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Prologo da 1.ª edição

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Subi em julho d’este anno á montanha umbrosa do Bom Jesus do Monte e repousei o meu espirito, d’umas fadigas em que andava trabalhado, á sombra d’aquellas arvores seculares que ou não envelhecem nunca ou remoçam cada noite para verdejar novas galas ao romper da madrugada...

Quando o romeiro crava o seu bordão n’algum relvoso céspede do ermo sagrado, e sente subitamente embriagados os ouvidos n’aquella primavera inextinguivel chilreada de maviosos trinados, experimenta a influencia benefica d’um elixir mysterioso que se lhe está filtrando no coração, e vae acalmando como por encantamento as tempestades que lá se revolviam momentos antes. Este dulcissimo consôlo experimentei-o eu e experimentam n’o todos os que, na solidão amena, vão desfadigar-se de canseiras intimas.

Na solidão amena disse eu, e quero demorar-me um momento n’este ponto. A solidão profundamente triste e silenciosa quer-me parecer um como remedio heroico para organisações robustas, e só para ellas.

Para as almas que não podem disputar com estas extremos de coragem, e não saem incolumes d’uma procella, a solidão medonha dos desertos seria o mesmo que a morte lenta e desesperada d’um criminoso recluso em carcere cellular.

Subi, pois, a montanha e ia procurando com a vista as arvores que já me tinham dado sombra em romagens anteriores, as fontes cujo suspirar cadenciado eu já tinha escutado, e umas e outras encontrei, as arvores bracejando as mesmas frondes, as fontes suspirosas como d’antes, e concentrei-me então para vêr a minha alma retratada no espelho interior.

Mezes antes, á hora em que eu, longe d’alli, sentia fugir-me a vida e a mocidade, e lançava um como olhar de despedida ás arvores que sacudiam as ultimas folhas, a essa hora, dizia, murmuravam as fontes do Bom Jesus as saudosas queixas de que me lembrava ainda, tranquillas como sempre, e diziam os troncos annosos da montanha ao outomno que se approximava:

«Amarellece, devasta, anniquila, que não entrarás aqui...»

Fui subindo, subindo e remoçando a cada passo que dava, a cada momento que fugia.

Demorei-me tres dias na estancia suavissima do Bom Jesus do Monte, que tanto era preciso para lograr um remoçamento completo, e, na tarde do segundo dia, afigurou-se-me vêr, a distancia, na alameda da Mãe d’Agua, um homem que me inspirara a maxima sympathia quando pela primeira vez lhe falei em Braga—o padre Eduardo Valladares.

O leitor, que não exige que o romancista venha expôr a face do martyr á luz do sol, para que todos o conheçam e o apontem, permitte-me decerto este pseudonymo com que me corre obrigação de velar a verdadeira personagem do mundo real.

Ia o padre Valladares caminhando placidamente, absorto em seus pensamentos, quando commetti a indiscreção de lhe bater no hombro. O padre voltou-se de golpe e extendeu-me os braços alegremente, posto que eu conhecesse que a minha approximação havia quebrado uma serie de pensamentos dolorosos...

Fomos juntos conversando pela alameda acima, até que veiu de geito o dizer-me elle:

—Por que não ha de escrever do Bom Jesus do Monte? Estas arvores sabem tantos segredos, que, se as interrogar, tirará assumpto que farte para muitos livros verdadeiros. Já li o que escreveu do Bussaco[1] e casos tristes, como aquelle, não ha em toda esta montanha um unico torrão que os ignore...

Ia-se alterando a pouco e pouco o semblante do padre, e a sua figura, respeitavel e distincta, parecia contrahir-se como se um espinho agudissimo lhe estivesse atravessando o coração.

Demorou em mim o seu olhar por um momento, e rompeu n’esta apostrophe:

—Se não lamenta ter de perder algum tempo debruçado sobre o abysmo do passado, confie á sua memoria os apontamentos que lhe vou dar.

Até aqui o padre Valladares. Agora duas palavras mais:

O leitor que gostar do romance trabalhosamente architectado, feche o livro e não leia. Aqui não se referem casos tenebrosos, nem se borda a teia, de si mesma singella, com debuxos artisticos. Opulencia, se ha n’este romance, é toda da natureza. O proscenio, o estrado scenico onde as personagens se nos devem mostrar, na maxima parte das vezes outro não ha de ser senão o saudosissimo retiro da Mãe d’Agua assombreado de carvalheiras seculares, cujo sussurro se casa saudosamente com o murmurar da agua que desliza.

Não se reclinam pois os actores em suaves frouxeis; ottomanas não as ha ahi, como todos sabem. Contentem-se com dois canapés rusticos, dois bancos de pedra, que guarnecem a mesa, de pedra tambem.

Alli, na amenidade dulcissima d’um arvoredo frondente, á beira d’agua, a coberto do sol, haveis de encontrar as personagens scismando embevecidas nos idyllios ora tristes ora radiosos do coração e do amor.

D’aqui o titulo do romance.

Porto, 1870.

Idyllios á beira d'agua

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