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IV

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Batiam sete horas da manhã nas torres do Bom Jesus do Monte, quando João Nicolau de Brito, sua mulher, Eduardo e as duas meninas Machados subiam em alegre caravana o escadorio do santuario. Pelo que diz respeito aos dois velhos, em cujo grupo faltava a viuva Machado, iam cansados da subida; não assim os companheiros, que saltavam alegremente d’escada em escada, como tres avesinhas que voltassem no mesmo dia á liberdade do ar, depois d’uma reclusão asperrima, e fôssem chilreando de fronde em fronde pela encosta acima.

Affluiram, n’esse dia, ao Bom Jesus muitas familias de Braga, de sorte que se augmentara consideravelmente a ruidosa caravana.

Demoraram-se na hospedaria João Nicolau, sua mulher e os outros velhos, seus conhecidos, trôpegos de rheumatismo; o resto da caravana errava pela montanha ao sabor de cada um.

Eduardo Valladares sentiu por momentos necessidade de conversar com a sua alma em jubiloso dialogo. Subiu ao largo dos Evangelistas, e embrenhou-se na matta sombria da Mãe d’Agua.

Estava elle escrevendo a lapis na carteira, quando casualmente descobriu, através da folhagem, um vulto indistincto.

Encobriu-se com o muro posterior á mina e ficou d’atalaia, a coberto da parede. Passados alguns momentos reconheceu ser Maria Luiza e sentiu bater-lhe o coração vertiginosamente.

Vinha ella, pensativa, subindo a alameda. Depois sentou-se n’um banco de pedra e descahiu a scismar, encostada á mesa, que tambem era de pedra[2].

Eduardo Valladares espreitava-a silencioso. Ora sentia estuar-lhe o sangue nas arterias escandescentes ora esfriar-se com esvahimentos de moribundo anciado. Maria Luiza quedara-se a scismar com os olhos fitos no vago e o rosto descansado na mão. É um mysterio que se não comprehende, um enigma que se não decifra—o que seja este vago d’uns olhos contemplativos, o ponto indistincto e nebuloso onde se fita o olhar, a não ser que esse ponto seja a lente que reflicta o olhar de si mesmo namorado. Pois em que mais se pode extasiar uma alma venturosa a não ser na intima contemplação da primavera interior? Dizem pois, e dizem bem, os que entendem do coração, que os olhos são o espelho da alma e o olhar a muda expressão do sentimento que a domina. Tudo isto nos vae levando insensivelmente a uma conclusão provavel. Pois se o olhar é o reflexo da alma, se a alma está absorta em júbilo, e se a vista se concentra n’um ponto unico, quem poderá duvidar de que esse ponto seja a lente mysteriosa que está espelhando o fogo do nosso olhar, o fogo da nossa alma? Ora se não é isto o vago d’uns olhos contemplativos, não sei eu bem o que seja o vago. O que sei, porém, é que todas as almas placidamente inebriadas teem d’estas horas de arroubo em que os olhos se embellezam no azul d’um horizonte desconhecido aos outros.

Estava, pois, Maria Luiza extasiada n’estes ineffaveis enlêvos, quando sentira cahir-lhe aos pés um papel, que mão invizivel impellira. Despertou de subito d’aquelle dulcissimo far niente, que é o sonhar accordado da alma. Pegou no papel e desdobrou-o precipitadamente; desdobrou-o e leu-o.

Dizia assim:

«Disse a rosa á borboleta:

—«Abre uma aza, inquieta,

Faze-me d’ella um docel...»—

Volveu ella:—«Flor dos valles,

Dá-me, em paga, do teu calix

A seiva, o licor, o mel...»—

Assim nós tambem. N’um dia

Sob a aza da poesia

Dormiste e sonhaste, ó flor.

Eu, namorado e poeta,

Hei de ser a borboleta,

Tu a rosa; o mel, o amor...

Voltou-se surprehendida Maria Luiza como a procurar nas sombras do arvoredo o apaixonado fauno que furtivamente viera requestar com incendidos madrigaes a nayade formosa; o mesmo foi encarar no moço enamorado, que procurava lêr nos olhos d’ella a impressão dos versos, e que sentira esvahidas as fôrças quando tentou fugir d’aquella suavissima prisão que alli o tinha como galvanisado.

—Aqui? disse-lhe ella. Pensei que tinha acompanhado o resto da caravana.

—Idealista, como v. ex.ᵃ—volveu elle convulsamente e como querendo dominar uma impressão violenta—procuro ás vezes a solidão. Não temos que extranhar o encontrarmo-nos aqui.

—De mais extranheza será, porém, dizer-lhe eu que se occultam n’estas sombras da Mãe d’Agua faunos poetas, que sabem escrever bonitos versos ao sabor de madrigaes. Aqui tenho eu uns que me parecem maviosos; ou me vieram da mão d’um fauno, que, por engano, me tomara á conta de nayade, ou cahiram por acaso da aza d’uma andorinha, que era correio d’amantes.

Eduardo Valladares empallidecia extremamente.

—E comtudo esta lettra não me é extranha, continuou Maria Luiza. Notavel coincidencia! Parece-se muito com a sua, com a dos versos que teve a gentileza de me enviar ante-hontem. Ora veja...

N’este momento ouviu-se ao fundo da alameda uma voz de mulher. Quedaram-se os dois á escuta. Passados instantes, porém, descobriu-se através das arvores o vulto já distincto da irmã de Maria Luiza.

Chamava para o almôço, que esperava por elles na mesa da hospedaria.

Idyllios á beira d'agua

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