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II

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Thomaz Ignacio Machado tinha sido um homem dinheiroso. Abriu, em Lisboa, os salões do seu palacete á flor da aristocracia olyssiponense, deu bailes esplendorosos, pompeou em cavallos e trens, teve aventuras com dansarinas de S. Carlos, jogou o monte com a sobranceria d’um homem que não joga para ganhar e... achou-se arruinado no dia em que pensou no futuro que o estava esperando.

O Creso, apeado do seu pedestal de ouro, emboscou-se nas moitas verdejantes d’uma quinta proxima a Braga, e ahi veiu descansar das saturnaes esplendidas de Lisboa com o intuito de bemfeitorisar as propriedades obrigadas ao dote da mulher e de velar por tres innocentes meninas, suas filhas, salvas da tormenta na arca sagrada do coração materno.

Chamava-se Emilia a mais velha, que morreu aos vinte e dois annos tisica, se não victima d’uns amores desventurosos, que não fazem ao nosso proposito.

Rosa e Maria Luiza viviam ainda, como o leitor inferiu do capitulo anterior.

A custo de muitas economias pôde Thomaz Machado rehabilitar a casa consideravelmente esbanjada e obter os rendimentos necessarios, não para a vida faustosa de Lisboa, mas para uma decencia estimavel então, e invejavel ainda hoje.

Veiu, pois, Thomaz Machado residir em Braga, e, após dois annos de apartamento na quinta do Prado, alugou casa na rua de Santo André.

A mallograda Emilia morrera na quinta do Prado, ao cabo d’um anno de tão melancholico exilio.

Rosa, no tempo a que somos obrigados a remontar, tinha vinte e um annos; Maria Luiza, dezenove.

Rosa não era uma belleza. Tinha, porém, um trato tão suave e delicado, um quê de meiguice e de ternura, que diffundia encanto. Maria Luiza, ao contrário da irmã, era um demonio bonito. Conversava com os homens mais do que com as senhoras, valsava com delirio, tinha a ironia prompta e o epigramma certeiro, tocava piano e recitava versos, cantava seguidillas e desvelava um vaso d’alecrim do Norte que tinha ao canto da janella. Era trigueira e possuia uns olhos negros que nadavam em luz. Parecia que não andava; voava. Ouvia-se um ruflar de azas; olhava-se... era ella. Não houve ainda mulher mais flexivel, nem mais elegante. Era quasi uma columna de fumo, que ondulava no espaço e que desapparecia com um sôpro. Lembra-me comparal-a áquella creatura aerea, vaporosa, que nós conhecemos d’um livro d’Octavio Feuillet. Maria Luiza tinha seus laivos da condessinha do escriptor francez. Era porém mais intelligente e menos desenvôlta. Ainda assim com que salero, puramente andaluz, não batia ella as mãos, correndo do seu alecrim para o seu piano e entoando a meia voz um fragmento de seguidilla:

El amor que te tengo

parece sombra;

quanto mas apartado

mas cuerpo toma.

La ausencia es aire

que apaga el fuego chico

y enciende el grande.

Depois, se a irmã se sentava ao piano e voejavam ao longo da sala notas de suavissima tristeza, como um bando de rôlas viuvas que se andassem carpindo, Maria Luiza, para se furtar á impressão dolorosa da musica, batia o pésinho no chão e começava, saltando, a cantar.

Havia só um nome, só uma palavra, que a fazia entristecer subitamente. Era o nome de sua irmã Emilia. Tinham sido duas irmãs extremosas, que viviam uma para a outra.

Ás vezes, n’um momento de dolorosissima saudade, dizia a inquieta donzellinha:

—Quem sabe se virei a morrer da morte de minha irmã? Talvez. Eramos tão amigas!...

Estavam na quinta do Prado, como já se disse, quando Emilia morrera. Os tisicos enganam até ao ultimo momento; ninguem esperava que ella passasse n’aquelle dia. Rosa tocava, na sala proxima, umas variações da Norma; Maria Luiza falava com a doente a respeito das andorinhas e do sol, das flores e das borboletas, das noites de luar e dos rouxinoes. De repente a irmã interrompera-a, para segredar-lhe:

—Ouves? É a musica do noivado. O meu noivo espera-me. Has de me dar um ramo de lirios para levar no seio. Eu gosto tanto dos lirios! Os rouxinoes são meus amigos. Esperava este momento com anciedade; elle já me espera ha dois annos e devia ter saudades de mim. Morreu tão novo! Ouves, minha irmã? A musica continua. São as andorinhas, que chilriam... Dá-me um beijo; as borboletas são irmãs das flores e tambem se beijam.

Ouviu-se o frémito d’um beijo e o som agudo d’um grito. Era a voz de Maria Luiza. Sua irmã tinha morrido a beijal-a, como se quizesse transmittir-lhe a vida n’um beijo.

Ao grito de Maria Luiza acudiu o pae, a mãe e a irmã. Já chegavam tarde, porém.

Desde aquelle dia, Maria Luiza entristecia-se quando lhe falavam d’essa hora amargurada. Tornou-se amiga de todos os que eram amigos de sua irmã e ia todos os domingos ao cemiterio d’aldeia poisar um ramo de flores sobre o tumulo fechado havia pouco tempo. Quando vieram habitar em Braga, Maria Luiza soffreu muito com a falta da visita ao cemiterio, ou com a ausencia de sua irmã, como ella dizia. Aos domingos, todavia, era quando mais cantava o

El amor que te tengo

parece sombra...

e dizia a Rosa que se via obrigada a cantar para reprimir as lagrimas no seio.

Thomaz Ignacio Machado morreu em Braga, dezoito mezes depois de ter sahido da quinta do Prado. Chorou-o a esposa, choraram-n’o as filhas estremecidas e choraram-n’o todos os que viam n’elle um homem remido das faltas do passado por um longo soffrimento.

Idyllios á beira d'agua

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