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III

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João Nicolau de Brito e sua mulher receberam, como tinham combinado. Concorreram á soirée as familias de mais intimo trato n’aquella casa. Abriu-se o piano, n’essa noite, e desterrou-se o loto, que era já então o maximo divertimento dos serões bracharenses e continua a ser para eterna semsaboria das noites de Braga.

A dansa, a alegria, a musica tomaram a vez ao jôgo. Eduardo era a machina motora de tão notaveis reviramentos na casa de dois velhos amolestados de rheumatismo e outros gravames da velhice. Abriu-se a soirée com uma quadrilha. Eduardo fez o milagre de tentar a avó e conseguiu que a pobre senhora figurasse no—en avant—a par de tres raparigas, incluindo as irmãs Machados. João Nicolau de Brito jubilou com a delicadeza do neto e apresentou-o, finda a dansa, como poeta, ás pessoas que estavam na sala.

O amor proprio tem d’estes paradoxos. João Nicolau desestimou a qualidade de poeta na pessoa do neto; agora, lisonjeado da muita delicadeza d’elle, folga de que o rapaz se extreme dos outros com merecimentos distinctos.

As senhoras festejaram a denuncia de um talento precoce, que não tinham avaliado ainda, do filho do bacharel.

Correu n’esse momento ao longo da sala um sussurro de vozes: era o cochichar de meia duzia de raparigas tentadiças com poetas, sob o commando de Maria Luiza, idealista por excellencia.

—É dever teu, Eduardo—disse de golpe D. Maria d’Assumpção—comprovares a opinião antecipada, que de ti formamos. Recita-nos alguma coisa.

—De boa vontade, minha senhora—respondeu elle—se não receasse a indelicadeza d’incommodar v. ex.ᵃˢ e não me conhecesse com o vezo de ser horrivelmente desmemoriado.

—Vá o que lembrar—accrescentou João Nicolau.

—Mas coisa da tua lavra—tornou D. Maria d’Assumpção.

—Folgamos d’ouvil-o—disse Maria Luiza.

Eduardo percebeu que seria indelicadeza imperdoavel o desculpar-se mais.

—Ahi vão, disse elle, seis quadras que não valem nada. Intitulam-se:

Frémitos

Quando tu vaes á janella,

Á noite, e pensas em mim,

Ha uma voz que diz—Ella!

—São os lirios do jardim...

Se d’um livro sobre a folha

Te pende a cabeça e o véo,

Ha uma voz que diz:—Olha!

—É o mar chamando o céo...

Quando esse teu olhar mede

Todo o horizonte do sul,

Ha uma voz que diz:—Vêde!

—Talvez seja a voz do azul...

Se, ao fim da tarde, á janella,

Olhas, nem sabes o que,

Ha uma voz que diz: Bella!

—É a voz do que se não vê...

Mysterios que eu não abranjo!

No jardim, ao pôr do sol,

Ha uma voz que diz:—Anjo!

—A voz d’algum rouxinol...

Quando ha luar e te chamo

Entre as moitas d’alecrim,

Se ha uma voz que diz:—Amo!

Penso que a voz sae de mim...

Estrondearam na sala freneticos applausos.

O moço poeta, de dezeseis annos, agradecia a ovação espontanea e unanime com mostras de modestia e ingenuidade estimaveis.

Merecidos eram sem dúvida taes applausos.

Nos versos do filho do bacharel Valladares havia poesia, se poesia se pode chamar este alar-se da alma para um mundo phantastico onde se ama já uma mulher que ainda se não viu.

Os que entendem que a poesia é uma coisa que elles mesmos não entendem, o nebular a phrase de modo a encobrir a carencia d’uma idéa aproveitavel, esses, apostolos do germanismo transmontado, rir-se-hão da futilidade d’um poetar singello cadenciado na lyra incorrecta dos dezeseis annos.

Maria Luiza Machado, como enthusiasta por versos, pediu ao poeta a cópia dos seus. Isto bastou a travar-se conversação.

