Читать книгу Portugal e Brazil: emigração e colonisação - D. A. Gomes Pércheiro - Страница 10
VI
ОглавлениеAs colonias não podiam prosperar, no nosso humilde entender, quando estivessem montadas, se o governo não lançasse mão de um meio energico—e liberal humanitario ao mesmo tempo, contra a emigração clandestina, meio que se nos afigura ser o mais prompto e decisivo para a cura do mal que definha as forças vitaes do paiz—a falta de braços: referimo-nos á inspeção da emigração, que pode, em parte, substituir a escolla, e auxiliar, desde já, e muito poderosamente, a pequena agricultura que luta com a falta de braços que se escoam para o Brazil.
A inspecção da emigração não é cousa nova. Está estabelecida nos paizes mais adiantados e se o Brazil a não estabeleceu, como já fez a America do norte, é porque n'aquelle paiz como em Portugal não se estuda a serio estes assumptos economicos.
Á America do norte não comvem o engajamento forçado, isto é, a illusão. Á America do norte comvem que a introducção dos colonos seja feita com a maxima liberdade, por que nos processos liberaes do engajamento está a riqueza dos grandes nucleos da emigração e por consequencia do paiz que acolhe os emigrantes.
O projecto de lei apresentado na camara dos representantes dos Estados Unidos por mr. Conger, estabelece alem de outras medidas favoraveis aos emigrantes que procuram as terras do norte da America, que nos portos de partida os consules americanos deverão passar uma especie de inspecção aos emigrantes; que ao desembarque d'estes as queixas serão julgadas summariamente pelos commissarios dos Estados Unidos; estes commissarios serão nomeados pelo presidente dos Estados Unidos, de accordo com o senado, por um periodo de quatro annos; serão encarregados, debaixo da direcção do secretario do thesouro, da execução de todas as leis relativas á emigração, e authorisados a estabelecer regulamentos; o secretario do thesouro nomeará, um escrivão bem como addidos inspectores e outros agentes necessarios; os proprietarios, agentes ou capitães de navios que conduzem emigrantes aos Estados Unidos pagarão no momento do desembarque, um dollar por pessoa adulta, applicavel aos soccorros em caso de doença, ao aluguer ou construcção de embarcadouros, sempre em beneficio dos emigrantes; nos portos de Liverpool, Hamburgo, Breme e outros, onde annualmente se embarca mais de 40:000 emigrantes, será estabelecido um agente com commissão especial de inspeccionar os navios antes de partirem, examinar se a lei é executada, de dar as necesarias informações aos emigrantes, etc; nos outros portos onde a emigração não exceda annualmente aquelle numero o consul substituirá o agente da emigração mediante um supplemento de 1:000 dollars por anno; quatro inspectores, fallando allemão, francez e sueco e outras linguas serão addidos ao porto de New-York, e um em cada um dos portos onde chegam os emigrantes em quantidade consideravel; a estes agentes cumpre acompanhar os empregados das alfandegas á chegada de cada navio commerciante, examinal-os, receber as queixas dos emigrantes, e quando as houver fazer um relatorio ao collector da alfandega e ao chefe do departamento da emigração; o superintendente intentará um processo por perdas e damnos em favor dos emigrantes; os commissarios nos Estados Unidos julgarão summariamente todos os casos de mau tratamento a bordo, insufficiencia ou má qualidade de alimentos, perjuizos na bagagem, roubos, fraudes, seja nos hoteis, no cambio da moeda, atraso nos caminhos de ferro, etc, etc; poderão condemnar o culpado a 100 dollars de multa por cada uma das culpas e tambem poderão reclamar a sua prisão até que o caso seja julgado; os deveres dos superintendentes, debaixo da direcção dos commissarios, serão prover a que os emigrantes sejam bem recebidos ao desembarque, de alugar para elles os necessarios terrenos, e mandar fazer as construcções indispensaveis, de cuidar nas suas bagagens, de tomar os seus nomes, idade, occupação e destino, de os proteger contra as fraudes, procurando-lhes occupação, quando a desejem, de prover ás mais urgentes necessidades dos recemchegados, de lhes prestar todas as informações relativas ao meio mais prompto e mais economico de se transportarem aos seus destinos, de lhes fazer obter das companhias de transporte as mais vantajosas condições, e emfim de prevenir tudo para a commodidade e segurança dos colonos, etc., etc.; os contractos passados no estrangeiro para o transporte dos emigrantes a um ponto qualquer dos Estados Unidos serão illegaes e nullos, não tendo sido previamente approvados pelo superintendente da emigração.
