ele vive aquilo que diz. Ontem mesmo se queixava de que o mundo carecia de amor. Muita gente acha o mesmo. Mas Jorge não se conforma em constatar, tem que fazer alguma coisa a respeito. Isso para ele é ser artista. Alguns mais, outros menos, todos temos imaginação. Mas, o artista, segundo ele, não se contenta em imaginar: quer ter entre as mãos aquilo que imagina. O artista é um mago, ele diz, capaz de materializar no plano físico o que foi criado no mundo dos sonhos.
Sim, ele faz o que diz e tenta ser o que imagina. Como poderia ser diferente no que diz respeito ao amor? Quantos discursos seus não tive que ouvir sobre o amor livre? Deveria imaginar que ele não seria capaz de mudar assim da noite para o dia. Fato que depois que entramos em acordo sobre ser fiel, ele nunca mais falou sobre relação aberta. Disse que iria tentar se abster e até nisso foi sincero, pois “tentar” não é o mesmo que fazer.
Dois anos se passaram e preferi não saber o que se passava. Seu comportamento comigo não mudou em nada. Como pode dormir com outra e me ver com a mesma cara lavada? É que ele não acha que isso seja errado, não sente culpa ou talvez seja simplesmente um grandessíssimo filho da puta. Culpa, puta. Estou convivendo tanto com ele que começo a falar em rima.
Não queria ver nem saber até o dia em que ele fechou de golpe o computador. O que estava escondendo? Na primeira oportunidade, fui ler sua caixa de entrada. E lá estava uma lista infame com nome, data e descrição de cada rapariga com quem ele transou.
Fiquei doente, não podia comer, emagreci 7 kg em duas semanas, o que foi a única coisa boa disso tudo. Não sei o que fazer. Estamos de viagem marcada, planejando o casamento. Falei com seu irmão e pedi as nossas amigas em comum para conversar com ele pois não quero confrontá-lo. De que adianta? Ele sempre bateu na tecla da privacidade. Vai ficar puto quando souber que mexi nas coisas dele. Talvez... Depois do casamento, com a viagem… Deixando para trás esse Pernambuco cheio de piriguete, ele sossegue o facho.
Quem sabe com o tempo ele mude.
Sou assim, entre fazer e não fazer, acabo não fazendo nada e espero que as coisas se resolvam por si só. Tonta.
E a faculdade me tira o sono, literalmente. Esse TCC está me matando. Pensei em trancar o curso e terminar quando voltar para o Brasil. Jorge ficou uma fera, disse que não vamos a lugar nenhum sem levar meu diploma na mochila. Contestei que para alguém tão metido a revolucionário ele estava sendo bem conservador com isso. Ele disse que o diploma é como uma carteirinha para entrar no circo, que os palhaços que nos empregam fazem questão de conferir. E até achar um meio de vida decente a gente ainda terá que aturar muita palhaçada. E além disso, ele disse, seria uma verdadeira burrice estudar quatro anos e ir embora sem se formar. Odeio quando ele está certo.
Ele está buscando uma casa na Itália para a gente fazer trabalho voluntário em troca de teto e comida. Disse que é uma boa ideia para a gente praticar o italiano conhecendo gente local sem gastar nada. Nos primeiros meses, sem falar direito o idioma, será difícil conseguir trabalho. Acho a ideia um tanto arriscada, mas não é a primeira vez que ele viaja, deve saber o que faz. De todos os anúncios que viu, me mostrou o que achou mais interessante:
Procura-se voluntários para serviços gerais em casarão antigo na Toscana.
Busco dois voluntários para trabalhar em um antigo casarão. As tarefas podem incluir jardinagem e manutenção da casa. O compromisso é de 5 horas diárias, 5 dias por semana. O proprietário tem grande apreço pelas artes. Dá-se preferência a pessoas com aptidões artísticas que estejam interessadas em compartilhar ideias. O local exato será disponibilizado após a seleção. A casa é grande e oferece o conforto digno de um dândi. No tempo livre, os voluntários poderão usufruir todas as comodidades do espaço comum. Os interessados devem enviar e-mail ao endereço abaixo respondendo às seguintes perguntas:
1. Qual é a sua principal motivação?
2. Qual o seu pintor favorito e por que?
3. Qual o último livro que você leu?
Contato: Alessandro.
Sinceramente acho maluquice, o anúncio sequer tem fotos. Que pessoa séria faria perguntas como essas? Para mim isso é golpe, parece coisa de filme, não pode ser verdade. Mas Jorge se apega aos detalhes. Disse que um idiota qualquer não usaria a palavra “dândi”, que isso é coisa de algum excêntrico rico hedonista e que de qualquer forma essa é a cilada em que todo artista cai uma hora ou outra: a de ter a proteção de um patrono. Com ele não poderia ser diferente.
Não sei. Entre o trabalho de conclusão da faculdade e a dor que sinto com suas traições já não tenho cabeça para nada. Tento fingir que estou bem, tento enganar a mim mesma, mas a verdade é que desde que li aquela lista infame das suas amantes alguma coisa parece ter se quebrado dentro de mim. Meu medo é que não tenha conserto. Jogo minhas expectativas na viagem e espero que mudar daqui resolva tudo, mas não sei se um dia serei capaz de perdoar Jorge de verdade, se o que quebrou de fato não foi nossa relação e que por amor e dor siga juntando os cacos sem perceber que não se pode remediar o irremediável.
Ou quem sabe... quem sabe ele tenha razão. O que a gente precisa é de mais amor.
AMOR | AMOR | AMOR | AMOR | AMOR | AMOR |
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