—Bem me parecia—disse ella—que o seu coração devia, para cantar mavioso aos dezeseis annos, sentir um raio de sol que o inspirasse.

—Peço desculpa para redarguir a v. ex.ᵃ Os meus versos são talvez uma prophecia. A alma, ainda não adestrada para luctar com as procellas do mundo real, cria para si uma região phantastica.

—Seja como fôr, tornou ella. Desejo possuir os seus versos. Quando m’os dá?

—Amanhã.

Pactuou-se, no fim da soirée, o primeiro passeio ao Bom Jesus, no domingo proximo.

Recordações d’essa noite ficaram muitas e immarcessiveis na alma de Eduardo Valladares. Depois da ultima quadrilha, quando os convidados retiraram e a sala ficou deserta, é que foi o escurecer-se subitamente aquella alma, que mergulharia em profundas trevas, se a imagem esplendida de Maria Luiza lhe não rareasse, a instantes, as sombras interiores. Um olhar e uma phrase d’ella fôram as ultimas impressões d’essa noite.

—Seja como fôr. Desejo possuir os seus versos, disse-lhe ella.

E abriram-se-lhe os labios n’um sorriso de fada.

—Mas, dizia de si para si o filho do bacharel Valladares, tenho apenas dezeseis annos e deixo-me assim embalar nos braços de uma esperança dulcissima que me pode fugir amanhã!

Durante os dois dias que decorreram desde essa noite até o domingo seguinte, annuviou-se o semblante de Eduardo a ponto de João Nicolau fazer reparo na extranha tristeza do rapaz. Quedou-se o velho a scismar no visivel desgôsto do neto e não lhe rasteou origem. Isto inquietara-o sobremaneira. Revelou á esposa as suspeitas e dúvidas que o embaraçavam; conchavaram-se os dois no proposito de dar finalmente com a chave mysteriosa do enigma.

Passadas algumas horas depois d’este secreto colloquio dos dois velhos, D. Maria da Assumpção foi dar com o neto emboscado na ramaria d’uma olaia que sombreava o angulo do quintal. Estava o moço d’olhos pregados no horizonte recortado pelas arvores verdejantes dos quintaes da rua de Santo André.

D. Maria d’Assumpção seguiu por alguns momentos a direcção do olhar do neto e o mesmo foi despeitorar-lhe os mais intimos segredos do coração. Subiu as escadas precipitadamente e chamou o marido a uma das janellas sobranceiras ao quintal.

—Olha, disse-lhe ella apontando para o neto. O coração—o coração dos dezeseis annos sobretudo—ha de ter sempre d’estas contradicções. O excesso da felicidade acarreta d’estas maguas. O que elle deseja é o momento de tornar a vêl-a... São chuveiros d’abril, que não inspiram cuidado.

—Olha que a mocidade d’agora começa muito cedo a tresnoitar-se! O amor dos dezeseis annos! Lêsse-se este caso n’um livro a ver se alguem o acreditava! No nosso tempo não se vivia tanto em tão poucos annos.

—Ahi estás tu a denunciar a edade que tens! É sestro dos velhos andar a reprehender os novos, e o que elles pensam e fazem. Não se vivia tanto em tão poucos annos! disseste tu. Já te não lembras da historia d’uns amores em que falas quando vem de geito citar façanhas da mocidade...

—É uma historia que tem graça. Da janella do meu quarto, no collegio onde me eduquei, andava eu a espreitar nas horas de recreio para a janella d’um terceiro andar onde morava uma costureirinha d’olhos negros...

—Uma costureirinha! O teu neto revela mais fidalgos e poeticos instinctos. Ama romanescamente. Tu andavas mais terra a terra. Não tens que vêr. Iremos domingo ao Bom Jesus.

—Iremos se quizeres. Não sei que systema teem ás vezes as mulheres!

—O meu systema é o do jardineiro experimentado. É preciso cuidar da flor, dar-lhe sol, para que desabrochem depois todas as galas que a Providencia lhe der.

—Anda lá, anda lá, quero ver se a theologia lhe ha de dar tempo para andar com a cabeça á roda!

Idyllios á beira d'agua

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