Mas se os paizes que recebem colonos precisam de inspectores que fiscalizem a emigração, aquelles de onde ella se escoa não precisa menos d'esses utilissimos agentes do governo. Assim o intendeu o conde de Thomar em 1860, quando representava Portugal no Brazil, nomeando um commissario, o dr. Antonio José Coelho Louzada, para formular um projecto de regulamento para a emigração; projecto que, uma vez convertido em lei do estado, devia ser de grande utilidade para o nosso paiz.
Referindo-se á creação dos logares de inspector, diz elle:
Que a nomeação dos inspectores especiaes da colonisação não é cousa nova. Na França e na Belgica, por onde se escoa uma grande massa de emigrantes europeus, ha os inspectores especiaes e sem elles eu não julgo que o governo portuguez possa ter nenhum conhecimento exacto da população que emigra, nem a certeza de que a sahida dos emigrantes se faz sem o emprego da seducção e do engano a que é tão frequentemente sujeita. As authoridades administrativas da localidade respectiva, ás quaes o art. 5.º, n.º 1 (da lei de 20 de julho de 1855), commetteu a fiscalisação d'este assumpto, não podia no meio de tão complicados encargos, como os que já tem pela legislação vigente, occupar-se detidamente de um negocio que para ser bem fiscalisado deverá começar de muito antes do emigrante embarcar, e somente acabar no acto da sua saida pela barra fóra. Como porem não seja para esperar que a deserção dos patrios lares vá, como até agora tem succedido, em grande progressão, e antes ao contrario d'isso eu tenha por infallivel que ella diminuirá com as providencias que indico, entendi que os inspectores especiaes de colonisação não deveriam fazer parte de uma nova creação de empregados publicos, e que n'esse intuito procurando-se algum que estivesse menos sobrecarregado de trabalho ou inteiramente dispensado d'elle, possa á rigidez de caracter unir uma boa vontade para empregar-se em um serviço publico de tamanha importancia, como se reputa ser aquelle, que deverá ter por empreza não sómente desviar a seducção feita aos emigrantes, que precorrem paizes que não são possessões nossas, como o de ir explorando os meios mais efficazes a empregar, com o fim de fazer encaminhar uma semilhante tendencia para os dominios portuguezes d'alem-mar. Sem um similhante funccionario applicado a este ramo de serviço publico, nem a fiscalisação irá até aos ultimos momentos da partida do navio, nem as estatisticas do movimento emigratorio poderá obter fóros, se não de real, pelo menos de mui aproximado, por isso que todos os quadjuvantes que lhe são dados não podem occupar-se se não dos assumptos concernentes á sua especialidade, como são os capitães do porto, o delegado ou sub-delegado de saude e o empregado da alfandega, todos os quaes carecem de um centro de reunião para que possam marchar de accordo nas medidas a empregar.[9]
O projecto do regulamento, que era um complemento á doutrina do art. 12.º da lei do 20 de julho de 1855, e a que se refere a nota que acima reproduzimos, estabelece oito inspecções nos portos, de Lisboa, Porto, Vianna do Castello, Madeira, Ponta Delgada, Horta e Terceira com o encargo de superientender a emigração tanto dos portuguezes como dos estrangeiros que houverem de sair pelos portos acima indicados; estabelece que o embarque de emigrantes em qualquer outro porto seja vedado; que os inspectores tomarão o logar das authoridades administrativas locaes no desempenho das obrigações consignadas na lei de 20 de julho de 1855; que os inspectores fiscalisem os passaportes dos emigrantes, etc. etc.
Mas foi prégar no deserto. Já são passados 17 annos de somnolencia incomprehensivel; e desde então para cá, que de milhares de braços tem perdido a nossa agricultura!
