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Sebastião Valladares tinha carta de bacharel em leis pela Universidade de Coimbra e abrira banca no Porto ao tempo de contrahir casamento com uma senhora bracharense. E certo é que os créditos juridicos de Sebastião Valladares estrondearam em Coimbra durante os cinco annos do seu curso de leis.

Manda, porém, a verdade dizer que a nomeada do talentoso advogado não encontrou entre os demandistas portuenses o écho que remurmurava ainda nos salgueiraes do Mondego. A levada dos clientes, sempre tumultuosa, não affluira á banca do moço bacharel.

João Nicolau de Brito, proprietario em Braga, conheceu que á mediania suada do genro pesava a educação do unico filho que tinha, e chamou á sua companhia o neto, de dezeseis annos d’edade.

—Parece que já não estamos tão sós! dizia João Nicolau de Brito a sua mulher D. Maria d’Assumpção, revendo-se jubiloso no rapazinho de dezeseis annos.

—Pois que! respondia D. Maria d’Assumpção. É sempre consoladora a companhia d’uma pessoa da nossa familia, ainda que seja uma creança.

—Creança! atalhava o esposo. Já não é tão creança como isso. Olha que tem dezeseis annos!

—O que é preciso, porém, é tratar de alliviar ao rapaz as saudades dos paes. Ou elle de si é triste ou se resente da ausencia.

—Tens razão, accrescentava João Nicolau.

—Isso tenho. Já me lembrou combinarmos com as Machados um passeio ao Bom Jesus para o distrahirmos.

—Lembras bem.

—Se lembro! E ellas que hão de gostar. O Eduardo precisa realmente d’uma distracção qualquer. Esta rua do Carvalhal é só e triste. O rapaz passa as tardes á janella por não querer sahir. Tambem tem razão. Não conhece ninguem!

—É isso. Não conhece ninguem—concordou João Nicolau, muito reflexivo.

E accrescentou passados momentos:

—Olha cá! Dá-me da secretária a carta que o pequeno nos trouxe. Ha n’essa carta do Sebastião um periodo que me inquieta. É aquelle em que nos diz que o Eduardo lhe sahira com sua tendencia á poesia!...

—Ora!—proferiu D. Maria d’Assumpção, abrindo a secretária e entregando a carta ao marido.

João Nicolau de Brito montou os oculos, endireitou-se na cadeira e começou a lêr em voz alta:

«... O Eduardo ahi vae; penso que lhes não será rebelde, porque é humilde de si. Amolda-se ás vontades de quem o dirige e parece attentar gravemente no que lhe dizem. Ensinei-lhe tudo o que sabia e podia. Creio que com mais um anno d’estudos preparatorios estará habilitado para entrar n’um curso superior. O destino de meu filho já me não pertence, porém. Pesa me todavia que me sahisse poeta aos dezeseis annos e como por magia! Conheci em Coimbra um rapaz de muitissimos talentos e de seu natural poeta, que por se dar do coração á leitura d’amenidades e aborrecer de morte os alfarrabios da sciencia, teve que luctar com a vontade da familia, que o obrigava a estudar, e com a sua natureza, que o fazia detestar os compendios. Como, porém, não pudesse renunciar á espontanea inclinação, e como não tinha bens de fortuna, succumbiu a uma gravissima affecção moral, que o levou á sepultura, com grande magua de todos os que sabiam aquilatar-lhe a alma e a intelligencia. Desvaneçamos, porém, estas suspeitas; não quero que me chamem visionario. Ahi vae, pois, o pequeno...»

João Nicolau de Brito abanou a cabeça com um gesto solemne e descahiu a scismar.

Atalhou-o, porém, a esposa, batendo lhe no hombro e dizendo ao mesmo tempo:

—Deixa-te de visões! Tratemos de distrahir o rapaz. Iremos domingo ao Senhor do Monte.

—Olha! disse de subito João Nicolau de Brito, como se houvesse despertado d’um somno momentaneo. Ha, porém, um inconveniente n’esse passeio...

—Qual?

—A convivencia com as Machados.

—Ora!

—Ora que!? Tu parece que não sabes o que é ser novo! Eu não me refiro á Rosa Machado. Falava da Maria Luiza, da irmã, que é outra doida por versos, que ha de conversar de poesia com o rapaz, e que por fim ha de vir a falar d’amor como quem se deixa ir ao som d’agua corrente...

—Ora ahi está o que eu approvo, atalhou D. Maria d’Assumpção. Essas práticas lyricas entre os dois ajustavam-se á occasião e vinham de geito. Ainda que o lyrismo do espirito descambasse em lyrismo do coração, ainda que a poesia se transformasse em amor, que inconvenientes poderiam vir d’ahi? Eram verduras da mocidade, que distrahiam o rapaz e que por fim de contas haviam de acabar no momento em que elle se aborrecesse.

—Tambem me parece... Que lá padre, dê por onde der, quero eu que elle seja. Sahiu dado a poesias? Melhor! Será um prégador de fama.

—Ha de ser tudo o que tu quizeres... Mas supponhamos até que o Eduardo começava a arrastar a aza á Maria Luiza. Travava-se o namorico, carta d’aqui, versos d’alli, uma semana d’ataque, outra semana d’aborrecimento, e por fim o rapaz curado da sua nostalgia em quinze dias.

—Mas não falaste ahi em aborrecimento? ponderou gravemente João Nicolau de Brito.

—Falei, respondeu com convicção a sogra de Sebastião Valladares. Mas refiro-me ao aborrecimento que de si mesmos trarão uns amores pueris. Depois, para curar esse aborrecimento, principia-se novo galanteio a nova estrella, e ahi começa a chrysalida a tornar-se borboleta e a perseguir as flores.

—Olha que as flores teem espinhos... atalhou João Nicolau de Brito meneando a cabeça.

—Cala-te! replicou D. Maria. Os espinhos das mulheres são... os alfinetes. Em nome do sexo, agradeço-te a amabilidade.

—Não tens que agradecer, disse João Nicolau rindo e batendo as palmas de contente.—Sim, senhora! Vossa excellencia está hoje espirituosa! Receba os meus parabens. Iremos ao Bom Jesus quando quizer e mande convidar as familias do nosso conhecimento para nos fazerem companhia esta noite. Solemnizemos a recepção do rapazinho. Se queres que te diga—accrescentou mudando de tratamento—tive hontem pena d’elle. Eram dez horas e já tinha somno. Tambem não sei o que fazes do piano! Já és avó, é verdade, mas a velhice ainda não te immobilisou os dedos. Pois venham lá as Machados, e haja ao menos musica uma noite...

—Então queres?

—Quero. Manda convidar. Que lá padre ha de elle ser. Ainda lhe hei de ouvir um sermão...

—Se não fôr seccante, disse D. Maria d’Assumpção sahindo da sala.

Idyllios á beira d'agua

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