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Tres dias depois do primeiro passeio ao Bom Jesus do Monte escrevia Eduardo Valladares a sua mãe:

«Escuso de lhe dizer que me resenti da falta do carinho materno, da mudança de terra e de casa, da differença de costumes, de tudo isto finalmente que a gente conhece desde os primeiros annos da vida. Devo dizer-lhe, porém, minha mãe, que sahi da minha familia para encontrar outra familia que tambem é minha, e onde, para ser a felicidade completa, apenas me falta o livro sagrado do seu coração que eu sabia delettrear e comprehender.

«Da cidade—e não sei se para isto contribuirá o ter nascido aqui minha mãe—da cidade, que é em verdade pittoresca, dir-lhe-hei que não desgosto e que se me afigura melhor do que o Porto para se respirar ar saudavel e morrer a gente com uma gordura fradesca.

«A falta de movimento que se nota em Braga, procedente da exiguidade da população, é uma garantia de commodidade, longe de ser um defeito. Pode a gente dormir á vontade, até altas horas do dia, que não corre perigo d’accordar sobresaltada pelo estrepito das ruas. Só os sinos... Ai! os sinos de Braga, minha mãe, badalejam que é de qualquer pessoa ensurdecer dentro de quarenta e oito horas. Isso sim, que é horroroso!

«A esta praga dos sinos só acho comparavel em semsaboria a extensão das noites de Braga.

«Desde que vim, só uma noite me pude esquecer de que não, estava no Porto. Quiz a avó convidar algumas familias das suas relações, cuido que para festejar a minha chegada, e passou-se o serão alegremente, mais alegremente do que era de esperar.

«Das senhoras que concorreram, apenas merecem especial menção as meninas Machados, que são muito estimaveis e sympathicas. Em companhia d’estas senhoras passamos o dia de domingo no Bom Jesus do Monte, a mais formosa paizagem que tenho visto em vida minha. Aquillo sim, que é bonito e suave! N’aquellas sombras deliciosas sente a gente abrir-se o coração para sentimentos novos. Minha mãe, que decerto alli viveu alguns dos dias da sua mocidade, deve comprehender que impressões dulcissimas recebi. Quando desci da montanha, vinha saudoso, preciso confessal-o. Saudoso de quê? Da montanha, que posso visitar quando me aprouver? Não sei Saudoso talvez d’umas horas agradaveis que lá vivi.

«E depois no Bom Jesus do Monte nem os homens andam embuçados em capotes, como na cidade, nem as senhoras espreitam os transeuntes a coberto das rotulas das janellas. Alli ha completa liberdade, principiando pelas aves que se desenfadam de tronco em tronco sem que ninguem as persiga.»

A carta do filho do bacharel Valladares merece-nos reparos.

Pelo que diz respeito ao seu estado moral, cumpre fazer notar estas phrases involuntariamente significativas:

«... para ser a felicidade completa, apenas me falta o livro santo do seu coração que eu sabia delettrear e comprehender.»

«Desde que vim, só uma noite me pude esquecer de que não estava no Porto.»

«Das senhoras que concorreram, merecem especial menção as meninas Machados, que são muito estimaveis e sympathicas.»

Referindo-se ao Bom Jesus do Monte dissera Eduardo Valladares, como o leitor viu, que «n’aquellas sombras deliciosas sente a gente abrir-se o coração para sentimentos novos.»

Quereria elle dizer que a sua alma se estava enflorando para exuberantes primaveras e auroras ainda não conhecidas?

O futuro nol-o dirá.

No attinente á apreciação de Braga, corre-nos obrigação de lembrar ao leitor que o filho do bacharel Valladares escrevia n’um tempo em que Braga conservava ainda os biocos d’uma verdadeira provinciana.

Vão hoje, em pleno anno de 1870, visitar a capital do Minho e dir-me-hão se não enlevaram os olhos nas graças das damas bracharenses que passeiam a sua elegancia por entre os alegretes do campo de Sant’Anna.

Homens de capote só os ha lá... quando está frio, o que se me afigura uma prova irrecusavel do bom senso da população masculina d’aquellas paragens.

Diz um adagio «Deus dá o frio conforme a roupa». Quer-me parecer, porém, que seria muito mais verdadeiro e sensato dizer se «Deus deu a roupa por causa do frio.»

Quanto aos sinos, ainda em 1870, como então, são egualmente detestaveis os de Braga e os... do Porto.

Chateaubriand escreveu algures que o christianismo conseguiu dar suspiros ao bronze.

Sem querer desvirtuar a poetica idéa do auctor do Genio do Christianismo, sou a dizer que me não quer parecer «suspirar», um martelar continuo de toadas populares nos sinos das cidades. A musica das ruas invadiu a egreja.

Suspirar é o do sino da aldeia, que nos viu nascer, quando vibra sonoro ao pôr do sol, no meio da solidão.

Acceito de melhor sombra estas palavras do mesmo Chateaubriand no René:

«Tudo se encontra nas encantadas meditações que em nós desperta o sino natal: religião, familia, patria, o berço e o tumulo, o passado e o futuro.»

Idyllios á beira d'agua

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