A commissão parlamentar nomeada ha annos para prover de remedio a tão grande mal, calculava que em 20 annos se perdiam 75 por cento dos portuguezes que emigram para o Brazil!
Reduzindo a metal o que este trabalho representa, diz a commissão, e dando 120$000 réis ao trabalho produzido por cada emigrado, annualmente, 34:000 emigrados, representando 2:400$000 réis cada um, em 20 annos fazem 81.600:000$000 réis.[10]
Foram igualmente baldados os estudos da commissão dos srs. deputados!
E tudo isto: estes milhares de contos, e, o que é mais, os milhares de vidas preciosas que vão perder-se no Brazil, seriam aproveitadas em beneficio do paiz que tanto d'elles carece.
Quando haverá um governo que trate seriamente de debellar o mal que nos prostra?
Ah! mas a liberdade! Deixemos aos proletarios a vontade livre, a liberdade de emigrar, que é uma garantia do cidadão!
Mas a esses que apregoam essa liberdade absurda respondem os grandes economistas, que não desrespeitam a liberdade, tal qual ella deve ser comprehendida pelos que dirigem os destinos das nações:
«O livre arbitrio, diz o nosso doutissimo compatriota, o sr. Rodrigues de Mattos, só pode ser admissivel no homem sabio e no caso extremo, em que por violencia extranha tem de actuar e lhe faltam conceitos por melhores, do que a reprovação conscenciosamente justificada; mas ainda assim o homem sabio condemna sempre o livre arbitrio e prefere dizer: ignoro; obedeço; não imponho.—O radicalismo que se apregoa nas doutrinas da liberdade sem limites e da sciencia sem privilegio traduz-se no charlatanismo dos mais ardilosos; na traição dos hypocritas insuflados de odios; na corrupção dos poderes do estado; no amalgama dos erros com as verdades; nas superfetações do pedantismo encyclopedico. Concordando nas doutrinas do sr. Alexandre Herculano e na intelligencia do principio liberal e razoavel applicado na inspecção dos processos de emigração, lembro tambem á Sociedade Real de Agricultura o seguinte expediente. Todo o portuguez que pretenda emigrar e esteja no caso de ser reputado na classe ou ordem—Emigração socialmente legitima e economicamente boa, procederá a um exame, em que pelo menos mostre saber ler, escrever e contar, sommando e diminuindo; que saiba conscenciosamente a posição de Portugal e da America no mappa geographico, as suas historias pelo menos as mais modernas, e alguma cousa de climas, raças humanas, producções, industrias e seus valores comparativos e utilisaveis; se tem algumas noções dos deveres de pai, de marido, de filho, de irmão, do que significam as palavras «sou portuguez da Europa e não portuguez da America». Se a Sociedade Real de Agricultura poder conseguir a pratica d'esta doutrina de legitimidade de acção e de utilidade economica não só Portugal se enriquecerá, porque o numero de emigrados ficará reduzido de 12:000 a uns 200 até 300 emigrados, que honrarão no Brazil as tradições gloriosas dos seus antigos progenitores nos cinco continentes da terra, como tambem fomentarão o commercio e as industrias das duas nações na Europa e na America. Homens, coisas, na America, serão talvez um elemento material destructivel por quem melhor o souber consumir para reproduzir-se em proveito total; menos os taes 3:000 contos de interesse por commissão e despezas de capitaes nos valores 108.000.000:000$000; commissão que nem ao menos chega para comprar opio e fazer dormir por 24 horas um paiz que desde dois seculos não passa do termo medio das 3.500:000 almas, quando poderia contar 10.000:000, só na peninsula, e ter aproveitado as suas melhores colonias, disputadas hoje por quantos aventureiros apparecem, como lobos contra cordeiros. Turbulentam mihi aquam fecisti.»
Discordamos um pouco da opinião do illustre escriptor, com respeito ás considerações que elle fez a respeito da instrucção, que no seu intender devia ser exigida pela Sociedade de Agricultura aos emigrantes. Nós contentavamo-nos com muito menos; isto é, que lhes fosse exigida a certidão de que sabiam ler correntemente.